COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

sábado, 26 de setembro de 2015

A CONTA DO TRÁFICO ESTOURA EM VOCÊ

DIÁRIO GAÚCHO - 26/09/2015 | 11h31


Carros, cargas, celulares e cabos furtados estão no topo das moedas de troca que valem ouro para garantir a rentabilidade do mercado da droga.



Foto: Divulgação / Polícia Militar





Eduardo Torres




A delegacia é especializada na investigação de roubos de veículos do Vale do Sinos, mas neste ano já apreendeu 1,2 tonelada de drogas na região, praticamente o mesmo índice do Denarc – o Departamento de Investigações do Narcotráfico.

O dado surpreendente revela, para a polícia, quem está lucrando mais na ponta de uma cadeia impulsionada pelo crime que mais cresce no Estado. Mesmo em tempos de crise econômica, traficantes seguem investindo em carros roubados ou furtados como uma moeda de troca muito valiosa. O Diário Gaúcho fez um levantamento para saber como essa organização criminosa impacta na vida do cidadão.

Veículo vira droga

Levantamentos da Polícia Civil atestam que um carro popular roubado nas ruas da Região Metropolitana, depois de clonado e transportado para a fronteira com o Paraguai, retorna, em forma de drogas – na maioria das vezes, maconha – e multiplicado em até 30 vezes o valor com que foi negociado entre criminosos.

– A possibilidade de ganhos que os traficantes viram neste negócio é muito maior e menos arriscada do que um roubo a banco – afirma o delegado Rodrigo Zucco.

Os investigadores já constataram que o uso dos carros como moeda de troca foi institucionalizado. A partir das cadeias, o comando dos Manos estaria orientando criminosos a fazerem a compra das drogas a partir de carros roubados e furtados.Segundo o Ministério Público, somente um núcleo da facção chega a lucrar R$ 50 mil por semana.

– É um negócio com baixo risco de prisão e de perdas, além de garantir alta lucratividade – avalia
o delegado.

Flagrante

A apuração começou com as prisões de suspeitos com um Golf e um Cerato clonados, carregados com ecstasy, em Campo Bom, em maio. Um dos suspeitos foi liberado, mas seguiu sendo monitorado. Na semana seguinte os agentes chegaram até ele em Canoas, a partir de um Fusion roubado, que ele dirigia no Bairro Mathias Velho.

– Tínhamos a informação de que esse grupo havia recebido um grande carregamento justamente em troca de carros – aponta Zucco.

Em Canoas, os policiais chegaram a um carregamento de 520kg de maconha. No mês passado, apreenderam mais 683kg. A droga estava escondida em uma caminhonete L200 clonadas. O veículo havia sido roubado, adulterado e seguiria para Foz do Iguaçu após a entrega.


Carros sob encomenda

Segurança Pública revelam que, no primeiro semestre deste ano, 1.608 veículos foram furtados ou roubados somente entre São Leopoldo e Novo Hamburgo. Na Capital, o número é superior a 6 mil veículos.

O traficante, no entanto, raramente se envolve no roubo do carro. Ele funciona como um comprador desses veículos encomendados a receptadores, que funcionam como intermediários nessa rede.

– Três carros médios valem até 200kg de maconha – revela o delegado Rodrigo Zucco.

Depois de roubado, encaminhado a um receptador e clonado, um carro médio é vendido por valores em torno de R$ 3 mil ao traficante interessado em negociar o veículo por drogas.

Entregues os veículos na fronteira com o Paraguai, geralmente outro carro clonado é usado para transportar a droga até a Região Metropolitana.

Como o prejuízo chega a seu bolso

Chega a pesar 50% no preço do seguro de um carro o risco que ele tem de ser roubado. De janeiro a julho, houve um aumento de 11% no seguro dos mais vendidos no país. Em Porto Alegre, nos últimos dois anos a cotação de seguro na Zona Sul registrou um salto. Está na Capital o seguro mais caro dos modelos de carros mais roubados. O seguro de um Honda Civic 2015 chega a R$ 3,9 mil. De acordo com a Federação Nacional de Seguros Gerais, no primeiro semestre o setor movimentou R$ 7,8 bilhões. E, mesmo com a crise econômica, o setor cresceu 6,5%. Até o ano passado, apenas 30% da frota brasileira era segurada.


Cargas, o “trem pagador”

A histórica relação entre o tráfico e roubo a banco perde espaço no Estado. Seguindo uma tendência já observada pela polícia em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, os ataques que passam a alimentar as finanças dos traficantes são contra cargas – tanto aos depósitos quanto aos caminhões.

Com muitos traficantes conhecedores dos meandros do Porto Seco e com histórico anterior em roubos, a Zona Norte de Porto Alegre, concentra esses crimes.

Uma vez roubado, de acordo com os investigadores, o produto é repassado informalmente por preços abaixo do mercado, mas geralmente com uma roupagem de produto legal.

– O consumidor tem participação direta na alimentação dessa cadeia. Quando compra um celular de origem duvidosa e com preço suspeito, uma carteira de cigarros por preços muito abaixo do encontrado normalmente ou ainda um produto eletrônico anunciado de forma duvidosa, pode estar sendo cúmplice disso – aponta o delegado Juliano Ferreira, da Delegacia de Roubos de Cargas, do Deic.

Como o prejuízo chega a seu bolso

A conta do que movimenta a indústria do tráfico chega não apenas sob a forma de mais insegurança, mas também no bolso. A estimativa de empresas seguradoras é de que os roubos de carga já pesam cerca de 16% no preço de cada produtos. É o custo do que é investido em segurança repassado no preço de cada produto ao consumidor.


Celular é o caixa rápido

Se na ponta de cima do mundo do tráfico os carros passaram a valer ouro, no varejo, são os celulares.
– É um produto de rápida saída. Assim que é roubado, tem logo um receptador que recoloca o celular sem dificuldade na rua, vendendo por preços bem abaixo do mercado – diz o delegado Hilton Müller, da 17ª DP.

A delegacia lida com a meca dos ladrões de celulares, na região do Centro Histórico. Ali, segundo a Brigada Militar, é possível encontrar a cadeia completa desse tipo de crime. A partir das mãos do assaltante, um aparelho avaliado em mais de R$ 1 mil é vendido por R$ 50. O lucro no repasse desse aparelho chega a R$ 500.

O papel do traficante, de acordo com o delegado, não é central neste esquema. Ele é mais um interessado. De acordo com o Denarc, celulares estão entre os objetos mais encontrados em bocas de fumo. São uma espécie de capital de giro para o gerente do tráfico.

Conforme um levantamento da seguradora Bem Mais Seguro, por hora são roubados pelo menos quatro celulares em Porto Alegre, mas apenas 60% dos casos chegam a ser registrados na polícia. O prejuízo médio às vítimas da Capital, segundo o levantamento, é de R$ 825.

Como o prejuízo chega a seu bolso

Para proteger um iPhone, por exemplo, o custo pode chegar ao mesmo de um seguro para o carro. Chega a R$ 1,5 mil. Conforme um levantamento de empresas seguradoras, em Porto Alegre, o prejuízo médio das vítimas de roubos de celulares é superior a R$ 800.

Furtos sustentam o vício

Nas bocas de fumo, o crack é a droga mais barata. Mas, em contrapartida, é a de cobrança mais cara. Então, o usuário corre atrás do que conseguir para honrar este preço. O cobre presente no núcleo de cabos telefônicos ou de luz está entre os alvos preferidos.

De acordo com a Delegacia de Crimes contra o Patrimônio, do Deic, são pelo menos dez ocorrências diárias desse tipo de furto na Região Metropolitana. A estimativa é de que, a cada dia, pelo menos 30 mil pessoas sintam o prejuízo pelo serviço que deixa de ser prestado.

O quilo do cobre nos ferro-velhos custa R$ 15. É o dinheiro que o usuário leva para o traficante. O rigor em cobrar os usuários do crack segue uma lógica perversa. A droga é a mais cara para a compra na fronteira com o Paraguai. Lá, o quilo de crack custa R$ 10 mil, contra R$ 100 pelo da maconha.


De acordo com a delegada Sílvia Coccaro, o foco das investigações está nos receptadores já que os usuários furtam para conseguir comprar mais drogas, aparentemente sem uma ação organizada ou comandada por traficantes.

Como o prejuízo chega a seu bolso

Dentro de casa, além dos dias de incômodo com cortes de serviços em virtude dos furtos de cabos, o custo para reposição chega na conta da luz. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Brasil perde anualmente R$ 4,5 bilhões somente em desvios de todo o tipo. As chamadas perdas não técnicas, que incluem os furtos, pesam, ema média, 38% na formação da tarifa da luz.

sábado, 12 de setembro de 2015

ESQUINA DO CRACK

ZERO HORA.  12/09/2015 - 07h03min



Por: Aline Custódio (TEXTOS) e Mateus Bruxel (FOTOS)



Esquina da Zona Sul de Porto Alegre se tornou uma cracolândia . Área localizada no Bairro Santa Tereza é, há três anos, ponto de encontro de usuários de drogas

A 50m de uma escola e a 600m de um posto da Brigada Militar, a esquina das ruas Bernardino Caetano Fraga com Professor Manoel Lobato, na Vila dos Comerciários, Bairro Santa Tereza, em Porto Alegre, virou terra de reféns da violência e das drogas.

Ali, traficantes estimulam dependentes químicos durante 24 horas. Entorpecidos pelas drogas, circulam ameaçando e roubando pedestres, invadindo moradias e fazendo sexo nas calçadas. Dentro das casas, moradores vivem isolados por grades e câmeras.

Por três dias, a reportagem acompanhou a rotina da área que é conhecida como a esquina do crack.



Depois de fumar um cachimbo de crack, um homem caminha curvado, com passos lentos e o olhar perdido. À frente dele, uma mulher esconde o rosto sobre um casaco de moletom para tragar a pedra queimada por uma vela. Próximo aos dois, 13 pessoas se escoram num muro para consumir álcool, maconha e crack. É como se estivessem alheias ao entorno. São 10h da manhã, e a cena ocorre enquanto crianças deixam a escola e motoristas passam lentamente olhando na direção dos usuários.

Por três dias, a reportagem do Diário Gaúcho ouviu moradores e testemunhou a rotina da esquina paralela à Rua Sepé Tiaraju, que liga as avenidas Moab Caldas e Teresópolis.

O dia todo
O uso descontrolado de drogas na região, que tem mais de 70 mil habitantes, é feito em qualquer horário. Em 2 de setembro, por exemplo, por volta das 11h, um carro da Brigada Militar passava pela rua, e um grupo consumia a pedra, entre um cigarro e um gole de um líquido laranja que lembrava suco. Ao lado deles, três jovens caminhavam entre os dependes químicos para distribuir as drogas. Os policiais olharam a cena e seguiram em direção à Sepé.

Dos 15 usuários que estavam na esquina, 11 eram homens aparentando menos de 30 anos. Uma das mulheres, isolada dos outros frequentadores, fumou quatro pedras em quatro horas, quase sem falar.

Moradores garantem que há dias em que mais de 30 pessoas se amontoam na calçada para consumir drogas.

— Nos tornamos reféns desta situação! Eles ficam na rua, e nós, presos — desabafou uma professora universitária que vive na região há 20 anos.



Rotina de crimes
Depois de quatro assaltos, uma moradora do bairro há 40 anos encontrou a fórmula para evitar invasores.

— Nunca mais cortei a grama nem pintei as paredes. É para pensarem que não temos dinheiro — revelou.

Na semana passada, duas pedestres foram assaltadas por frequentadores da esquina quando caminhavam pela Bernardino. No final do ano passado, um casal de idosos foi espancado dentro de casa por quatro bandidos.

— Não consigo vender a casa porque ninguém quer morar ao lado de uma cracolândia — contou uma dona de casa que instalou cerca de arame farpado, grades mais reforçadas e comprou dois cães de guarda.

Próximo dali, um senhor instalou na casa da família câmeras externas desde a entrada. Nem isso inibiu os bandidos. Um deles, que frequentava a esquina do crack, subiu na cerca e arrancou uma das câmeras que estava também cercada:

— Até o ano passado, os brigadianos vinham. Quem tinha mais drogas era levado. Agora, a gente chama a Brigada, e eles dizem que não têm viatura. Virou terra de ninguém.

O 1º Batalhão da Polícia Militar, responsável pela região, não se manifestou sobre a situação até o fechamento desta edição.


Homens e mulheres usam drogas na esquina o dia inteiro

Comunidade pede ajuda na internet

Cansados da falta de respostas das autoridades, há um mês, moradores da Vila dos Comerciários se uniram para criar a comunidade do Facebook Vila dos Comerciários Pede Socorro. Nela, são publicadas as situações diárias da esquina do crack e dos arredores em fotos e vídeos. Entre os posts, mensagens pedindo ajuda. Em uma delas, o relato do desespero de quem vive acuado: “Estamos pedindo socorro a toda e qualquer autoridade que possa nos ajudar! Estamos desesperados. Atualmente, os moradores do bairro vivem este verdadeiro horror. Foi tomado por usuários de drogas que se acumulam nas esquinas das ruas, não permitindo a passagem pela calçada. Os moradores são ameaçados pelos usuários, tentando extorquir dinheiro para sustentar seu vício. A grande pergunta é: estes sujeitos têm direito de ir e vir? E os moradores, têm este direito? É claro que não!”

Sem conseguir conversar pessoalmente, por temer represália dos usuários e dos traficantes que circulam na região, os moradores se comunicam pela rede social e no grupo criado no WhatsApp.

– Quando algum morador é intimidado ou se sente ameaçado, nos falamos por mensagem. O único apoio que temos vem dos vizinhos – relata um empresário aposentado, que mora na região há 30 anos.


Vela é usada para aquecer o cachimbo de crack

Questão de saúde pública
Para o psiquiatra Carlos Pacheco, coordenador da área técnica de saúde mental da prefeitura de Porto Alegre, o problema da esquina do crack vai além da segurança.
— Também envolve saúde pública. Boa parte não quer se livrar do vício — ressalta.

Segundo ele, a Capital tem 250 leitos para internação psiquiátrica e cinco Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), para dependentes químicos. No caso dos que frequentam aquele local, a maior parte não tem interesse em fazer o tratamento para desintoxicação.

— Pretendemos contratar 24 redutores de danos, que são agentes comunitários especializados para fazer a primeira tentativa de convencimento — comenta Carlos.

Por meio da assessoria, a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) esclareceu que o local vem sendo trabalhado pela equipe de abordagem social do CREAS Glória Cruzeiro Cristal. “As pessoas que foram contatadas não são favoráveis à presença da equipe naquele local”.


Consumo é feito a 50m de uma escola pública

Os efeitos da pedra
* O crack é uma pedra feita com a sobra não refinada da cocaína, misturada a bicarbonato de sódio ou amônia e a outros elementos tóxicos (gasolina e querosene).
* Por ser sobra, é mais barata (custa R$ 5, em média) e causa inúmeros danos ao organismo.
* O formato sólido permite que a pedra seja fumada. Seu nome surgiu devido ao barulho que a pedra faz ao ser queimada.
* O crack chega ao cérebro em dez segundos, e seu efeito dura de cinco a dez minutos.
* As principais sensações causadas são insônia, autoconfiança, euforia e perda da sensação de cansaço.
* O usuário sofre profunda depressão logo após a passagem do efeito. Por isso, costuma usar várias pedras.
* A fumaça atinge a superfície do pulmão e é absorvida pela corrente sanguínea.
* A potência da pedra está no uso, e não na composição. O consumo é desenfreado leva à dependência.
* A consequência da dependência acaba afetando a visão e causando dores no peito, convulsões e até coma.
* Nos casos extremos, provoca parada cardíaca. A morte também pode acontecer devido à diminuição da atividade cerebral em áreas que controlam a respiração.



Sintomas que identificam o uso
* Mudança repentina de companhia e amigos.
* Alterações nos hábitos alimentares, perda de peso, insônia severa e falta de apetite.
* Visível mudança física: perda de pelos, pele ressacada, envelhecimento precoce.
* Comportamento deprimido, cansaço, descuido com a aparência, irritação e agressividade.
* Perda de interesse pelo trabalho e estudos.
* Mentiras frequentes.


Abordagem de rua na Capital
O Serviço Especializado em Abordagem Social atende a população em situação de rua, pela abordagem individual ou de grupos. Os funcionários promovem, com a formação de vínculos no espaço rua, a inserção na rede de serviços assistenciais e acesso às demais políticas públicas. Solicitações de abordagem social podem ser feitas pelo telefone 3289-4994.

*Diário Gaúcho