COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

terça-feira, 28 de maio de 2013

INTERNAÇÃO, PRISÃO OU RUA?

JORNAL DO COMERCIO 28/05/2013


César Trinta Weber



No livro Loucura, a busca de um pai no insano sistema de saúde, publicado em 2009, o juiz Steven Leifman, da 11ª Vara de Justiça de Miami (Flórida, Estados Unidos), questiona: “Se fosse perguntado à maioria das pessoas onde estão os doentes mentais em nossa sociedade, elas responderiam que estão nos hospitais psiquiátricos do estado”. Segundo o magistrado, elas estão equivocadas. “Eles estão em nossas prisões”. Mesmo que o tratamento normativo que o ordenamento jurídico brasileiro conceda ao assunto - excetuando as medidas de segurança privativas de liberdade, uma espécie de salvo conduto aquele que ao agir sem a consciência do que faz fique fora da prisão, tal constatação não desobriga o enfrentamento dessa matéria de saúde pública.

O tema da internação involuntária, que foi aprovada esta semana na Câmara dos Deputados, precisa deixar de lado a controvérsia ideológica e político-partidária que o circunda, para dar lugar ao debate técnico, assistencial e multidisciplinar, alcançando alternativas na indução de políticas públicas que promovam uma intervenção resolutiva, quando possível e sempre atenuadora, do sofrimento daqueles envolvidos com o problema. A medida é um direito do doente e da família, já que ele, o doente, não possui discernimento necessário, em função da própria doença, para decidir o que é melhor para si. Nessa perspectiva, alguns governos estaduais deram um primeiro passo para tratar usuários de drogas, instituindo o auxílio financeiro às famílias como medida complementar ao programa de internação, o que assegura tratamento diferenciado e promissor.

O doente mental e sua família precisam ter a garantia de acesso e usufruto de tratamento especializado, adequado e digno. É indispensável uma rede de ações e serviços. Sem ambulatórios, serviços de emergência, leitos em hospitais-dia e em hospitais-gerais em número suficiente e qualidade desejada, restam-lhes a rua, o que já vem ocorrendo.

Médico, doutor do Departamento de Psiquiatria/Unifesp

domingo, 26 de maio de 2013

VACINAS PARA TRATAMENTO DAS DEPENDÊNCIAS

ZERO HORA 26 de maio de 2013 | N° 17444

ENTREVISTA.“Haverá vacinas para tratamento”

THOMAS MCLELLAN PSICÓLOGO AMERICANO

Respeitado no mundo inteiro como autoridade na área de pesquisa em dependência química, Thomas McLellan é autor de mais de 400 estudos. Na década de 1980, o psicólogo americano apresentou o Addiction Severity Index, escala que permite medir o nível de dependência do paciente, uma ferramenta largamente utilizada até hoje. Em 2000, McLellan publicou uma pesquisa polêmica que também é referência para profissionais e sistemas de saúde, comparando o vício em álcool e cocaína a enfermidades crônicas como o diabetes e a hipertensão e evidenciando a inadequação dos tratamentos de curto prazo.

O ex-consultor da Casa Branca em políticas nacionais para o controle do uso de substâncias ilícitas falou de seu trabalho e comentou a marca de três anos sem reincidências alcançada por Rodrigo de Souza Barros, personagem desta reportagem.

– O Rodrigo tem muita sorte e parece estar muito comprometido com a recuperação.

Zero Hora – O senhor é autor de um estudo fundamental para o tratamento de dependentes de drogas. A pesquisa, publicada em 2000, afirmava que o usuário deve ser tratado como um doente crônico, aquele com diagnóstico de diabetes tipo 2, hipertensão ou asma. A dependência química não tem cura, e por isso o paciente precisa ser monitorado para sempre.

Thomas McLellan – Como existem tantos problemas sociais associados ao consumo de drogas, há uma tendência natural de pensar que a dependência é sinal de caráter ruim, pais que não souberam criar seus filhos ou maus pensamentos. Esse conceito levou à criação de modelos de tratamento por tempo limitado, que permitiriam que o paciente alcançasse, ao final, o discernimento, uma espécie epifania, um novo aprendizado. A partir daí, ele aprenderia a lição e estaria livre das drogas. Não funcionou. Não há cura para a dependência grave. Desde 2000, houve muitas pesquisas fazendo comparações entre a genética, as mudanças cerebrais e o curso natural dos problemas com substâncias ilícitas, de um lado, e doenças genéticas como o diabetes e a hipertensão, de outro. Há diferenças, mas o número de semelhanças é muito maior. Não podemos curar essas doenças crônicas, mas podemos administrá-las. Estudos que avaliaram diabetes, hipertensão e asma e as dependências de álcool, ópio e cocaína mostraram que o percentual de herança genética fica entre 50% e 70%. Os índices de recaída para todas essas doenças são praticamente os mesmos, e as razões para a recaída incluem falha no comprometimento com o tratamento, comorbidades psiquiátricas e pobreza. Tratamentos de tempo limitado são inadequados para doenças crônicas porque a recaída é quase certa. Imagine um programa de 30 dias para tratar o diabetes.

ZH – Houve progressos significativos no tratamento da dependência? Como o senhor avalia o impacto da sua pesquisa desde então?

McLellan – Esse estudo foi mais criticado do que qualquer outro estudo publicado no Jama durante mais de um ano. Muito pouco aconteceu imediatamente depois, mas agora a dependência química constará, obrigatoriamente, de um programa do governo federal, sendo tratada como doença crônica. Moral da história: se quiser resultados rápidos, não faça pesquisa científica. Na nova legislação americana para a área da saúde, o tratamento para distúrbios causados pelo uso de substâncias químicas é considerado um serviço essencial. Um plano de saúde não poderá existir sem oferecê-lo. Isso nunca aconteceu antes. Falhas no diagnóstico e no tratamento de problemas relacionados a drogas custam mais de US$ 100 bilhões por ano ao sistema de saúde. Não podemos continuar ignorando isso.

ZH – Em mais de 35 anos de experiência nessa área, que mudanças o senhor apontaria como as mais importantes ocorridas no período? O que se pode esperar para o futuro?

McLellan – A mudança positiva mais relevante, nos Estados Unidos, é o grande sucesso das medidas para prevenção e tratamento do tabagismo. Trata-se de uma área onde os programas de saúde pública foram muito eficientes. Outros avanços notáveis estão relacionados ao estudo dos circuitos cerebrais de recompensa, que começaram a produzir medicamentos muito bons. Em breve, haverá vacinas para problemas ligados a cigarro, cocaína e ópio, que impedirão que o paciente sinta os efeitos da droga. São vacinas para tratamento, e não preventivas. As doses funcionam por 30 dias, mas em breve surtirão efeito por até seis meses.

Respeitado no mundo inteiro como autoridade na área de pesquisa em dependência química, Thomas McLellan é autor de mais de 400 estudos. Na década de 1980, o psicólogo americano apresentou o Addiction Severity Index, escala que permite medir o nível de dependência do paciente, uma ferramenta largamente utilizada até hoje. Em 2000, McLellan publicou uma pesquisa polêmica que também é referência para profissionais e sistemas de saúde, comparando o vício em álcool e cocaína a enfermidades crônicas como o diabetes e a hipertensão e evidenciando a inadequação dos tratamentos de curto prazo.

O ex-consultor da Casa Branca em políticas nacionais para o controle do uso de substâncias ilícitas falou de seu trabalho e comentou a marca de três anos sem reincidências alcançada por Rodrigo de Souza Barros, personagem desta reportagem.

– O Rodrigo tem muita sorte e parece estar muito comprometido com a recuperação.

Zero Hora – O senhor é autor de um estudo fundamental para o tratamento de dependentes de drogas. A pesquisa, publicada em 2000, afirmava que o usuário deve ser tratado como um doente crônico, aquele com diagnóstico de diabetes tipo 2, hipertensão ou asma. A dependência química não tem cura, e por isso o paciente precisa ser monitorado para sempre.

Thomas McLellan – Como existem tantos problemas sociais associados ao consumo de drogas, há uma tendência natural de pensar que a dependência é sinal de caráter ruim, pais que não souberam criar seus filhos ou maus pensamentos. Esse conceito levou à criação de modelos de tratamento por tempo limitado, que permitiriam que o paciente alcançasse, ao final, o discernimento, uma espécie epifania, um novo aprendizado. A partir daí, ele aprenderia a lição e estaria livre das drogas. Não funcionou. Não há cura para a dependência grave. Desde 2000, houve muitas pesquisas fazendo comparações entre a genética, as mudanças cerebrais e o curso natural dos problemas com substâncias ilícitas, de um lado, e doenças genéticas como o diabetes e a hipertensão, de outro. Há diferenças, mas o número de semelhanças é muito maior. Não podemos curar essas doenças crônicas, mas podemos administrá-las. Estudos que avaliaram diabetes, hipertensão e asma e as dependências de álcool, ópio e cocaína mostraram que o percentual de herança genética fica entre 50% e 70%. Os índices de recaída para todas essas doenças são praticamente os mesmos, e as razões para a recaída incluem falha no comprometimento com o tratamento, comorbidades psiquiátricas e pobreza. Tratamentos de tempo limitado são inadequados para doenças crônicas porque a recaída é quase certa. Imagine um programa de 30 dias para tratar o diabetes.

ZH – Houve progressos significativos no tratamento da dependência? Como o senhor avalia o impacto da sua pesquisa desde então?

McLellan – Esse estudo foi mais criticado do que qualquer outro estudo publicado no Jama durante mais de um ano. Muito pouco aconteceu imediatamente depois, mas agora a dependência química constará, obrigatoriamente, de um programa do governo federal, sendo tratada como doença crônica. Moral da história: se quiser resultados rápidos, não faça pesquisa científica. Na nova legislação americana para a área da saúde, o tratamento para distúrbios causados pelo uso de substâncias químicas é considerado um serviço essencial. Um plano de saúde não poderá existir sem oferecê-lo. Isso nunca aconteceu antes. Falhas no diagnóstico e no tratamento de problemas relacionados a drogas custam mais de US$ 100 bilhões por ano ao sistema de saúde. Não podemos continuar ignorando isso.

ZH – Em mais de 35 anos de experiência nessa área, que mudanças o senhor apontaria como as mais importantes ocorridas no período? O que se pode esperar para o futuro?

McLellan – A mudança positiva mais relevante, nos Estados Unidos, é o grande sucesso das medidas para prevenção e tratamento do tabagismo. Trata-se de uma área onde os programas de saúde pública foram muito eficientes. Outros avanços notáveis estão relacionados ao estudo dos circuitos cerebrais de recompensa, que começaram a produzir medicamentos muito bons. Em breve, haverá vacinas para problemas ligados a cigarro, cocaína e ópio, que impedirão que o paciente sinta os efeitos da droga. São vacinas para tratamento, e não preventivas. As doses funcionam por 30 dias, mas em breve surtirão efeito por até seis meses.




Dr. Thomas McLellan 


Ele foi o principal desenvolvedor do Addiction Severity Index (ASI) eo Tratamento Services Review (TSR), instrumentos de medição, que caracterizam as múltiplas dimensões da substância abusando pacientes e protocolos de tratamento. Estas ferramentas foram traduzidos para mais de 20 línguas e são os instrumentos mais utilizados de seu tipo no mundo. Ele também atuou na Casa Branca, Dr. McLellan era um psicólogo e professor de psiquiatria da Universidade da Pensilvânia e fundador e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa de Tratamento, a pesquisa não tem fins lucrativos e operação de avaliação baseada na Filadélfia.

Entre suas muitas distinções é o Life Achievement Award da Society of Addiction Medicine.

Sediada na Filadélfia, Pensilvânia, o Instituto de Pesquisa de Tratamento é uma organização independente, não para a pesquisa de lucros e organização de desenvolvimento dedicada a reforma impulsionada pela ciência do tratamento e da política em abuso de substâncias.Entre seus projetos atuais é o desenvolvimento de um "Guia do Consumidor" para avaliar a qualidade em programas de tratamento uso de substâncias.

O HOMEM QUE DRIBLA O CRACK

ZERO HORA 26 de maio de 2013 | N° 17444

TRÊS ANOS DEPOIS

LARISSA ROSO

Há três anos, Zero Hora acompanhou o dia em que Rodrigo de Souza Barros deixou a comunidade terapêutica Fazenda do Senhor Jesus, em Viamão. Depois de nove meses de tratamento para o vício em crack, chegava a hora de conhecer uma vida em abstinência. Hoje, aos 37 anos, empregado em uma loja de móveis da Capital, Rodrigo comemora o período sem recaídas e conta como é a rotina de um dependente químico para sempre em recuperação.

Três anos depois, Rodrigo é o mesmo e é outro também. Mentaliza um ensinamento bíblico para nortear a rotina regrada que preenche os dias desde que deixou a Fazenda do Senhor Jesus, na Lomba Verde, interior de Viamão, após nove meses de tratamento. “Renunciai à vida passada, despojai-vos do homem velho, corrompido pelas concupiscências enganadoras”, diz o trecho do quarto capítulo de Efésios no Novo Testamento. Aos 37 anos, ele não pode se desvencilhar por completo da lembrança do dependente químico maltrapilho, que trocou um casamento, os móveis da casa e a dignidade por pedras de crack, para não turvar a vista e perder os parâmetros. “Revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade.” Em abstinência há três anos e nove meses, Rodrigo toca uma nova vida, mas carrega pesadelos de outros tempos.

– Desde a hora em que acordo até a hora em que vou dormir, não faço nada do que um dia eu fiz. É como tirar uma casca ruim e ser um novo cara. Velho homem, novo homem. Foi assim. Hoje eu não sou nem parecido com o que um dia eu fui. Me cuido nos detalhes, me policio para não errar em nada. Sei aonde comportamentos negativos me levaram. Só plantava o inferno, na minha vida e na vida de todo mundo que me cercava – conta o auxiliar estoquista de uma loja de móveis.

Uma reportagem publicada em Zero Hora, em maio de 2010, detalhou o dia em que Rodrigo deixou a comunidade terapêutica administrada pela Pastoral de Auxílio ao Toxicômano (Pacto – POA). Transcorrido o período simbólico de uma gestação, para marcar a desintoxicação e o renascimento do usuário, o porto-alegrense reuniu os poucos pertences e retornou para a residência da mãe, no bairro Santa Cecília, na Capital.

Trilha religiosa no lugar de bandas de rap

Foi recebido com um almoço especial, na companhia dos irmãos e da sobrinha. Dentre tantos que viriam, era o primeiro recomeço, depois de quase duas décadas dormentes pelo consumo de álcool, maconha, cocaína e crack. Descobrira-se um católico fervoroso durante a reclusão, e era com orações e hinos de louvor que tentava afastar a lembrança ainda nítida do que sentia à primeira tragada. Nunca teve uma recaída.

– Em data festiva, não vou mentir que não vem a vontade de tomar uma ceva gelada. Mas de pedra, graças a Deus, eu não consigo mais lembrar, em nenhum momento, com prazer – garante.

Rodrigo credita o discernimento a tudo que leu sobre o tema. Abandonou a escola com a 7ª série incompleta – há pouco, concluiu o Ensino Fundamental em um programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) –, mas quem o observa acredita estar diante de um estudioso das ciências biológicas. Disseca o corpo humano em explanações, descreve reações químicas, nomeia as funções de hormônios. Sabe que bastaria um gole como gatilho – no restaurante, confirma se o sagu exposto no bufê de sobremesas foi preparado com vinho, e então escolhe outro doce.

Acomodou-se em uma agenda sem sobressaltos: acorda às 6h30min, pega duas conduções até o trabalho, toma café com os colegas, divide-se entre o depósito e as entregas com o caminhão, retorna à noite. Nos fones de ouvido conectados ao telefone, trocou as bandas de rap por Walmir Alencar e Irmão Lázaro, trilha religiosa que o inspira para os finais de semana, quando se apresenta ao violão em duas igrejas.

– Celular... hoje eu consigo ter até celular! – surpreende-se, exibindo o aparelho. – Antes, estava sempre empenhado com o traficante.

Frequenta parques para tomar chimarrão e gosta de bater papo em sites de namoro. Descarta as pretendentes muito festeiras ou que confessam gostar de “provar uma coisinha”. Antes de conhecer alguém pessoalmente, faz questão de se apresentar como dependente químico. Os diálogos costumam ser semelhantes, e ele garante que a sinceridade não provoca desistências.

– O que você usou? – questiona uma menina no chat, repetindo a pergunta de várias outras quando confrontadas com a mesma revelação.

– Usei de tudo – responde Rodrigo.

– Até crack?

– Até crack.

Algumas situações o empurram ao passado

Rodrigo trabalhou em dois estacionamentos e lavagens de carro, duas lojas de móveis e duas comunidades terapêuticas, onde conviveu com adolescentes e adultos devastados pelas mesmas substâncias que lhe atordoaram a juventude. Testemunhou violentas crises e não consegue esquecer a cena de um garoto batendo a cabeça na parede, desesperado com a privação do uso de crack, durante uma reunião para estudo da Bíblia. Tentou deter os mais afoitos contando a própria história. Viu internos tendo alta e sendo trazidos de volta, semanas depois, derrotados outra vez, para uma nova tentativa. Ao final dos expedientes mais difíceis, Rodrigo procurava refúgio na capela.

– Fundo de poço não se mede, mas eles passaram por coisas que eu não cheguei a fazer – reflete, salientando que nunca se meteu em ocorrências policiais. – O grande problema da pedra, hoje em dia, é que a coisa é muito rápida. O cara fuma maconha, dá uns tequinhos, aí fuma pedra e deu. Já vai para a marginalidade e perde as rédeas da situação. Na minha adolescência, a moda era fumar maconha. Cocaína já era mais difícil de conseguir. Hoje a pedra é muito fácil – compara.

Mesmo cuidando por onde anda, é impossível não deparar com situações que o empurram para o passado. Não frequenta festas ou ambientes onde se consome muita bebida, mas recorda bem da primeira vez, após a alta, em que viu alguém fumando a pedra. Identificou ao longe, em uma praça, o brilho do isqueiro acendendo um cachimbo.

– Foi bem ruim. Não foi fissura, não foi vontade de ir ali dar um pega. Foi medo, muito medo. Dentro da comunidade, você vê tanta gente saindo e tanta gente recaindo que não tem como não ficar apavorado – descreve. – Ou o cara escolhe a vida, para sair fora desse atoleiro todo, ou escolhe a morte.

O terror da recaída é presença constante

Mesmo depois de uma internação e de um longo tratamento seguido à risca, o dependente químico não pode se considerar curado. A vigilância será permanente, pois o menor deslize representará sempre o terror da recaída. Habituado a testemunhar as dificuldades de quem tenta abandonar o vício, Flavio Pechansky, diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), exalta o feito de Rodrigo. Para o especialista, também chefe do Serviço de Psiquiatria de Adição do HCPA, os casos resilientes são os que mais atraem o interesse dos pesquisadores. A ciência, explica o médico, avança a partir dos casos atípicos.

– Ele usava crack, uma das drogas mais intensas. Perde o efeito em minutos, o que faz com que o usuário use dezenas de pedras por dia. O que ele tem, que os outros pacientes em volta não têm, que faz com que a condição de recuperação seja maior? Imagina o esforço do cérebro para poder viver sem isso, a quantidade de movimento neuroquímico que ele teve que fazer para aprender a tolerar não receber crack a cada meia hora. Isso implica um esforço tremendo. Ele quebrou a regra – comenta Pechansky. – É como subir o Everest. Sem oxigênio.



A RECUPERAÇÃO 

O tratamento de um dependente químico passa por quatro etapas

- Primeira (três a quatro meses): o período de internação costuma ser de forte turbulência, interna e externa – no organismo e nas relações interpessoais. O crack é uma substância de ação rápida, e a suspensão do efeito produz imenso desconforto. Interromper o uso representa um esforço enorme para o dependente. O funcionamento do cérebro se torna caótico, e o paciente, muitas vezes, precisa ser estabilizado com tranquilizantes. Há traumas no relacionamento com familiares e amigos, que se intensificam nesta fase. O risco de recaída é grande, e por isso o comprometimento com o tratamento é fundamental.

- Segunda (seis a oito meses): alternam-se estados de ânimo, e o dependente pode ficar depressivo, ansioso, desesperançoso. A capacidade de tolerar frustrações é pequena. Além dos medicamentos, o suporte oferecido por grupos de apoio e pela família é essencial. O paciente deve retomar relacionamentos e compromissos sociais e legais (nos casos em que o vício acarretou problemas com a Justiça, por exemplo). O perigo de retomar o consumo ainda é bastante grande.

- Terceira: há maior estabilização do quadro. O paciente está melhor ancorado: trabalha, estabelece ou retoma relações afetivas, volta a merecer a confiança dos familiares e intensifica também a autoconfiança. Começa a colher resultados do período vivido em abstinência, e há motivação para seguir em frente.

- Quarta: é a manutenção. O dependente segue em acompanhamento, frequentando reuniões de apoio, e também se monitora, cuidando para não repetir condutas da época da ativa.

Fonte: Fonte: Flavio Pechansky, diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do Serviço de Psiquiatria de Adição do HCPA

sábado, 25 de maio de 2013

ANTES DE LIBERAR A MARIA, OUÇAM AS MÁRCIAS

ZERO HORA 25 de maio de 2013 | N° 17443


EDITORIAIS



A semana foi marcada por dois fatos significativos e, aparentemente, antagônicos em relação às políticas de combate às drogas. Na segunda-feira, a Organização dos Estados Americanos divulgou um relatório defendendo a flexibilização das ações de repressão contra a maconha, sugerindo claramente a substituição do modelo atual de criminalização do tráfico e do consumo pela legalização da produção, venda e consumo da droga. O estudo da OEA, encaminhado aos 35 países filiados à entidade como referência para a formulação de novas políticas antidrogas, foi celebrado por defensores da legalização, entre os quais o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente colombiano César Gaviria, o ex-presidente chileno Ricardo Lagos, o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo, o ex-secretário de Estado norte-americano George Shultz, o ex-presidente do Federal Reserve Paulo Volcker, e a ex-alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos Louise Arbour, todos integrantes da Comissão Global de Política sobre Drogas e todos signatários de um artigo favorável ao uso legal da maconha por adultos, publicado em vários jornais do mundo.

O outro fato foi a aprovação pela Câmara dos Deputados do Brasil do substitutivo do deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL) ao projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) que atualiza a Lei sobre Drogas no país, aumentando a pena para traficantes e introduzindo a internação involun- tária para usuários.

Os dois eventos merecem profunda reflexão. É importante reconhecer que a decisão da OEA e a posição das autoridades mencionadas decorrem do fracasso da política repressiva que vem sendo adotada há mais de quatro décadas no continente. O que pregam os integrantes da Comissão Global é a substituição da criminalização por uma abordagem de saúde pública e a experimentação de modelos de regulação legal de drogas ilícitas com o propósito de reduzir o poder do crime organizado. Porém, por mais sensata que tenha sido a recomendação da ONU, ela está sendo interpretada em vários países como um estímulo ao consumo, principalmente por grupos de usuários e simpatizantes que promovem marchas pedindo a descriminalização. “Liberen a Maria”, diziam as faixas portadas por jovens em Buenos Aires (foto), em Santiago e também no Rio de Janeiro.

Em contrapartida, uma leitora que usa o pseudônimo Márcia nos encaminhou esta mensagem contundente sobre o artigo publicado pelo deputado Osmar Terra na última quarta-feira:

Diante da manifestação do deputado federal Osmar Terra, percebi a validade de meu voto. Acredito que a repressão ao tráfico de drogas, bem como ao seu consumo, é medida urgente que deve ser aplicada de forma rigorosa e com apoio unificado da sociedade e do Estado.

Qualquer membro dos três poderes que seja a favor da “liberação da maconha” merece ser investigado. Não é possível, frente à epidemia em questão, que alguém possa achar que a liberação é apropriada, ainda mais neste momento de caos. 

Talvez pense assim quem ganha dinheiro com isso, o que não é o caso da minha família. Meus pais possuem uma renda familiar de aproximadamente 30 salários mínimos. Somos três filhos e uma das minhas irmãs teve diagnóstico de bipolaridade e transtorno de personalidade aos 21 anos, em sua primeira internação em uma clínica psiquiátrica por 170 dias, após descobrirmos que era usuária de cocaína injetável. Antes, desde os 15 anos, por rejeição social em função da doença, já frequentava consultórios de psicólogos e psiquiatras. Começou com a maconha e o álcool aos 15 anos; aos 18 passou a cheirar cocaína; aos 19 passou a injetá-la, sempre com o acompanhamento médico e da família. Hoje, aos 34, é usuária de crack. Meus pais devem aproximadamente R$ 400 mil, entre dívidas bancárias e médicas para cobrir os prejuízos causados por ela. E já não possuem mais casa própria nem carro. Não convivem socialmente, porque se sentem consternados, envergonhados, enfraquecidos, endividados e impotentes. Não sonegam impostos, seus descontos são feitos diretamente em folha. Não passamos Natal e final de ano juntos há 15 anos porque não é possível colocar a tia em contato com os sobrinhos. Não viajamos juntos porque não há dinheiro para isso. Tivemos que gastar com internações, ritalina, psiquiatras, etc. Não tivemos festa de formatura, nem de 15 anos, pelos mesmos motivos. Também não houve confraternização no nascimento dos novos e pequenos membros da família, pelo mesmo motivo. 

As drogas impõem muitas perdas à família e à sociedade, principalmente afetivas e sociais. Mas ainda temos esperança em ver a população unida a um Estado com bom senso. É o que nos resta.”

sexta-feira, 24 de maio de 2013

CONSUMO DE ÁLCOOL POR VIAS ANAL E VAGINAL PREOCUPA MÉDICOS

PORTAL TERRA SAÚDE 

Adolescentes têm assutado pais e médicos com consumo exagerado de álcool via anal, vaginal e até pingando no olho
Foto: Getty Images

Aline Lacerda

Recentemente, um jovem americano foi hospitalizado em coma alcoólico depois de introduzir uma grande quantidade de vinho por meio de um tubo inserido no reto.

Além de consumir bebida via anal, vários jovens no mundo têm assustado pais e médicos com métodos nada convencionais de se embriagar. Nos Estados Unidos e Europa, vídeos se espalharam na internet com adolescentes pingando vodca nos olhos, método chamado por eles de "vodka eyeballing". Meninas que encharcam absorventes internos de álcool e os colocam na vagina também tem parecido uma prática difundida, além de beberem álcool em gel.

Segundo a Dra. Zila Van Der Meer Sanchez, pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), da Unifesp, os adolescentes que chegam aos prontos-socorros alcoolizados usam menos destas práticas no Brasil do que em outros países, apesar de casos terem sido registrados.

“Os riscos para quem consome álcool desta maneira são exatamente os mesmos de métodos convencionais. O que conta é a quantidade de álcool ingerida, porque independente de onde for, o corpo vai absorver do mesmo jeito”, explicou ao Terra.

O clínico geral do Hospital das Clínicas, Dr. Arnaldo Lichtenstein, também alerta para o uso cada vez maior de álcool. “O grande problema é o uso abusivo do álcool, independente da via”.

No entanto, além do comportamento extremamente invasivo ao corpo, o ânus, por exemplo, tem mais terminações nervosas e mucosas mais expostas, o que causa uma absorção mais rápida e compromete a percepção da quantidade ingerida.

“Se for tomando de pouquinho em pouquinho, a pessoa vai sentindo e consegue identificar mais fácil a hora de parar. Mas, mesmo assim, depois de parar ainda há uma grande quantidade de álcool no estômago para ser metabolizado e, neste ponto é comum as pessoas passarem mal, vomitarem e colocarem para fora o que ainda não foi absorvido. No entanto, nestes casos de consumo por outras vias, a substância vai ficar ali até ser completamente absorvida”, informou.

Além do estômago e intestino, o álcool é mais rapidamente absorvido pelas mucosas do corpo, desde a boca até o ânus e a vagina. “A absorção é muito grande pelas mucosas. Se você bebe uma taça de vinho e demora uma hora ou duas para ser processado, o consumo pela mucosa leva minutos”, explicou o Dr. Arnaldo Lichtenstein.

“O problema é que o álcool é irritante. Do mesmo modo que irrita o estômago, vai irritar o olho e causar uma conjuntivite, no ânus e na vagina vai acontecer a mesma coisa e pode gerar problema sérios a curto, médio e longo prazo”, esclareceu o clínico do HC.

Os adolescentes que bebem álcool em gel podem ter reflexos no fígado. “Você vai sobrecarregar seu fígado com as substâncias que têm no produto, além do álcool. Pode intoxicar e vai retardar o metabolismo”, informou a Dra. Zila Van Der Meer.

Vale ainda esclarecer que a exceção é pingar bebida no olho, prática que não tem efeito nenhum. “Esta história de pingar nos olhos, teria que ser um caminhão de álcool para deixar bêbado. Nesta região não tem nenhuma relação fazer isto”, comentou a especialista.

Em relação ao consumo via anal, ela esclareceu ainda: “pode dar uma concepção de violência sexual. Vai além do álcool, pode ter caráter de uma agressão sexual”.

O Dr. Arnaldo Lichtenstein ressaltou que a procura pelo prazer sexual também vem junto nestas práticas. “Isto é a busca pelo prazer mais rápido que está sendo misturado com sexualidade. São duas grandes sensações de busca de prazer”, explicou .

Ele alertou ainda que estas práticas não muito comuns acontecem há bastante tempo, mas o que mais preocupa é a quantidade exagerada de álcool que tem sido colocado em questão. “Esta busca desenfreada por sensações de euforia e anestesia é muito preocupante. Alguns pacientes falam em anestesia e usam estes meios mais rápidos para conseguir não só a desinibição que o álcool produz”, concluiu.


Terra

PORTO ALEGRE NÃO TEM COMO ATENDER INTERNAÇÃO EM MASSA

CORREIO DO POVO, 23/05/2013 22:57

Porto Alegre não tem como atender internação em massa de dependentes. Coordenadora critica lei aprovada na Câmara e projeta falta de leitos para pacientes


Ao contrário do secretário da Saúde, Ciro Simoni, que disse haver leitos suficientes na rede estadual para atender às internações compulsórias de dependentes químicos, a coordenadora da área técnica de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Loiva dos Santos Leite, garante que, em Porto Alegre, a situação é diferente. Ela adverte que não há condições de dar conta de internações em massa, como pode ocorrer caso seja promulgada a lei aprovada pela Câmara dos Deputados, que permite a internação sem autorização do próprio dependente.

Ela explica que há 600 leitos de saúde mental nos hospitais da Capital, sendo que metade é destinada a dependentes de álcool e drogas. Também há opção de atendimento em Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), onde há vagas para observação, para casos moderados. Atualmente, a quantidade é suficiente para atender a demanda, já que a procura varia, sendo maior em alguns períodos e menor em outros.

De acordo com Loiva, hoje já ocorrem internações involuntárias, a pedido de pais de dependentes que recorrem à Justiça. Com a possibilidade de internação facilitada, a coordenadora prevê que a procura deva aumentar consideravelmente, gerando a necessidade de o governo comprar leitos em instituições privadas.

A coordenadora entende que a lei, da forma proposta, não vai contribuir de forma efetiva para a resolução do problema das drogas. Ela criticou o projeto, que considerou higienista e contrário aos direitos humanos e civis. O alvo das internações, segundo ela, deve ser a população mais vulnerável. Loiva fala que a internação é parte do tratamento, mas não pode se basear apenas nisso. Entre outros medidas a serem adotadas, ela citou ações de prevenção, a fim de evitar a dependência, e criação de outros dispositivos de auxílio na rede.

O Projeto de Lei 7663/10 prevê a internação compulsória, a pedido de familiar ou responsável legal ou, na falta deste, de servidor público da área de saúde, de assistência social ou de órgãos públicos integrantes do Sisnad. Caso ocorra a promulgação, deve haver ainda cadastramento de usuários, isenções fiscais para empresas que contratarem dependentes em tratamento, e ampliação da pena mínima, de cinco para oito anos de prisão, para traficantes, e a instituição de uma cota de 3% das vagas de trabalho em licitações para obras públicas.


Fonte: Camila Kila/Rádio Guaíba


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Se não tem, que sejam construídos vários centros para o tratamento de dependências. O errado é usar a falta deste socorro como argumento para rejeitar a internação compulsória, medida que vem atender o clamor e a angústia de milhares de famílias que sofrem com o abandono do Estado, com as dificuldades para encontrar tratamento médico e com os malefícios e resistências que trazem a dependência de um ente querido.

Que coordenadora!!!! Com esta visão será ela realmente sabe o que ocorre no submundo das drogas e no sentimento dos familiares dos dependentes que não conseguem tratamento de seus entes queridos e ainda têm que conviver com a dor, com o medo da perda para o crime ou em confronto com a polícia; com o desgosto no amor e na relação familiar, e com os saques ao patrimônio, à saúde, à paz, à serenidade, etc...?

quinta-feira, 23 de maio de 2013

LEI SOBRE DROGAS

ZERO HORA 23 de maio de 2013 | N° 17441

Câmara aprova punição maior para traficantes

Projeto segue para o Senado e prevê internação involuntária de dependentes



A Câmara dos Deputados aprovou na noite de ontem o texto principal do projeto que atualiza a Lei sobre Drogas no país. Entre os pontos polêmicos, estão a previsão de internação involuntária – que não depende da vontade do usuário – e o aumento da pena mínima para traficantes de cinco para oito anos.

Aproposta ainda depende da votação de destaques – que chegou a ser iniciada ontem, mas foi interrompida para apreciação, a pedido do governo, de algumas medidas provisórias e deve ser retomada na próxima semana – antes de seguir para aval do Senado e sanção da Presidência.

Na tentativa de endurecer a punição aos traficantes, o projeto de lei prevê que os réus ligados a organizações criminosas – definidas como a associação de quatro ou mais pessoas com objetivo de obter vantagens pela prática do crime – tenham a pena mínima aumentada em três anos. O limite máximo da pena permanece em 15 anos.

O texto aprovado é um substitutivo de Givaldo Carimbão (PSB-AL) ao projeto de Osmar Terra (PMDB-RS).

Para o advogado e criminalista Rafael Canterji, professor de Direito Penal da PUCRS, a mudança não deve evitar que a pessoa ingresse na criminalidade. Ele recorda que, em 2006, outra alteração na lei já aumentou a pena de três para cinco anos.

– Aquele que cometia o crime com a pena mínima de cinco não vai deixar de cometê-lo porque virou oito – diz.

Internação poderá se estender por 90 dias

O projeto 7.663/10, conhecido como Lei sobre as Drogas, também prevê a polêmica internação involuntária de usuários, realizada sem o consentimento do dependente, a pedido da família, de um responsável ou de servidor público que não seja da área de segurança pública. O tratamento será mantido pelo tempo necessário para desintoxicação, podendo se estender por até 90 dias.

Na visão de Terra, a medida permite “desintoxicar” o dependente químico.

– São pessoas sem família, que dormem nas ruas, perderam tudo e não conseguem trabalhar. Essas pessoas vivem esperando os próximos 15 minutos para usar a droga – argumenta.

Diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da UFRGS, onde há atendimento para pacientes voluntários, o psiquiatra Flavio Pechansky aponta que a internação involuntária já ocorre por meio judicial, se a pessoa apresentar risco para si ou para outros, com o consentimento de familiares.

Além de indicar que a mudança pode ser redundante, o psiquiatra afirma que é necessária estrutura de sistema prisional e uma equipe preparada para conter o paciente em abstinência.

– Se para voluntários, que pediram para ser internados, os primeiros dias já são um esforço, é difícil pensar como seria com um que não pediu. Só se ficarem amarrados. A internação involuntária não tem cara de tratamento e gera alto risco ao paciente, aos profissionais e a outros pacientes – defende.

Rótulos de bebidas

Apenas 20 deputados votaram a favor da inclusão de advertências sobre malefícios do álcool em rótulo de bebidas. O texto votado ontem previa a implementação do alerta, a exemplo do que já existe nas embalagens de cigarros. Como a maioria optou pela exclusão, a medida não faz mais parte do texto que irá ao Senado.

Quando este destaque foi colocado em debate, houve manifestações calorosas por parte dos parlamentares. Os contrários à obrigatoriedade da advertência argumentaram que a medida poderia prejudicar a indústria nacional de vinho e outras bebidas.



PRINCIPAIS MUDANÇAS

Pontos importantes da proposta aprovada na noite de ontem

- Internação involuntária: O usuário poderá ser internado sem o seu consentimento. A internação poderá ocorrer a pedido de um familiar ou responsável legal, com uma decisão formal de um médico. Em caso de ausência de familiares, a internação poderá ser determinada por um servidor público da área da saúde ou da assistência social. A internação durará apenas o tempo necessário à desintoxicação, e não poderá exceder 90 dias.

- Pena mínima para traficantes: As penas ficarão mais duras para grandes traficantes. O projeto prevê o aumento da pena mínima de cinco para oito anos de reclusão para aqueles que integrarem organização criminosa. O traficante poderá ser condenado até 15 anos de prisão.

- Redução da pena para traficantes: A pena poderá ser reduzida em um sexto e até dois terços para pequenos traficantes, que não integrarem organizações criminosas ou em casos em que não haja reincidência. O texto também permite que haja redução na pena quando as circunstâncias do fato e a quantidade de droga apreendida demonstrarem o menor potencial lesivo da conduta.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

RIGOR CONTRA AS DROGAS

ZERO HORA 22 de maio de 2013 | N° 17440

ARTIGOS

Osmar Terra*



No PL 7.663/2010, pronto para ser votado na Câmara, proponho aumentar o rigor da lei sobre drogas. Marcos Rolim, na ZH do último domingo, manifestou-se contra. Afirma que, não podendo proibir a bebida alcoólica e o cigarro, devemos liberar as demais drogas. Afinal, a guerra já está perdida e a proibição só piora!

Discordo. Prender estelionatários e pedófilos não impede que continue havendo esses crimes, mas haveria muito mais se não fossem proibidos. As leis e as proibições não previnem todos os crimes, mas diminuem sua incidência e o número de vítimas.

Países que jogaram duro contra as drogas foram os que mais reduziram o número de dependentes e violência. É assim da China a Cuba, dos EUA à Suécia. E nenhum país liberou o tráfico.

Rolim fornece dados curiosos pelo que ocultam. Cita que álcool e cigarro respondem por 96,2% das mortes entre usuários de drogas e que a cocaína e derivados (crack junto), só por 0,8%. É tanta diferença, que para alguém desavisado pareceria sensato colocar na ilegalidade o álcool e o cigarro e legalizar o crack.

Porém, esses dados escondem a enorme subnotificação de mortes por drogas ilícitas. Com as lícitas, é fácil fazer a ligação do usuário com a doença. Com as ilícitas, não. Vinte e cinco por cento dos usuários de crack morrem antes do quinto ano de uso, metade pela violência e a outra, de doenças e complicações da aids (Unifesp). Como já chegamos a 2 milhões de usuários de crack, vemos que, só ele pode causar mais óbitos por doenças/ano, sem falar da violência, do que o álcool e cigarro juntos.

Na verdade, inexistem registros governamentais consistentes sobre drogas ilícitas. Prefeituras, universidades e o próprio INSS fornecem pistas importantes. Segundo o INSS, o crack era responsável, em 2012, por 2,5 vezes mais auxílios-doença por dependência química do que o álcool. Em 2006, a maioria era por álcool! É a gravíssima epidemia do crack, que sequer é citada por Rolim.

Maconha também é letal. Pneumologistas britânicos divulgaram informe especial comprovando que seu uso leva a risco muito maior de complicações pulmonares e câncer do que o tabaco (“The impact of cannabis on your lungs”, British Lung Foundation, 2012). Se considerarmos ainda que ela desencadeia outros transtornos mentais, está associada ao crack e cocaína em 2 milhões de usuários (Unifesp), e acidentes fatais, compreenderemos melhor o seu risco!

Dependência química é incurável. Somadas, as dependências do álcool e do cigarro já atingem mais de 50 milhões de brasileiros. A dependência de todas as drogas ilícitas, somadas, não chega ainda a 6 milhões. Muito por serem proibidas. Liberadas, igualariam ou ultrapassariam os números das drogas lícitas. Uma catástrofe inimaginável. Por tudo isso, devemos restringir mais o uso do álcool e do cigarro e aumentar o rigor contra as drogas ilícitas!

*DEPUTADO FEDERAL (PMDB-RS)

terça-feira, 21 de maio de 2013

LEGALIZAR?



ZERO HORA 21 de maio de 2013 | N° 17439

OEA dá a largada


O fracasso do combate ao narcotráfico no continente americano levou a Organização dos Estados Americanos (OEA) a mexer em um vespeiro inédito para um organismo multilateral: aponta como tendência a legalização da produção, da venda e do consumo da maconha e sugere que os países discutam a medida como estratégia alternativa na guerra contra o crime

O polêmico debate sobre a legalização da maconha ganhou novo status após a divulgação de um relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) que defende a flexibilização das ações de repressão contra a droga. Além de mobilizar especialistas como policiais, médicos e sociólogos, o tema deverá ser abordado com frequência cada vez maior em gabinetes diplomáticos e encontros presidenciais em busca de uma nova estratégia comum contra os entorpecentes, após 40 anos de fracassos da política de guerra total capitaneada pelos Estados Unidos.

O documento de 400 páginas retrata o impacto das drogas sobre a região, defende a substituição das penas de prisão para os consumidores por outras medidas e sustenta que há “tendências” de que produção, venda e consumo da maconha possam ser legalizados, embora não recomende abertamente essa medida. O estudo é fruto de uma solicitação encaminhada à OEA para que os 35 países afiliados – entre eles o Brasil – tenham dados para formular uma nova política antidrogas.

O texto afirma que “devem se avaliar os sinais e tendências existentes, que se inclinam a que a produção, venda e consumo da maconha possam ser despenalizados ou legalizados. Cedo ou tarde, deverão ser tomadas decisões a respeito.” Essa é a primeira vez que uma entidade do porte da OEA aborda de maneira tão aberta a flexibilização das leis antidrogas. Para o professor da pós-graduação em Ciências Criminais da PUCRS Rodrigo de Azevedo, o documento é uma admissão do fracasso da política repressiva e altamente custosa defendida desde os anos 70 pelos Estados Unidos – que já investiram cerca de US$ 1 trilhão em ações contra as drogas. O subproduto dessa filosofia seria um mercado negro que soma cerca de 1% do PIB mundial, corrompe autoridades, superlota as cadeias e estimula a violência entre quadrilhas.

– A própria Lei Seca americana deveria ter servido de exemplo de que esse tipo de política apenas cria um mercado negro – avalia Azevedo.

Posicionamento é ponto de partida

Assim, um maior abrandamento seria uma maneira de poupar recursos, que poderiam ser destinados a áreas igualmente problemáticas para países americanos, como educação e saúde, e amenizar chagas como disputas entre gangues. Para o professor de Relações Internacionais da UFRGS Paulo Vizentini, porém, o documento é “preocupante”:

– Acho grave a OEA lançar esse tipo de documento, porque é uma tentativa de impor um regime internacional. As populações dos países não foram ouvidas, e é ilusão pensar que a liberação da maconha vai resolver conflitos, até porque não é a única droga envolvida.

A coordenadora do curso de Relações Internacionais da Unisinos, Gabriela Mezzanotti, afirma que o posicionamento da OEA deve ser visto como um ponto de partida:

– Esse relatório é só o início de novas reuniões que vão ocorrer a partir de agora, não é uma regulamentação. É uma iniciativa que talvez possa apontar um caminho diferente.

MARCELO GONZATTO


Médicos apontam perigo

Um estudo comparativo realizado por especialistas brasileiros deverá ser lançado, na próxima semana, com a conclusão de que países onde aumentou a tolerância ao uso de maconha nos últimos anos também cresceu o consumo – principalmente entre jovens.

Segundo o membro do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudo do Álcool e Outras Drogas (Abead) Sérgio de Paula Ramos, integrantes da organização avaliaram estudos científicos e levantamentos produzidos sobre países que adotaram posturas mais liberais em relação à Cannabis desde o começo da década passada. Entre eles estão Portugal, Áustria, Holanda, Reino Unido, alguns Estados americanos e o Brasil – onde a legislação abrandou a pena para o consumidor em 2006.

– Os estudos mostram que, em todos os países onde houve algum nível de liberação, o consumo aumentou notadamente entre os jovens. Na Holanda, aumentou 5%, mas em Portugal o crescimento chegou a 50% – observa.

Também foi verificada queda no preço do produto e um maior consumo de outras drogas. Segundo Ramos, isso confirmaria a hipótese de que a maconha acaba servindo como porta de entrada para outras drogas.

– Aumentando o consumo de maconha, aumentará também a evasão escolar, a taxa de dependência química de outras drogas, índices de depressão e esquizofrenia – sustenta o médico.

O psiquiatra Flavio Pechansky, diretor do Centro Colaborador em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas da Capital, sustenta que não há justificativa médica para uma eventual liberação:

– Os efeitos clínicos positivos para tratamento de glaucoma, por exemplo, não são maiores do que os efeitos colaterais a longo prazo como infertilidade, esquizofrenia e outras psicoses, e desagregação social.


domingo, 19 de maio de 2013

PARA SAIR DA GUERRA

ZERO HORA 19 de maio de 2013 | N° 17437

ARTIGOS

Marcos Rolim



A discussão sobre política de drogas envolve enorme complexidade, razão pela qual o caminho mais curto para o erro é a simplificação.

Recentemente, um magistrado e uma psiquiatra publicaram artigos em ZH, chamando atenção para os malefícios do uso da maconha. Ambos empregaram o conhecido tom alarmista que ampara a política da “guerra contra as drogas”, sem se esquecer de mencionar as famílias ou as ameaças às nossas crianças, coisas que sempre produzem o seu efeito. Ocorre que o debate não se resolve pela constatação dos malefícios do uso de drogas. Caso contrário, o magistrado e a psiquiatra estariam defendendo que as bebidas alcoólicas e o tabaco fossem ilegais. Os efeitos associados ao álcool e ao tabaco são devastadores. Mortes no trânsito e violência doméstica, por exemplo, estão fortemente correlacionados ao hábito de beber. Tanto o álcool quanto a nicotina produzem dependência química severa e respondem por 96,2% dos óbitos por uso de todas as drogas no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, entre 2006 e 2010, a bebida matou 34.573 pessoas (84,9% das mortes por uso de drogas no Brasil), o fumo matou outras 4.625 (11,3%), enquanto a cocaína matou 354.

Então, por que não proibimos o álcool e o cigarro? É simples, por que não funcionaria. Houvesse a proibição, teríamos quadro muito pior. Diante de demanda imensa, a oferta seria mantida. Agora não mais pela indústria e pelo comércio regular, mas por traficantes de bebidas e cigarros. Sem padrões e fiscalização, os produtos perderiam qualidade e os danos à saúde seriam muito maiores. Nos EUA, a “Lei Seca” não reduziu o consumo do álcool, mas produziu uma das mais fortes ondas de violência na história americana. A corrupção se instalou nas polícias, as prisões foram superlotadas e a máfia foi a maior beneficiada pela burrice e pelo moralismo. A ilegalidade, no mais, permitiu que traficantes vendessem álcool metílico, o que produziu 30 mil mortos e mais de 100 mil casos de lesões permanentes, como cegueira e paralisia.

Quando discutimos política de drogas, então, somos obrigados a considerar, além dos efeitos mais ou menos danosos de cada droga, as diferenças entre elas, a extensão do consumo, os efeitos da criminalização, o poder extraordinário do tráfico que já corrompe pedaços do Estado, as estratégias de prevenção, as possibilidades da abordagem conhecida como redução de danos – ao invés de insistir exclusivamente na abstinência, entre muitos outros pontos. É precisamente este debate que o preconceito dos senhores da guerra contra as drogas interdita no Brasil. Os resultados, como todos sabem, têm sido desastrosos e serão muito piores se o Congresso Nacional aprovar o retrocesso proposto pelo PL 7.663/2010, do deputado Osmar Terra. Os interessados deveriam assistir ao documentário Quebrando o Tabu, de Fernando Andrade, com Fernando Henrique Cardoso, Dráuzio Varella, Bill Clinton e muitos outros, em um diálogo com as experiências internacionais sobre o tema. O filme está no YouTube em:

http://www.youtube.com/watch?v=tKxk61ycAvs e termina com a frase: “Em 1971, os EUA declararam guerra às drogas, 40 anos depois, é hora de o mundo declarar paz”.

*JORNALISTA

sexta-feira, 17 de maio de 2013

AJUDA CONTRA O CRACK

O Estado de S.Paulo 17 de maio de 2013 | 2h 05

OPINIÃO

Qualquer iniciativa bem fundamentada para auxiliar os viciados em drogas - cujo número só faz crescer - a se recuperar é bem-vinda. É o caso do programa lançado pelo governo do Estado de São Paulo para ajudar a custear o tratamento de viciados em crack e reduzir o índice de recaída dos que aceitarem a ele se submeter - o chamado Cartão Recomeço. Mas não se pode perder de vista - inclusive para não criar falsas esperanças para essas pessoas e suas famílias - que tudo indica ser o seu alcance bem menor do que faz supor a importância que lhe atribuíram as autoridades por ocasião de seu lançamento.

Cada família de usuário de crack selecionada para participar do programa receberá R$ 1.350 por mês, repassados diretamente à unidade de tratamento para onde ele será enviado. Numa primeira fase, serão escolhidas pessoas que já tenham passado por internação em instituições públicas para tratar do mesmo problema, segundo informa o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Rodrigo Garcia. O período de internação vai variar de acordo com cada caso, mas deve ser, em média, de seis meses.

O programa beneficiará três mil pessoas nessa fase, durante a qual ele será aplicado em apenas 11 cidades - Diadema, Osasco, Mogi das Cruzes, Sorocaba, Campinas, Bauru, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Presidente Prudente, São José dos Campos e Santos. As prefeituras dessas cidades escolherão os dependentes, pois são elas que gerenciam os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), nos quais eles recebem atendimento ambulatorial. A exclusão da capital, onde o problema é mais grave, se justifica, segundo o governo, porque ela já dispõe de uma rede de atendimento, da qual fazem parte 13 clínicas que recebem ajuda do Estado.

Cuidados foram tomados tanto para evitar desvio dos recursos como para fiscalizar o atendimento. Além de o valor de R$ 1.350 não passar pelas mãos dos dependentes e seus familiares, estes receberão um cartão magnético por meio do qual terão de comprovar diariamente que o tratamento está sendo feito. Quanto às unidades de tratamento, nos próximos dias será publicado edital com os critérios e exigências a serem observados para sua escolha.

Esse é um programa acanhado, como deixam claro esses números, ainda que se leve em conta estar ele apenas começando sua primeira fase. Mesmo quando entrar na segunda fase - sobre a qual o governo não deu até agora nenhuma indicação -, se forem mantidos o valor da ajuda (R$ 1.350) e a duração do tratamento (seis meses), não se poderá esperar muito dele. Salta aos olhos que nessas condições é muito difícil conseguir grandes progressos na recuperação de um dependente de crack.

Porque o valor da ajuda é pequeno, optou-se por unidades de atendimento simples. Sem médico, apenas com assistente social e pessoas que ministram oficinas para ajudar a inserir o paciente na sociedade e no mercado de trabalho, segundo Rodrigo Garcia. Assistência médica ele terá na rede pública e nos Caps.

As coisas não são tão simples assim. Ana Cecília Marques, professora de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), considera positiva a iniciativa do governo do Estado, mas critica a falta de médicos naquelas unidades, para fazer a avaliação da síndrome de abstinência: "Esse é um quadro grave e tem que ser tratado por um médico".

Outra questão importante que o governo deixou em aberto é o que fazer com o dependente se, depois de seis meses de internação, ele ainda precisar de cuidados, pois é sabido que esse tipo de tratamento costuma exigir muito mais tempo. Terá ele direito a nova internação, e por quantos meses mais?

Um programa semelhante já existe em Minas, com o nome Aliança Pela Vida, com ajuda de valor ainda menor, de R$ 900. O governo deveria aproveitar as lições já proporcionadas por essa experiência e as ponderações que especialistas estão fazendo a propósito do Cartão Recomeço para dar-lhe maior solidez e abrangência.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A MARCHA DA DESINFORMAÇÃO

ZERO HORA 15 de maio de 2013 | N° 17433

ARTIGOS

Fernanda Lia de Paula Ramos*



Li com muita satisfação o artigo da Zero Hora do Dr. Afif Simões Neto, juiz de Direito, que relatou com seriedade e preocupação sua experiência na interdição de pessoas com esquizofrenia, ressaltando a grande relação dessa doença com o uso abusivo de maconha. Essa observação condiz com diversas pesquisas realizadas nos últimos anos sobre essa droga. Um trabalho sueco recente avaliou homens por 35 anos e demonstrou que aqueles que tiveram um uso de maconha frequente (mais de 50 vezes durante a vida) tiveram quase quatro vezes mais chance de desenvolver esquizofrenia do que os que não usaram maconha. Vale salientar que o uso de 50 vezes na vida é obtido rapidamente por usuários diários da substância, tão comuns em nossos consultórios. Ou seja, tal estudo nos alerta para o fato de que a maconha, tida por alguns como apenas uma erva natural, pode causar uma das patologias mais graves da psiquiatria, gerando limitações significativas na vida diária, que podem culminar até com interdições, como bem lembrou o Dr. Afif.

Infelizmente, a verdade é que, quanto à maconha, parece que muitos desconhecem (ou fazem questão de desconhecer) os fatos graves (e cientificamente comprovados) que pessoas que lidam diretamente com as consequências dessa droga, como o Dr. Afif e eu, percebem diariamente. Atualmente, por exemplo, fala-se muito da redução do número de acidentes e de mortes no trânsito gerada pelas felizes medidas restritivas e punitivas de tolerância alcoólica zero ao volante, mas o que poucos sabem é que o uso de maconha duplica o risco de acidentes fatais por veículos motorizados. Além disso, pouco se fala sobre o fato de que o uso regular de maconha gera piora significativa do rendimento escolar, provavelmente associada com os déficits de memória, de concentração e da capacidade cognitiva gerados pela droga. Muitos desses estudantes abandonam o colégio e passam a ter dificuldade de ingressar em um mercado de trabalho qualificado e competitivo.

Usuários de maconha também têm maior prevalência de diversas outras patologias psiquiátricas, como transtornos de humor (depressão e transtorno de humor bipolar) e transtornos de ansiedade. Todos esses dados tornam-se ainda mais graves se observarmos, conforme o último levantamento nacional sobre uso de drogas no Brasil, que 62% do 1,3 milhão de brasileiros dependentes de maconha experimentam tal substância antes dos 18 anos. Segundo os estudos da neurociência, nessa idade, o cérebro humano ainda nem sequer completou sua maturação.

E o que será que aconteceria se a maconha fosse liberada hoje no Brasil? Provavelmente ocorreria o que um estudo americano identificou nos seus Estados em que o uso é legalizado. Nesses locais, observou-se um aumento significativo do uso de maconha (o risco de usar foi quase o dobro do que nos Estados em que a droga não é legalizada). Aumentando o consumo, aumentarão também todos os malefícios que a maconha pode gerar. E é isso que queremos para nossos filhos e para a nossa sociedade? Eu, certamente não.


*PSIQUIATRA ESPECIALISTA EM DEPENDÊNCIA QUÍMICA E PSICOTERAPIA



terça-feira, 14 de maio de 2013

DELEGADO DA PC É A FAVOR DA LEGALIZAÇAO DAS DROGAS


BRASIL DE FATO, 14 de maio de 2013
Fonte:http://www.brasildefato.com.br

Drogas: uma guerra injusta produzida pelo Estado brasileiro

Em entrevista, o delegado do Rio de Janeiro, Orlando Zaccone, defende fim da guerra às drogas e do proibicionismo
08/05/2013 
Viviane Tavares
do Rio de Janeiro (RJ) 

Orlando Zaccone é delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro e secretário geral da Law Enforcement Against Prohibition (Leap) no Brasil. Negando todos os estereótipos que o cercam e os quais abomina, ele é a favor da legalização das drogas e defende que o papel do delegado dentro do marco democrático é o de garantir a liberdade, e não o de prender, o que chama de marco autoritário. 
Zaccone, que também é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do livro Acionistas do Nada (Editora Revan, 2007), defende durante a entrevista que a guerra contra as drogas mata mais do que a própria droga e é uma irracionalidade. 
Confira a entrevista. 
Brasil de Fato - Você diz que a função do delegado não é prender. Qual é a função então? 
Orlando Zaccone – A principal função democrática do delegado é o controle da legalidade dos atos de polícia. Isso transforma o delegado em uma figura sui generisporque ele é um policial, por estar dentro de uma instituição policial, mas também faz o controle dos atos da própria polícia quando alguém é preso na rua e é conduzido para a delegacia, a chamada prisão captura. 
Neste caso, quando um policial dá voz de prisão para alguém, essa pessoa pode achar que não está dentro das hipóteses de uma prisão, que foi preso injustamente, e quem vai decidir isso é o delegado. Ele traz o marco das garantias constitucionais para o momento da investigação preliminar. Se formos por um viés democrático, o delegado é uma garantia antes do processo de que a lei será aplicada. Quando digo que o delegado é para soltar e não prender, é porque o que torna a função deste delegado diferenciada é a possibilidade dele relaxar uma prisão ilegal, ou seja, soltar uma pessoa. 
Infelizmente, as decisões e a participação dos delegados têm sido autoritárias, porque ele vai judicializar os atos de polícia. Muitas vezes, dentro de um marco autoritário como, por exemplo, legitimar os autos de resistência – no qual um delegado de polícia relata em um inquérito que houve legítima defesa porque quem morreu foi um traficante. E isso vai ser corroborado depois pelo Ministério Público, pelo Poder Judiciário. Esse marco é o que eu chamo de autoritário. Por que você mantém este perfil de trabalhador no Brasil? 
Na Argentina não tem a figura máxima da polícia, lá o cargo máximo é o comissário que não tem formação jurídica, porque quem vai fazer a apreciação jurídica do fato é o juiz. No Brasil, temos a figura do delegado que faz a primeira apreciação jurídica. Isso poderia ser bom se ele fizesse essa apreciação para garantir as liberdades, o que chamo de democrático, mas não é isso que acontece, porque ele tem decisões que restringem a liberdade, então é autoritário. 
Você é a favor da descriminalização das drogas? Por quê?
Hoje, o grande argumento a favor da legalização das drogas é que as proibições não resolvem o problema dos efeitos das drogas, porque pessoas usam mesmo que elas sejam proibidas. Mais pessoas morrem com a guerra contra as drogas do que pelo uso destas substâncias. Isso é uma irracionalidade. Se estamos fazendo isso para proteger as vidas, não se justifica essa letalidade toda. 
Hoje faço parte da Leap por reparar que muitos policiais que usam cadeiras de rodas ou foram mortos assim são por conta desta guerra contra as drogas e não por conta do uso das mesmas. A guerra mata policiais, violenta pessoas, coisa que a droga não consegue fazer. Precisamos buscar no marco da vida em comunidade alguma racionalidade que explique a lei. Ser agente da lei contra a lei, neste caso, é muito racional. 
O que a Leap faz?
A Leap leva o discurso dos agentes que vivenciam os efeitos danosos da proibição das drogas para a comunidade. Nós temos os oradores que vão a escolas, igrejas, corporações policiais e empresas para mostrar – com suas experiências como policiais, juízes e agentes penitenciários –, que a guerra contra as drogas é muito mais nociva e lesiva do que o uso dela. 
Por que você diz que o Estado legitima a guerra contra as drogas? De que forma ele faz isso?
A partir do momento em que a legislação coloca o traficante, o comerciante de drogas ilícitas como o criminoso mais perigoso do ambiente social. Hoje, na Constituição, a única hipótese de extradição de brasileiro naturalizado é quando ele está envolvido com tráfico internacional de drogas. São vários mecanismos como, por exemplo, a tentativa de aumentar a pena mínima com um projeto de lei que eleva de cinco para oito anos a pena por tráfico de drogas, colocando esse crime em um patamar de periculosidade muito grande. Isso tudo faz parte da guerra. Não é só a letalidade, que é enorme. 
No Brasil, de acordo com dados da Anistia Internacional, em 2011, só nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, se matou mais do que em todos os países que têm pena de morte autorizada. Todas essas mortes provocadas por ações policiais pelo sistema penal têm como marca de legitimidade a condição do morto como traficante. Então, esta guerra produz letalidade, encarceramento em massa de pessoas que são as mais vulneráveis do extrato social. É uma guerra injusta e há muito tempo incentivada, apoiada e produzida pelo Estado brasileiro. Mas isso não é de se admirar porque a história da sociabilização no nosso país sempre foi violenta, vide agora a pacificação nas favelas do Rio de Janeiro. 
Nós temos que olhar pra trás e ver como a pacificação vem desde Duque de Caxias, que foi o grande pacificador, passa pelo Marechal Rondon com os índios, depois, Canudos, com a pacificação dos seguidores de Antônio Conselheiro, e no Araguaia até chegarmos ao modelo de hoje das UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora] no Rio de Janeiro. Temos que ter uma visão mais crítica de como vai se estabelecendo o paradigma bélico de uma pacificação como forma de construção do Estado brasileiro. E a guerra às drogas está nesse contexto. 
Como você vê o tratamento em relação ao usuário? O que você acha da internação compulsória?
A solução são as clínicas de rua. Primeiro, porque coloca como um marco que aquela condição social a que está exposta a pessoa não é fruto do consumo de drogas, pelo contrário, o consumo de drogas baratas e mais lesivas como o crack ocorre justamente pela condição social. E não ao contrário como algumas pesquisas de caráter duvidoso e a imprensa tentam mostrar hoje. O efeito não pode virar causa. 
O consultório de rua entende que a droga é uma das questões desta população e vai tentar fazer uma intervenção levando em conta as outras questões. Nós temos que levar em consideração todas as questões envolvidas, muitas vezes, de ordem econômica e que ficam fora do debate para entender aquela vulnerabilidade. 
Como você avalia a reforma do código penal, que diminui a pena do usuário e aumenta a do traficante?
A teoria da diferenciação entra forte na legislação brasileira na Ditadura Militar, mais especificamente em 1976, com a lei 6368/76, que cria o artigo 12 para o traficante e o artigo 16 para o usuário. Antes disso, até 1968, o código penal não fazia distinção. Ele punia da mesma forma quem transportava, portava ou guardava as drogas ilícitas. 
Se até 1968 o cara era pego com um cigarro ou um quilo de maconha para vender, ele era punido da mesma forma, pelo mesmo crime. De 1968 a 1976, a legislação expressamente equiparava a pena e a punição para traficante e usuário. Em 1976, incorporaram a teoria da diferenciação porque começaram a ser presos os filhos de militares, pois a massificação do uso de drogas já estava acontecendo no mundo inteiro. E vinha aquela questão ‘o meu filho não pode ter o mesmo tratamento que o neguinho do morro’. Vamos fazer uma distinção de que o do morro é o criminoso hediondo e o usuário vem com o estereótipo da saúde, do doente, do dependente.  A lei 6368 começa a dar este tratamento e isso tudo é construído. 
As pessoas têm que entender que são construídos o crime e o criminoso. Ele só existe através de um olhar. E essa diferenciação que começa em 1976, ganha em 2011, com a atual lei de drogas, um avanço, porque se aumentou muito a punição do traficante e descriminalizou a conduta do usuário. Reforça o estereótipo de dependente para o usuário. E o que acontece na prática? A definição do consumidor e do traficante não é feita pela norma, ela é feita a partir da norma. 
As construções que se fazem realmente definem pessoas pobres como traficantes e as que estão em posição econômica melhor, como usuários. Hoje, um menino na favela que é pego com R$ 600 no bolso, por ter acabado de receber o salário, e que passou na boca de fumo e comprou cinco trouxinhas de maconha, é preso como traficante. Essa construção que vai se fazendo é apartadora, injusta e vai gerando no ambiente social a construção da delinquência, como diz Foucault. O tratamento é totalmente distinto. 
Ainda temos a diferenciação entre o traficante e o comerciante de drogas. Quando o Johnny foi pego ele teve tratamento como usuário, depois virou filme [Meu nome não é Johnny, 2008], ganhou dinheiro, escreveu livro. 
O debate sobre a legalização tem que trazer essas questões porque também não acredito que depois que tivermos uma legalização o problema estará resolvido. O debate sobre a legalização deve agregar discussões mais profundas sobre essa desigualdade, não só na distribuição dos bens positivos, como o patrimônio, mas também dos bens negativos, como a delinquência. 
Trazendo para o campo da saúde, você aponta um perigo quando aproxima a cura da pena. Por que você fala isso? 
Essa minha afirmação se deu a partir de um artigo do professor Nilo Batista, em que ele mostra que essa aproximação de pena e cura se dá em dois momentos na história do sistema punitivo ocidental: um é o na qual dava à pena ares de cura. 
Quando a bruxa era jogada na fogueira, ela estava sendo punida, mas estava também sendo curada, porque segundos antes dela ser jogada na fogueira, a ela era exigida uma confissão, e mesmo confessando, ela iria ser purificada na fogueira porque, a partir daí, seria recebida no reino dos céus. O outro é no século 19, quando temos essa aproximação da cura como pena, que vem com as escolas positivistas, que trazem a internação compulsória e tudo isso que vemos hoje. Um modelo médico propondo aplicações penais. São dois instrumentos no marco do salvacionismo, que é a ideia de um mundo puro, desprovido de crimes, de doenças. 
Temos que partir agora de um novo paradigma que não seja religioso, da salvação, mas que seja um paradigma que entenda que esse mundo é corrupto. 
Os tratamentos como redução de danos são um caminho?
A redução de danos sempre é um caminho. Agora, a gente tem que entender o que é esse tratamento, porque muitos podem dizer que a internação compulsória é redução de danos. A justiça terapêutica defende essa ideia: que melhor que aplicar uma pena é obrigar uma pessoa a ser submetida a um tratamento. Você sai da pena como cura e entra na cura como pena. Temos que sair desse ciclo. 
Como é o seu trabalho na Brigada Organizada de Cultura Ativista (Boca)?
Eu e o Marcelo Yuka [ex-líder da banda O Rappa, que ficou paraplégico após ser baleado em um assalto no ano 2000] tivemos um encontro porque ele mora na Tijuca (bairro do Rio de Janeiro) e eu fui delegado lá. Quando fui trabalhar em Nova Iguaçu (RJ), em uma carceragem com 500 presos, eu o convidei para fazer um trabalho lá. A partir daí, começamos a fazer um trabalho com os presos, ficamos amigos, compartilhamos idéias políticas e criamos a B.O.C.A., que funciona com debates no Circo Voador e venda de produtos culturais e conceituais. Os próximos eventos serão no final do mês de abril com os temas ‘Quanto vale a sua arte?’ e ‘A ditadura de ontem e hoje’, que terá a participação de Silvio Tendler (cineasta), Carlos Latuff (cartunista) e o Willian Professor, mais conhecido como fundador do Comando Vermelho [organização criminosa do Rio de Janeiro].
(Foto: Instituto da Cannabis)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

BOLSA CRACK


Cracolândia fica fora da nova ‘bolsa crack'. Governo divulga lista de cidades que vão receber primeiro o Cartão Recomeço, sem a capital paulista

08 de maio de 2013 | 12h 34

Bruno Ribeiro - O Estado de S. Paulo



A capital paulista não está na lista das primeiras 11 cidades que vão receber o piloto do “Cartão Recomeço”, programa do governo do Estado de São Paulo que prevê uma bolsa de R$ 1.350 para famílias de viciados em crack para pagamento de internação em clínicas especializadas no tratamento. Com isso, os usuários da droga na região da cracolândia, no centro, ficam de fora do projeto por enquanto.

A relação das primeiras cidades que vão receber o Cartão Recomeço foi divulgada na manhã desta quarta-feira, 8. São elas: Diadema, Sorocaba, Campinas, Bauru, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Presidente Prudente, São José dos Campos, Osasco, Santos e Mogi das Cruzes. O programa foi planejado de forma que caberá aos municípios cadastrados selecionar os pacientes que poderão receber o benefício.

O governo do Estado informou, no entanto, que embora as famílias de usuários de crack da capital paulista (incluindo os frequentadores da cracolândia) não irão receber o Cartão Recomeço, os viciados da cidade já contam com uma rede de atendimento. São 13 clínicas cadastradas, com pagamento feito também com recursos do Tesouro estadual. Juntas, essas clínicas têm capacidade para atender 270 pacientes. Assim, diz o Estado, mesmo sem cartão, pacientes da cidade podem buscar clínicas para atendimento, após encaminhamento da rede especializada.

Segundo o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Rodrigo Garcia, o programa prevê que o benefício seja válido por um período de seis meses. O alvo do cartão são pessoas que já passaram por internação, por até 30 dias, e precisam continuar o tratamento para se livrar da droga.

Nesta quinta-feira, o Estado deve publicar edital para começar a credenciar as clínicas habilitadas a receber esses pacientes. São elas, e não os usuários ou familiares, que receberão essa verba, por meio de um cartão magnético fornecido pelo governo às famílias.

A previsão é de que 3 mil dependentes sejam atendidos nessa primeira fase. O secretário Garcia afirmou que o número deve crescer à medida que mais cidades sejam incluídas no programa.



‘Bolsa crack’ de R$ 1.350 vai pagar internação de viciados do Estado de SP. Governador Geraldo Alckmin vai apresentar nesta quinta-feira, 9, plano de ajuda financeira para famílias de dependentes. Dinheiro poderá ser sacado apenas para tratamento em clínica particular

07 de maio de 2013 | 21h 41

Bruno Ribeiro e Tiago Dantas - O Estado de S. Paulo - Atualizado às 22h50


Famílias com parente dependente de crack vão receber uma bolsa do governo do Estado de São Paulo para custear a internação do usuário em clínicas particulares especializadas. Chamado “Cartão Recomeço”, o programa deve ser lançado na quinta-feira, com previsão de repasses de R$ 1.350 por mês para cada família de usuário da droga.


Tiago Queiroz/AE

Segundo o secretário de Estado de Desenvolvimento Social, Rodrigo Garcia, a proposta é manter em tratamento pessoas que já passaram por internação em instituições públicas. “São casos de internações em clinicas terapêuticas, pelo período médio de seis meses”, afirma.

Os dez municípios que receberão o programa piloto devem ser definidos nesta quarta-feira. Ainda não há data para o benefício valer em todo o Estado. As clínicas aptas a receber os pacientes ainda vão ser credenciadas, mas ficará a cargo das prefeituras identificar as famílias que receberão a bolsa. “Saúde pública é sempre para baixa renda. Os Caps (Centros de Atendimento Psicossocial das prefeituras) já têm conhecimento das famílias e fará a seleção”, diz Garcia, sem detalhar quais serão esses critérios.

Como antecipou o site da revista Época, o pagamento da bolsa será feito com cartão bancário. A ideia do Cartão Recomeço é ampliar a rede de tratamento para dependentes e, principalmente, a oferta de vagas para internar usuários. O trabalho desenvolvido pelo governo sofre críticas por causa da falta de vagas, especialmente após a instalação de um plantão judiciário no Centro de Referência de Tabaco, Álcool e Outras Drogas (Cratod), no Bom Retiro, centro da capital, ao lado da cracolândia - entre janeiro e abril, segundo o governo, cerca de 650 pessoas foram internadas após o atendimento no Cratod.

Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Faculdade de Medicina da Unifesp, que participou da criação do Cartão Recomeço, a vantagem do modelo é descentralizar o financiamento do tratamento. “Muitas famílias, mesmo de classe média, estouram o orçamento tentando pagar tratamento para o familiar dependente.”

Com o cartão, diz Laranjeira, as famílias terão uma “proteção” para o caso de o parente ficar viciado. “A família poderá ter dinheiro para oferecer ajuda caso o dependente aceite uma internação.”

Inspiração

O programa que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) vai lançar é semelhante ao desenvolvido em Minas. Apelidado de “bolsa crack”, o cartão de lá é chamado Aliança Pela Vida e dá ajuda de R$ 900.

A assessoria do Palácio dos Bandeirantes rejeitou o termo “bolsa crack” - segundo o secretário Garcia, o apelido é “maldoso”. O governo também ressalta que o recurso é carimbado e só pode ser sacado para pagamento em clínicas credenciadas. O plano envolve técnicos das Secretarias de Desenvolvimento Social, da Saúde e da Justiça. O pagamento sairá do orçamento da Secretaria de Desenvolvimento.

UM BATALHÃO DE JOVENS INTERDITADOS


ZERO HORA 08 de maio de 2013 | N° 17426


Afif Simões Neto*


Sou juiz de Direito em uma das Varas de Família e Sucessões de Santa Maria. São duas ao todo. Na que trabalho, devem circular perto de 3 mil processos. Desses, uns 200 são de interdição. Para quem não sabe, alguém é interditado quando, com mais de 18 anos, perdeu a capacidade mental para a prática de atos da vida civil, por qualquer um dos motivos indicados pela lei. Decretada a interdição, será nomeado curador para a proteção da pessoa e dos bens do interdito, que, por exemplo, não pode casar-se, assinar contratos, abrir uma conta bancária, uma sapataria, comprar uma bicicleta nem que seja. Nenhum documento assinado por ele tem validade. Vira uma coisa, pois não tem vontade própria, dependendo exclusivamente do que os outros possam fazer por ele.

Realizo as audiências de interdição em uma quarta-feira do mês, à tarde. São sempre mais de 12 processos pautados. Pois bem: dois deles, dando de barato, dizem respeito a jovens, com até 30 anos ou um pouco mais. Quando algum laudo médico acompanha a petição inicial, é certo que o CID aponta a esquizofrenia como causa para interditar, e mais certo ainda que todos eles – eu disse todos – confessam ao juiz que passaram a consumir maconha ainda na idade juvenil. O pontapé inicial da desdita foi dado, invariavelmente, pelo “inofensivo baseado” fumado na saída do colégio ou nas festinhas da turma.

Claro que indivíduos que já sofrem de esquizofrenia e apresentam histórico pessoal de consumo da erva ou outras substâncias demonstram um início mais precoce da doença do que aqueles esquizofrênicos que nunca usaram maconha ou outras drogas. Mas o que quero relatar aqui é que passou a me assustar, analisando os processos de interdição de pessoas jovens, a relação “consumo de maconha – esquizofrenia”.

Pelo que dá para ver, o uso regular da Cannabis sativa apresenta um risco potencial para o desenvolvimento de transtornos esquizofrênicos, e esse risco está diretamente relacionado com a utilização contínua do entorpecente de forma precoce. Assim, é lógico, é evidente, salta aos olhos, que a redução do uso da maconha entre os jovens poderia colaborar efetivamente na prevenção de futuros casos de esquizofrenia.

Mas aí, o que se vê, ao invés de campanhas nacionais agressivas para alertar dos riscos do consumo, são notáveis de academia – que da missa não sabem a metade – apresentando proposta para alterar o Código Penal, a fim de que a maconha seja legalizada, sob o fundamento de que sua utilização seria reduzida e que eliminaria a ação dos traficantes. Acontece que o traficante também vende crack, cocaína, heroína, ecstasy e outros tipos de drogas. Além disso, em países como Holanda, que liberaram o “bagulho”, foi comprovado que em nada diminuiu o consumo. A maconha é nociva, sim, e é a porta de entrada para uso de outras drogas, ou vocês conhecem algum craqueiro, já na finaleira da vida, que não tenha sido maconheiro antes?

Pena que as ações em Vara de Família corram em segredo de Justiça. Se não fosse assim, gostaria muito de convidar essa gente liberal, que acha o máximo liberar maconha para adolescentes, para dar uma passadinha, sem compromisso, numa quarta-feira à tarde, na 2ª Vara de Família de Santa Maria. Talvez o desespero de um pai, de uma mãe, pedindo ao juiz, pelo amor de Deus, que interdite o seu filho amado, que mais parece um zumbi fuçado pela maconha, pudesse trazê-los à realidade.


*JUIZ DE DIREITO