COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

SUBTERFÚGIO PARA "LIMPEZA SOCIAL"


ZERO HORA 26 de outubro de 2012 | N° 17234.ARTIGOS

Rodrigo Silveira da Rosa *


O tema drogas é relevante e merece uma atenção de todos, principalmente dos governantes, que há muito pecam pela falta de políticas públicas sérias em educação e prevenção. Atualmente, com o crescente e desgovernado consumo de drogas, dentre elas o crack, tem se discutido a necessidade da internação involuntária dos dependentes de drogas, em atenção à Lei 10.216/01, que autoriza sem o consentimento do usuário/dependente o seu tratamento forçado.

A discussão é recorrente e reflexiva, pois recai sobre a constitucionalidade ou não da referida legislação. Isso porque afronta a dignidade da pessoa humana, o direito de ir e vir e de que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, postulados contidos na Constituição Federal. Estas regras são princípios limitadores do Estado no seu poder de punir, em que o dispositivo legal incriminador há de ter como elemento primário a ocorrência de uma lesão ou de um perigo concreto de lesão a um bem jurídico.

E, neste caso, a posse de drogas para uso pessoal é uma conduta que se insere no campo da intimidade e da vida privada, cujo âmbito é vedado ao Estado e, assim, ao direito de penetrar e, sobretudo, intervir. Da mesma forma como não se pode criminalizar e punir, como de fato não se pune em tese, a tentativa de suicídio e a autolesão.

Ao que parece, o Estado a partir de sua ineficiên-cia no tratamento da drogadição e pela ausência de instrumentos públicos adequados, utiliza-se de um subterfúgio técnico para efetuar uma “limpeza social”, visualmente falando, através de internações involuntárias como forma de velar a sociedade do caos que os efeitos das drogas são ante uma política pública ineficaz, que apenas se vale de medidas paliativas para o problema.

A temática debatida envolve diversas áreas, e não é com a repressão, diga-se internação involuntária, que será resolvida, já que, também, não há certeza de um resultado esperado àqueles dependentes obrigados a determinado tratamento. As drogas, sejam lícitas ou ilícitas, sempre farão parte da sociedade, a diferença se apresenta quanto ao tratamento dado a cada substância dentro de uma política pública nacional de drogas que faça a inclusão dessas pessoas novamente, tratando do assunto como um problema de saúde pública.

*Advogado criminalista, especialista na área penal

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Concordo que não pode haver internação obrigatório sem a ocorrência de ilicitude só porque a pessoa é consumidora e dependente de drogas. Entretanto, se esta pessoa dependente de drogas se envolveu em algum ilícito por causa delas, mesmo de menor potencial ofensivo, ou causando ameaça à  integridade familiar, deve sim "mediante ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente" ser internado compulsoriamente, pois envolve não só a saúde, mas também a ordem pública e a segurança de terceiros.

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA: POR QUÊ?


ZERO HORA 26 de outubro de 2012 | N° 17234. ARTIGOS

Paulo de Argollo Mendes *


Está gerando reações entre apoio e crítica a decisão do prefeito do Rio de Janeiro, Eduar-do Paes, de adotar a internação compulsória para dependentes de crack. O tema pode até ser polêmico, ainda mais que não há uma legislação específica que contemple a medida. Projeto de lei ainda tramita no Congresso, mas parece que a vida dará o empurrão a algo que é urgente. Depois de esvaziar outros expedientes para sensibilizar os usuários, restou às autoridades cariocas buscar uma ação efetiva. Trata-se apenas de acionar mais um mecanismo para alcançar tratamento médico e outros recursos terapêuticos a esses sofridos e doentes seres humanos, a maioria jovens, filhos de classes pobres a ricas.

É preciso colocar esta questão no devido lugar. Primeiro, estamos presenciando a sociedade tomar uma atitude, enquanto o legislador não toma a sua. Certamente, o prefeito está atento ao clamor dos familiares e da população que assistem aos dramas e nada pode fazer, até porque não há um remédio milagroso. Assumir a responsabilidade para si e oferecer hospitais e outras unidades para tratamento desses pacientes garantindo médicos e demais profissionais (que saberão como conduzir os cuidados caso a caso) são obrigações dos gestores públicos da saúde em todas as esferas. Paes dá o exemplo e provoca seus colegas gestores, como os do Rio Grande do Sul.

Depois de mostrar as razões universais que justificam e tornam adequada a internação compulsória, é preciso limpar este terreno de interferências ideológicas e que não têm relação com saúde. A guerra lançada pelo Movimento Antimanicomial no Brasil contra instituições especializadas em tratar portadores de doenças mentais e dependentes químicos só teve dois efeitos até hoje: dizimar a oferta de leitos públicos e jogar doentes à própria sorte, nas ruas, debaixo de pontes. A maioria já morreu, outros estão definhando aos nossos olhos.

Quem erigir a tese de que a medida do prefeito carioca corre risco de assumir contorno higienista deveria observar sua cidade, ouvir mães que acorrentam seus filhos e até mergulhar em presídios. Acabará por flagrar uma nova geração de preconceito e segregação a doentes. Não se pode usar, com interesse suspeito, o cenário do passado, quando hospícios eram depósitos de doentes rejeitados por famílias ou pela moralidade social, até porque eram escassos os recursos terapêuticos para enfrentar a enfermidade. Mais: epidemias de crack não estavam em cena.

Portanto, não se pode imaginar que profissionais de saúde – médicos psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e todos os envolvidos – terão condutas diferentes do que já se verifica hoje em instituições equipadas em cuidar dos pacientes. Uma sociedade democrática como a nossa também não permitiria arbitrariedades, violências. A droga impede o indivíduo de tomar decisões racionais. Compare-se a um bêbado, flagrado em uma blitz da Operação Balada Segura, que acredita estar sóbrio para continuar dirigindo. É preciso impedir à força, com autoridade e prender se for necessário, para proteger a vida dessa pessoa e de outras, até que ela volte a ter condições de raciocinar, mesmo que isso fira temporariamente a liberdade individual.

*Médico e presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers)

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Realmente, se "a droga impede o indivíduo de tomar decisões racionais",  o Estado pode sim "impedir à força, com autoridade e prender se for necessário, para proteger a vida dessa pessoa e de outras, até que ela volte a ter condições de raciocinar, mesmo que isso fira temporariamente a liberdade individual."  A dependência de drogas, além de saúde, é também uma questão de ordem pública, já que esta doença pode levar uma pessoa à morte, ao crime e ser morta pelas mãos do crime se não obedecer as leis do tráfico. Além disto, a família se torna a vítima mais próxima desta ameaça se não conseguir apoio para o tratamento público do ente querido. O descaso do Estado para com as drogas elimina as esperanças do dependente, da família dele e das pessoas que podem vir a ser assaltadas e mortas nas mão de um drogado na busca de dinheiro para sustentar o vício. Sou a favor da criminalização do uso de drogas em público e defendo a internação compulsória para tratamento de dependências para aqueles que usam drogas em público, ameaçam as famílias e cometem delitos sob efeito de drogas ou para sustentar o vício, mesmo que o crime seja de menor potencial ofensivo.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA

 
ZERO HORA 25 de outubro de 2012 | N° 17233

EDITORIAIS


Ao propor uma política pública que prevê a internação compulsória temporária de viciados em crack, o prefeito carioca Eduardo Paes (PMDB) recolocou na pauta do país, esta semana, a questão do tratamento de dependentes químicos. Atualmente, a legislação brasileira permite o recolhimento involuntário de usuários de drogas apenas quando existe autorização judicial baseada em laudo médico que comprove a incapacidade do paciente para conviver socialmente. Na visão de Paes, que nesta quinta-feira terá audiência com o ministro Alexandre Padilha, da Saúde, para tratar do assunto, o dependente de crack não tem condições de tomar decisões, o que justificaria a intervenção do poder público em sua defesa.

A questão é controversa, não apenas por interferir no direito de ir e vir garantido pela Constituição, mas também porque abre precedente para eventuais abusos, como o uso da violência contra drogados, o confinamento e até mesmo faxinas sociais destinadas a livrar habitantes e visitantes dos grandes centros urbanos do convívio com as chamadas cracolândias. A cidade do Rio de Janeiro, que nos próximos meses sediará eventos esportivos internacionais, certamente também tem motivos econômicos e turísticos para tirar os dependentes químicos da sua paisagem.

Admita-se, porém, a boa intenção do governante, que seria garantir tratamento digno e oportunidade de recuperação aos usuários de crack. Para isso, será necessário criar muito mais do que as 600 vagas de internação em regime emergencial anunciadas na última semana pelo prefeito carioca. A internação involuntária só se justificará – no Rio e em outras regiões do país – quando o poder público oferecer atendimento de qualidade, com acompanhamento de especialistas e medicação adequada pelo tempo necessário para a reabilitação.

A proposta do prefeito carioca merece, no mínimo, a atenção do governo federal e do Congresso, onde tramitam projetos semelhantes. A epidemia de crack requer mesmo uma mudança de atitude das autoridades. Só não autoriza uma abordagem higienista, com o propósito de apenas expulsar os doentes do ângulo de visão das demais pessoas, como se eles fossem incômodos a serem removidos. Isso seria um retorno a métodos medievais, como os que levaram à formação de colônias de leprosos em passado não tão distante. O país precisa, sim, livrar-se das suas cracolândias, mas com ações que garantam aos usuários de drogas amplo respeito, tratamento humano, assistência multiprofissional e reais oportunidades para retomarem uma vida saudável e produtiva.

O debate sobre a internação compulsória é bem-vindo, mas a medida só deve ser adotada quando Estados e municípios contarem com centros de reabilitação bem aparelhados e com espaço suficiente para todos os doentes recolhidos.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

RIO NÃO TEM ONDE INTERNAR DEPENDENTES DE CRACK

REVISTA VEJA - 17/10/2012 às 21:39

Blog Reinaldo Azevedo
Análises políticas em um dos blogs mais acessados do Brasil


Caros, vou voltar a este assunto mais tarde. Fiquem agora com uma reportagem da VEJA.com. Que coisa, não é? Então as soluções mágicas não existem nem no… governo Sérgio Cabral.


Viciados em crack fogem da abordagem da prefeitura do Rio (Rodrigo Melo de Carvalho/Divulgação SMAS)

Por Pâmela Oliveira:

Passada a ocupação policial na maior cracolândia do Rio de Janeiro, na região das favelas de Manguinhos e Jacarezinho, o que se viu foi apenas uma mudança de endereço dos pontos de concentração de usuários da droga. E não há, no momento, como ser diferente. Apesar de o poder público ter anunciado o “recolhimento” de mais de 200 dependentes de crack nesses locais, o estado do Rio está, no momento, sem nenhuma clínica onde tratar esses pacientes adultos.

As duas clínicas conveniadas com o estado do Rio, que ofereciam 180 vagas para internação de dependentes químicos no Rio, estão sem contrato com a Secretaria Estadual de Assistência Social desde o dia 19 de agosto. O problema não é só a impossibilidade de realizar novas internações: além de não internar quem é recolhido, os dependentes que estavam em tratamento receberam alta.

Uma das clínicas, ligada à Associação Nova Aliança, em Valença, mantém 18 pacientes dependentes de crack por conta própria na unidade. Já a clínica de Recuperação Michele de Morais, em Santa Cruz, deu alta aos pacientes no fim de agosto. O problema não ocorre por inexistência de verba, mas a falta de uso do dinheiro disponível. VEJA apurou que, até outubro deste ano, o governo do estado havia empenhado apenas 10 milhões de reais dos 29 milhões previstos no orçamento para enfrentar o crack e outras drogas. O que foi efetivamente destinado é apenas 34% do que foi reservado para o ano. As informações estão no Sistema de Administração Financeira de Estados e Municípios (Siafem).

O combate à mais mortal das drogas não é simples. E mesmo com todos os recursos, os profissionais que lidam com dependência química relatam a dificuldade de recuperar os usuários das pedras, vendidas por poucos reais em bocas de fumo espalhadas por cidades do Brasil inteiro.

Desde o último domingo, 259 usuários foram retirados das ruas, mas muitos voltam sem se submeter a qualquer tratamento. Na manhã desta quarta-feira, em meia hora, a Secretaria Municipal de Assistência Social Recolheu 30 dependentes – muitos tinham migrado da cracolândia do Jacarezinho para uma nova cracolândia no Parque União, na altura de Bonsucesso.

O crack recebeu destaque no discurso de posse da presidente Dilma Rousseff. A previsão do governo federal é de, até 2014, investir 4 bilhões de reais em programas de prevenção, tratamento e combate ao tráfico do crack.

Crianças

O município do Rio foi o primeiro a instituir, por decreto, a internação compulsória de menores de idade diagnosticados como dependentes do crack. A prefeitura fez valer, com a medida, o papel constitucional do município de zelar pela infância. Para internar um dependente contra sua vontade em um dos abrigos públicos, basta que a equipe de assistência social identifique que o menor não tem endereço ou responsável localizável. Os abrigos receberam críticas da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e do Conselho Regional de Psicologia, por não apresentarem condições adequadas para o tratamento dos menores.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não é só a cidade ou o Estado do Rio, mas em todo o Brasil, os Estados e municípios não têm onde internar os dependentes de drogas. Há um descaso generalizado nesta área da saúde que tem seus reflexos no crescimento da violência e da criminalidade.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

DROGAS E O SISTEMA FAMILIAR


ZERO HORA 16 de outubro de 2012 | N° 17224. ARTIGOS


Márcia Pettenon *

A dependência de substâncias psicoativas (lícitas e ilícitas) tem sido tema de debate em vários âmbitos de nossa sociedade. Órgãos públicos e privados vêm discutindo estratégias, realizando estudos e implementando novas formas de intervenções com o objetivo de diminuir a incidência de novos casos.

O uso/abuso de substâncias psicoativas não é um fenômeno atual, no entanto, ficamos impactados, por exemplo, com os índices crescentes de usuários/dependentes de crack em todas as classes sociais. Podemos identificar vários problemas associados à dependência química, como danos físicos e psicológicos aos usuários, gastos públicos com tratamentos, aumento da violência e da criminalidade e graves problemas familiares. Sabe-se que tornar-se ou não dependente químico depende de inúmeros fatores de vulnerabilidade. No entanto, em relação ao ambiente familiar, estudos vêm demonstrando que o tipo de estrutura familiar é considerado tanto um importante fator de risco quanto um poderoso fator de proteção, mesmo que o sujeito tenha alguma predisposição genética.

Existem correntes teóricas que estudam a estrutura familiar de dependentes químicos de drogas ilegais juntamente com seus familiares e apontam que a dependência química é um fenômeno familiar. Isso quer dizer que o uso de drogas estaria sinalizando outros problemas (passados ou atuais) em membros da família. Em relação aos fatores de risco na família, vários estudos com usuários de drogas (legais e ilegais) indicam que existem dificuldades na comunicação entre pais e filhos, conflitos entre os pais (agressões verbais e/ou físicas), ausência de um dos pais ou cuidadores, traumas na infância (abuso sexual e/ou físico) e dificuldades na transmissão de afeto e limites: são frequentes as percepções, por parte dos usuários, de terem recebido afetos rígidos ou negligentes.

Por outro lado, em um ambiente familiar onde os sentimentos são identificados, acolhidos e validados, onde a função/papel de cada membro é desempenhada comedidamente, onde a comunicação é clara (principalmente sobre temas preocupantes como o uso de drogas, a sexualidade etc.) e o sentimento de pertencimento à família é construído de forma que permita a individualização, as estatísticas indicam baixos índices de drogadição.

Quando a família depara com a doença (dependência química), usualmente ainda enfrenta, além de todos os problemas inerentes a esse momento, sentimentos de vergonha e preconceito. A eficiência no tratamento desse problema envolve toda a família, no sentido de resgatar o vínculo familiar, a autoridade dos pais e a autonomia consistente dos filhos. É fundamental ajudar a família a identificar seus pontos fortes e reconhecer as partes vulneráveis que frequentemente têm origem em gerações anteriores e continuam sendo perpetuadas, mesmo que prejudiciais. Neste sentido, a psicoeducação familiar tem sido amplamente identificada como uma das formas mais eficazes no fortalecimento da família e na prevenção de recaídas.


*Psicóloga de família, mestre em Psiquiatria – UFRGS


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A família tem sim um papel importante através da educação de valores, de comportamento e de defesas preventivas contra as drogas, esclarecendo e acompanhando o familiar pelo amor e não pela obrigação. Porém, estas barreiras não são infalíveis e podem ser  derrubadas no convívio escolar e em sociedade pela pressão dos colegas, namorados(as) e vapozeiros especialistas na sedução de suas vítimas.

São duas as grandes dificuldades dos familiares para enfrentar esta questão: técnicas educacionais para prevenir as drogas na família e o acesso a centros especializados para o tratamento das dependência a tempo de cura. São justamente nestas duas dificuldades que o Estado demonstra seu descaso e jogo de empurra.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

USO DE DROGAS EM PLENA LUZ DO DIA

 
ZERO HORA 15 de outubro de 2012 | N° 17223

À MARGEM. Sob efeito do crack e de bebidas alcoólicas, moradores de rua passam o dia sobre taludes do Arroio Dilúvio em Porto Alegre

LETÍCIA COSTA

Entre carros e pedestres que passeiam pela Avenida Ipiranga, na Capital, duas barracas feitas de lonas e tecidos realçam velhos problemas nas margens do Arroio Dilúvio: a presença dos moradores de rua e do consumo de drogas em plena luz do dia. No bairro Santana, pelo menos quatro pessoas despertam de dentro das casas improvisadas quando se aproxima das 11h. Minutos depois, a movimentação se intensifica e, após uma caminhada até uma vila encravada entre prédios residenciais e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o consumo de crack aumenta.

Sob árvores centenárias ou sol escaldante, moradores de rua se reúnem em grupos de dois ou três e cambaleiam em idas e vindas pelo concreto do talude. O cenário testemunhado ontem pela reportagem de Zero Hora pode ser observado diariamente, afirmam moradores da região. Há oito anos residindo em um prédio na Ipiranga, um homem de 61 anos, que pediu para ter o nome preservado, acompanha toda movimentação enquanto varre o meio-fio da avenida. Ele presencia horas de consumo de crack, mas ressalta que os moradores de rua não são violentos.

– Eles fazem as necessidades onde querem e transformam a árvore em uma latrina, deixando um cheiro insuportável – comenta.

Ele considera ser da prefeitura a responsabilidade de agir nestes casos, arrumando um novo local para eles morarem. Opinião semelhante tem a costureira Carmen Therezinha Soares Teixeira, 64 anos. Há duas décadas morando na altura do Planetário, ela afirma ter receio de atravessar a avenida por causa da presença de moradores de rua sob efeito de droga. De casa, Carmen escuta discussões nas margens do Dilúvio e conta que a prefeitura costuma recolher as barracas, mas que logo surgem novos abrigos.




Prefeitura promete novos centros de apoio 24 horas

O ponto onde os moradores de rua se instalam na Avenida Ipiranga fica a poucos metros de onde a droga é vendida, situação que já é velha conhecida da polícia. O diretor da Divisão de Investigação do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), delegado Heliomar Franco, explica que, recentemente, foi identificado o principal traficante do local. Mesmo assim ele reconhece que o problema não foi sanado:

– Sempre vai se estabelecer alguém que vai oferecer drogas para os moradores de rua. É necessária uma nova investida nossa ali, mas é como enxugar gelo. O problema é muito mais social do que propriamente policial.

Na tentativa de abrir opções de tratamento para os dependentes químicos, a Secretaria Municipal de Saúde aposta em quatro novos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), que devem começar a funcionar até o fim do ano, 24 horas por dia. O secretário adjunto de Saúde, Marcelo Bosio, ressalta que dois consultórios na rua foram abertos – projeto em que profissionais acompanham a saúde de moradores de rua – e que está previsto mais um, além de uma unidade de acolhimento para meninos de rua.

Por meio da assessoria de imprensa, a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) de Porto Alegre informou que o Centro de Referência de Assistência Social Centro agendou uma visita ao local para hoje.


DETALHE ZH. Mais moradores de rua na Capital

Em abril, levantamento da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) de Porto Alegre mostrou um aumento no número de moradores de rua. O Censo da População Adulta em Situação de Rua apontou mais moradores de rua adultos na Capital e, principalmente, um crescimento no número de pessoas acima de 60 anos. Os dados foram colhidos entre 13 e 21 de dezembro de 2011, em mais de 60 bairros. Foram encontradas 1.347 pessoas em situação de rua acima de 18 anos, 12% a mais do que em 2007.



O COMBUSTÍVEL DO CRIME


ZERO HORA 15 de outubro de 2012 | N° 17223

EDITORIAIS


Além de candente, é emblemático o depoimento da mãe de um dos jovens acusados de balear uma médica em Porto Alegre, numa tentativa de assalto que se tornou rumorosa depois de o juiz ter mandado soltar os criminosos presos pela polícia. A mãe do delinquente diz que ele agiu movido pelas drogas, que já o levaram a vender tudo o que tinha em casa e a fugir de sucessivas internações. E se conforma, dizendo que no local onde mora, “de cem jovens, só um não se envolve com drogas”. Não há diagnóstico mais preciso e mais assustador dos efeitos dos tóxicos na juventude.

O episódio é particularmente ilustrativo dos riscos que os cidadãos enfrentam no cotidiano devido à exposição permanente à ação de delinquentes na maioria das vezes sob o efeito de drogas. Por isso, chama a atenção, primeiro, para a dificuldade cada vez maior, em alguns meios, de os pais orientarem seus filhos a seguir uma vida reta, com interesses voltados para os que deveriam ser naturais a crianças e adolescentes, a começar pela ênfase aos estudos. Ao mesmo tempo, o caso serve para realçar problemas do poder público tanto para enfrentar as causas da criminalidade, entre as quais se incluem geralmente o uso de drogas, quanto para preveni-las e também para punir os criminosos.

Diante da ocorrência de casos de maior repercussão como o da pediatra, é natural que a sociedade se apresse em cobrar medidas de efeito mais imediatistas, como a prisão dos responsáveis por crimes. Mesmo imprescindível, porém, essa é apenas uma das providências cabíveis no caso.

O que a sociedade precisa é de mais pais conscientes da responsabilidade de educar filhos e de fazê-los cumprir a lei, além de um poder público capaz de devolver aos cidadãos a sensação de segurança perdida. E isso implica, acima de tudo, ações para reduzir e mesmo evitar crimes, bem como a capacidade de punir com rigor quem age contra a lei.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A questão se droga envolve três suportes: prevenção, repressão e tratamento. Se um destes pilares cai, o caos está instalado e vai exigir dos outros dois uma energia ainda maior de contenção da epidemia. Infelizmente, no Brasil, há descaso dos governantes na aplicação e investimentos ems políticas de prevenção às drogas que incluem educação familiar, campanhas e programas direcionados. As iniciativas existentes são superficiais, isoladas e pontuais que não atingem a todos, em especial as populações mais pobres e periféricas. Também, há uma negligência do Estado que não investe em centros públicos de tratamento tornando-os acessíveis e em quantidade suficiente para abrigar e curar os dependentes de drogas, tirando-os das drogas, do crime e do aliciamento dos traficantes. Restou o trabalho de contenção e repressivo exercido pelas polícias. E este último suporte é derrubado pelo abrandamento das leis e por uma justiça tolerante e sem força ou autoridade para exigir o tratamento, a repressão e as campanhas preventivas.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

TUDO POR CAUSA DO VÍCIO

ZERO HORA 11 de outubro de 2012 | N° 17219

MÉDICA BALEADA. Mãe de assaltante se diz aliviada com prisão. Mulher afirma que o envolvimento com drogas destruiu vida de seu filho

ANDRÉ MAGS


Por trás do assalto em que a médica Simone Teixeira Napoleão, 49 anos, foi baleada, em frente à Redenção, em Porto Alegre, está uma história de envolvimento com drogas. Depois de anos de convívio com a dependência do filho, a mãe de Eduardo Paulon Madruga, 21 anos, sentiu alívio com a prisão, negociada com a Brigada Militar (BM) pelo pai do jovem.

– A rua é mais perigosa do que o presídio – desabafou ontem a mulher, um dia depois de Eduardo ser levado ao Presídio Central.

O vício prevalecia desde os 17 anos, diz a mãe, uma telefonista de 43 anos, que pediu para não ser identificada, mas foi no meio deste ano que a situação se agravou. Um notebook desapareceu. A seguir, sumiu o aparelho de DVD da família. Pessoas apareciam para cobrar dívidas de Eduardo. Os pais o internaram em um hospital na Zona Sul, mas ele fugiu depois de quatro dias. O vício teria levado o jovem e seu parceiro, José Lucas Peixoto Mesquita, 18 anos, a atacar a médica. O caso é tratado pela polícia como tentativa de roubo ao carro da pediatra.

Serviço de Inteligência da BM negociou a rendição da dupla

A dupla foi presa na terça-feira da semana passada, horas depois do assalto. Liberados em meio a um desentendimento entre Justiça e Ministério Público, os dois foram para casa enquanto a médica lutava pela vida, internada no Hospital de Pronto Socorro (HPS). Somente à noite, o pedido de prisão preventiva de Eduardo e Mesquita foi aceito. O mandado de prisão, no entanto, só poderia ser cumprido após o término do período eleitoral, na última terça-feira.

Entrou em ação, então, o Serviço de Inteligência do Comando de Policiamento da Capital (CPC). Foram de dois a três telefonemas por dia ao pai de Eduardo, o motorista Luis Antonio Machado Madruga, até que ficou acertada a sua colaboração, relata o comandante do CPC, coronel Alfeu de Freitas Moreira. Às 17h10min da última terça-feira, uma viatura da BM parou junto à casa da família, no bairro Santa Tereza, já com Mesquita dentro. O pai o acompanhou até o carro.


ENTREVISTA. “Quebra as duas pernas dele” - Mãe de Eduardo Paulon Madruga


A telefonista de 43 anos, que pediu para não ser identificada, falou com Zero Hora em sua casa, no bairro Santa Tereza:

Zero Hora – Por que o Eduardo teria atacado a médica?

Mãe – Foi tudo por causa do vício da droga. Ele foi internado no mês passado, mas fugiu. Ele não queria se tratar. Vendeu tudo que é coisa por causa da droga, a gente tinha que esconder o secador de cabelo debaixo da cama. Vinham aqui em casa cobrar dinheiro que ele devia. Até que ele saiu para roubar R$ 20 ou R$ 30 de uma bolsa (da médica). Eles queriam a bolsa da mulher, o celular. Não queriam o carro.

ZH – O Eduardo estava trabalhando? Estudava?

Mãe – Agora não estava mais trabalhando, acho que por causa da droga. Mas ele estudou, fez cursos. Mas aqui é assim. De cem jovens, só um não se envolve (com drogas).

ZH – Que drogas ele usava?

Mãe – Cocaína. Também maconha. Crack, eu não sei.

ZH – A decisão de chamar a polícia foi o último recurso?

Mãe – A gente não sabia mais o que fazer, estávamos enfrentando uma barra pesada. Ele levou tudo o que tinha em casa para trocar por droga. Ele quebrou vidro, quebrou porta. Aí eu disse para o pai dele: dá uma camaçada de pau e quebra as duas pernas dele.

ZH – Um dia o Eduardo sai da prisão. Como vai ser?

Mãe – Eu não sei. Tinha que ter um tratamento para largar esse vício, e ele querer se tratar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

DROGA: ABORDAGENS EQUIVOCADAS

ZERO HORA 03 de outubro de 2012 | N° 17211. ARTIGOS

Celso Gonzaga Porto*

É louvável toda e qualquer tomada de posição quando se trata da prevenção às drogas. Cada abordagem, mesmo que resulte em um mínimo de sucesso, é relevante e deve ser encarada com respeito. O que se observa, entretanto, são polpudos investimentos do erário, sem haver, em contrapartida, uma eficácia coerente na relação custo-benefício. O ponto de vista para esse aparente pouco sucesso está focado na base de ataque ao problema.

Há uma consciência generalizada no que se refere à dependência química, de que ela mantenha o indivíduo dependente para toda a vida. E é nesse ponto que, às vezes, todos os demais trabalhos se perdem, pois esse pressuposto nem sempre é verdade. Esse conceito parece ser válido apenas em parte. Se analisado com mais especificidade, é provável que ele represente um percentual inferior a 50% do total. O não sucesso em muitas investidas na abordagem antidrogas está justamente nessa maneira equivocada de tratar todos os viciados como se fossem dependentes químicos para toda a vida.

Se analisarmos com mais afinco, deixando de lado a dependência psicológica, há de se admitir que existem dois tipos de dependência química: a inata e a adquirida. A primeira é o provável resultado de um distúrbio metabólico de cunho bioquímico, que, por qualquer razão, impõe ao organismo, já a partir de sua concepção, um “pedido” de substâncias químicas externas. Entretanto, a presença dessa dependência somente será notada a partir do momento em que esse organismo mantiver o primeiro contato com qualquer droga química. Mesmo assim, somente a partir de análises mais aprofundadas se poderá identificar se a drogadição é oriunda de um processo inato ou não. Nesse caso, as coisas não são fáceis e dependerão de um bom acompanhamento médico, psicológico, do uso de medicamentos etc. O grande problema está na descoberta de sua presença. E é justamente por desconhecimento que decorrem muitos casos de recaída e outros insucessos. Quem sabe, a internação sem o consentimento prévio possa ajudar a identificar mais cedo esse problema, desde que haja um ambiente hospitalar especialmente montado para atender os casos de drogadição.

Por sua vez, a dependência química adquirida parte da integração de um produto químico ao organismo que, devido ao uso constante, acostumou esse organismo a receber aquela dose diária. Cada vez que o nível da droga baixa, o organismo pede mais para suprir a dose com a qual ele está acostumado. Nesse caso, provavelmente a luta seja mais branda, desde que um impulso de dentro para fora desperte o indivíduo para isso. No momento em que, a partir de maneiras adequadas, conseguir “zerar” a droga no seu organismo, ele poderá se considerar, sim, um ex-dependente.

*Professor e escritor