COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A MIOPIA DO GOVERNADOR

O Estado de S.Paulo 18 de fevereiro de 2014 | 2h 05


OPINIÃO

A "feira livre" de drogas na Rua Peixoto Gomide, nas imediações da Avenida Paulista, descrita em reportagem do Estado, vem demonstrar que a gravidade desse problema na capital é muito maior do que se poderia imaginar. Foi-se o tempo em que a Cracolândia se restringia ao centro velho. Ela está se multiplicando, em tamanhos variáveis, por várias outras regiões. O tamanho da preocupação com esse problema só é comparável ao da decepção com a reação do governador Geraldo Alckmin. Mais lastimável ela não poderia ter sido, o que aumenta o pessimismo da população com relação à forma como essa questão vem sendo tratada.

A "feira", que ocupa uma quadra da Peixoto Gomide, entre as Ruas Augusta e Frei Caneca, funciona todas as noites, com maior intensidade nas de sexta-feira e sábado. Ali se concentram adolescentes e jovens que não podem frequentar as casas noturnas, onde só é permita a entrada de maiores de idade. Os traficantes circulam nas calçadas e entre os carros oferecendo aos gritos maconha, cocaína, ecstasy, LSD, lança-perfume e GHB em gotas, um anestésico também usado como estimulante sexual. A variedade das drogas é para viciado nenhum pôr defeito, e cada uma anunciada com o seu preço.

Adolescentes consumindo drogas e bebidas alcoólicas nas calçadas, em meio a outros já cambaleantes ou caídos, compõem o triste espetáculo dessa minicracolândia. Nada falta para que o "comércio" que se alimenta desse vício prospere. A liberdade com que ele é praticado inclui facilidades de pagamentos. Quem não tem dinheiro vivo pode pagar aos traficantes com cartões de débito ou de crédito em loja de conveniência de um posto de gasolina próximo. Tudo muito bem organizado, sob as barbas da Polícia Militar que por ali faz rondas regularmente. Durante as duas noites que permaneceram ali, os repórteres doEstado contaram a passagem de 12 viaturas, 3 delas da Força Tática.

Diante da reação à reportagem, o governador saiu de seus cuidados para dizer o quê? "Primeiro, temos de ajudar o dependente químico." A dependência química é doença, explicou, e citou as principais medidas que seu governo tomou naquele sentido, entre elas o aumento de 360 para 1.100 leitos para dependentes. Só em seguida tratou do problema da segurança: "De outro lado, combate duro ao tráfico de drogas", que inclui "uma ação vigorosa nessa região, como faz em todas as regiões do Estado".

Ora, a questão na Peixoto Gomide é antes de mais nada de segurança pública, de combate ao tráfico feito livremente, e que não envolve apenas os dependentes, mas também os moradores da região. Ou o governador se esqueceu deles? Claro que tratar do problema das drogas inclui tratamento dos dependentes. Mas neste caso salta aos olhos que fazer considerações vagas - e colocando-as em primeiro lugar - sobre o vício como doença é uma forma de ou fugir do essencial ou fazer concessões ao politicamente correto, de olho nas eleições. Ou as duas coisas, o que ao mesmo tempo cheira a demagogia e não leva a lugar nenhum.

A situação é muito clara e só não a vê quem não quer. Em primeiro lugar, o problema das drogas naquele trecho da Peixoto Gomide vem de longe e apenas se agravou nos últimos tempos. Já houve até mortes ali. Depois, em vez de se entregar a divagações de qualidade duvidosa sobre como tratar o problema, o governador deveria perguntar antes ao comando da Secretaria da Segurança Pública por que a polícia - acionada repetidamente por moradores da região pelo telefone 190 ou pessoalmente junto aos policiais militares que ali fazem patrulha e, ainda mais importante do que isso, vendo diariamente o que os repórteres viram - não tomou nenhuma providência adequada. Por quê?

Que Alckmin não se iluda: ou o seu governo age com o máximo rigor contra o crime organizado que está por trás disso ou as minicracolândias vão se disseminar pela cidade, com dezenas de "feiras livres" de drogas como a da Peixoto Gomide, onde adolescentes se afundam no vício, num espetáculo deprimente; e os traficantes, em altos lucros. Sem falar nos vizinhos que só terão o sossego merecido se se mudarem.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

BRECHA NA LEI IMPEDE QUE POLÍCIA APRENDA NOVAS DROGAS

TV GLOBO, FANTÁSTICO, Edição do dia 16/02/2014


Brecha na lei impede que Polícia Federal apreenda novas drogas. Substâncias parecem LSD e ecstasy, mas são ainda mais potentes. Segundo a PF, drogas já foram encontradas em cinco estados do país. Toxicologista alerta para efeitos extremamente agressivos.




Novas drogas, muito perigosas, fabricadas em laboratório, estão chegando ao Brasil. Parecem LSD e ecstasy, mas são ainda mais potentes. E o pior: por uma brecha na lei, a venda é livre no país.

As drogas foram apreendidas em São Paulo. À primeira vista, parecem ser velhas conhecidas da polícia: LSD e ecstasy. Mas são muito mais perigosas. Drogas novas, que chegam ao país à margem da lei.

“São drogas extremamente potentes, extremamente agressivas, são causas de morte e também de despersonalização. Ou seja, a pessoa fica de uma forma tão alterada, que, muitas vezes, não consegue mais voltar à realidade”, diz Anthony Wong, toxicologista.

São duas substâncias diferentes. A primeira é parecida com o LSD, tanto no aspecto quanto nos efeitos: causa alucinações intensas.

“Um correu e bateu contra um carro, pensou que ele era mais forte que o carro. Outro pulou de um prédio porque pensou que podia voar”, lembra Anthony Wong, toxicologista.

A outra droga lembra o ecstasy, só que muito mais perigosa. “Se provocado ou submetido a algum trauma, ele reage violentamente. Essa violência não tem controle. A pessoa é dotada de uma força sobre-humana. Ele fica com tanta força que dez pessoas não conseguem segurar”, alerta o toxicologista.

A apreensão aconteceu em São Paulo, em novembro de 2013.

Segundo a polícia, em uma abordagem de rotina, a PM parou o carro de um universitário, acompanhado de uma mulher. Os policiais encontraram 500 comprimidos. Pensaram que era ecstasy.

Ainda na versão policial, o homem foi pressionado e os levou até a casa do traficante - um dentista, que estava acompanhado de um terceiro homem. No local, a polícia apreendeu mais comprimidos, além de micropontos que pareciam LSD, maconha e R$ 21 mil em dinheiro.

Diante de um possível crime de tráfico de drogas, os policiais levaram os suspeitos para a delegacia. Os três alegaram que a droga foi colocada na casa para incriminá-los.

A polícia precisava de uma prova técnica. As drogas foram levadas para análise no instituto de criminalística. O resultado do exame provocou uma reviravolta no caso: aquelas drogas apreendidas não eram LSD nem ecstasy, e os três teriam que ser soltos.

O promotor que investigava essa história não aceitou o primeiro laudo e exigiu que um outro mais completo fosse feito.

Cassio Roberto Conserino, promotor público: Foi feito o pedido de contraperícia. Nessa contraperícia, o resultado se repetiu.
Fantástico: Esses traficantes que trouxeram essa droga para São Paulo, compraram aqui, ficaram impunes?
Cassio Roberto Conserino, promotor público: Exatamente.

Só depois, com novos exames, os peritos entenderam o que estavam acontecendo.

“A gente conseguiu ver que as substâncias não eram, em primeiro lugar, ecstasy e LSD, e eram sim, outras drogas ainda novas no Brasil”, explica Leonardo Marabezzi, perito.

A droga que os policiais imaginavam ser ecstasy, na verdade, se chama metilona. E aquela que parecia ser LSD é conhecida como 25I-NBOMe, também chamada de 25I.

Fantástico: É a primeira vez que o senhor apreende esse tipo de droga aqui em São Paulo que você tem conhecimento?
Perito: Não, não é a primeira vez.

Segundo a Polícia Federal, a metilona já foi encontrada em São Paulo e também no Rio Grande do Norte. A 25I, em São Paulo, Santa Catarina e Mato Grosso.

“As drogas são sintetizadas na Índia e na China. Mas o caminho obrigatório para vir para o Brasil é Europa. Elas vêm pela Europa e chegam aqui”, afirma Renato Pagotto Carnaz, delegado da Polícia Federal.

No Brasil, elas são vendidas livremente na internet. Os usuários fazem até avaliações das drogas.

“O público-alvo são jovens de classe média alta que utilizam esse tipo de droga. Ela tem um efeito duradouro. E é uma droga cara, não é uma droga barata”, destaca o delegado

Nos Estados Unidos as duas drogas mataram pelo menos 19 pessoas. A metilona foi proibida nos Estados Unidos em abril do ano passado. A 25I, há apenas três meses. Reino Unido e Dinamarca também baniram as duas. Outros países, como Rússia, Israel e Canadá, proibiram pelo menos uma delas.

Aqui no Brasil, no entanto, nenhuma das duas é considerada ilegal. “Se uma pessoa acaba sendo flagrada portando essa substância sem que essa substância esteja incluída no rol das substâncias proscritas, ela não é enquadrada no crime de tráfico de drogas”, diz Renato Pagotto Carnaz, delegado da Polícia Federal.

“O Ministério Público, fica de mãos atadas”, alerta o promotor.

A lista de drogas proibidas é de responsabilidade da Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A última atualização foi em 2012.

Em nota, a agência diz que, no ano passado, recebeu pedidos de inclusão da metilona e da 25I na lista de drogas proibidas. Foi uma iniciativa da Polícia Federal.

Segundo a Anvisa, é necessária uma 'análise profunda' antes que uma droga entre na relação de substâncias banidas.

Somente em 2014, mais de 30 drogas desconhecidas foram levadas para análise no Instituto Nacional de Criminalística, no Distrito Federal

“É aquela velha analogia do cachorro correndo atrás do rabo: mesmo que a Anvisa hoje proíba uma substância, na semana seguinte já tem uma nova pronta pra ser lançada no mercado”, avalia João Carlos Ambrosio, perito federal.

O representante dos peritos criminais faz uma sugestão para acelerar o processo.

“Todas as novas drogas sintéticas e semissintéticas que chegam no território nacional devam ser inseridas imediatamente, após a apreensão em situação de crime naturalmente, em uma lista que vai caracterizá-las como drogas proscritas, proibidas”, avalia Carlos Antônio de Oliveira, da Associação Nacional dos Peritos Criminais.

Segundo a Anvisa, uma reunião sobre o assunto vai acontecer nesta terça-feira (18).

“O poder de ficar dependente ou viciado nessa classe nova de medicamentos é muito grande. Enquanto a Anvisa não determinar que essas substâncias são ilícitas, são ilegais e devem ser classificadas, A Polícia Federal estará de mãos atadas sem poder punir ou apreender essas substâncias”, destaca Anthony Wong, toxicologista.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

MELHOR QUE A BALADA MIL VEZES

O Estado de S. Paulo 15 de fevereiro de 2014 | 18h 30

'Todo mundo pode beber, fumar e ser feliz numa boa'. Após consumir drogas na madrugada, adolescentes caem desmaiados na calçada


Diego Zanchetta



Grupos de adolescentes skatistas com alargadores na orelha - a maior parte estudantes de ensino médio que ainda não podem entrar nas casas noturnas da Rua Augusta - formam o público preferencial dos traficantes da Rua Peixoto Gomide. Desde o início de 2011, o trecho entre as Ruas Augusta e Frei Caneca virou "point" de quem sai à noite com pouco dinheiro e quer apenas beber com amigos. O tráfico chegou aos poucos, conquistou clientela cativa e hoje ocupa uma calçada inteira.



Márcio Fernandes/Estadão
De dia, rua é uma via como qualquer outra; à noite, jovens cheiram cocaína em público


"A festa é aqui, melhor que a balada mil vezes. Aqui todo mundo pode beber, fumar e ser feliz numa boa. E rola as ‘mina’ também, pode ver, a galera arrasta mesmo", conta um jovem skatista à reportagem, estudante do 2.º ano do ensino médio. Morador no Tucuruvi, na zona norte, ele diz ter R$ 30 para passar o sábado. "Dá pra tomar uma garrafa de catuaba e dividir um pininho (de cocaína) com alguém, dá pra curtir, sim. A polícia ‘desencanou’ de nós aqui."

Bebendo catuaba e cheirando pinos de pó, os jovens passam a madrugada na rua, até o metrô voltar a funcionar, às 5h. O consumo de ecstasy também é feito com a cocaína, como constatou a reportagem. Um dos garotos com quem o Estado conversou na madrugada do dia 9 se retorcia na calçada, com os lábios sangrando de tanto mordê-los.

"Tomei cinco balinhas, moço", disse, ao ouvir da reportagem se precisava de ajuda. "Me compra um pó, preciso ficar mais acordado, por favor", respondeu o garoto, que não conseguiu dizer onde morava. Ao seu lado, dois amigos estavam desmaiados. "Eles nunca aguentam mesmo, estou acostumado."

A reportagem também presenciou dois jovens reclamando com um traficante que o LSD que haviam comprado "era de papelão". "Sai andando moleque, não te conheço", respondeu o traficante ao garoto, que estava com dois colegas, todos de skate. Eles atenderam imediatamente à determinação, sem retrucar.

O segundo público preferencial dos traficantes são os gays que frequentam boates da Rua Frei Caneca, muitos deles turistas de outros Estados e estrangeiros. O aquecimento pré-balada com pó, ecstasy e bebida pode ser feito nos barzinhos da região, ou na própria calçada da Rua Peixoto Gomide. Alguns bares funcionam até as 8 horas.

TRÁFICO DOMINA RUA E FAZ FEIRA LIVRE DAS DROGAS


O Estado de S. Paulo 15 de fevereiro de 2014 | 18h 30

Tráfico domina rua a quatro quadras da Paulista e faz feira livre das drogas. 'Estado' flagrou ação de traficantes que abordam adolescentes na Rua Peixoto Gomide para vender maconha, cocaína, LSD e ecstasy; vendedores circulam entre carros e dominam área durante as madrugadas. Polícia diz que já fez operações de repressão na região

Diego Zanchetta



No meio do trânsito parado da Rua Peixoto Gomide, traficantes circulam entre os carros com as mãos carregadas de pinos de cocaína. Na calçada, quem passa é abordado por vendedores que oferecem maconha, comprimidos de ecstasy, cartelas coloridas de LSD e gotas de GHB - anestésico também usado como estimulante sexual. O comércio é feito em voz alta e, para atrair turistas, eles arriscam até palavras em inglês.


Márcio Fernandes/Estadão
Traficante aborda jovem na calçada e vende pinos de cocaína, guardados em saco de salgadinhos



A "feira livre" de drogas, a quatro quarteirões da Avenida Paulista, na quadra entre as Ruas Augusta e Frei Caneca, ocorre onde fica o principal ponto de encontro de adolescentes e jovens que não podem entrar nas casas noturnas para maiores de idade. Ela se repete desde o fim do ano passado, principalmente às sextas-feiras e sábados, em um trecho de 100 metros da Rua Peixoto Gomide, em Cerqueira César, área nobre da capital paulista. Durante duas noites (nos dias 8 e 9 deste mês), o Estado acompanhou a movimentação dos criminosos e flagrou a venda e o consumo de drogas no local.

Enquanto os traficantes oferecem as drogas em um vaivém que começa às 22h e termina só na manhã do dia seguinte, adolescentes consomem cocaína sentados na calçada, tomando catuaba e vodca vendidos para menores de idade, por R$ 12,99, em um mercadinho mantido por uma família chinesa. Na alta madrugada, quem não tem dinheiro vivo para comprar cocaína e ecstasy pode pagar com cartão de débito ou crédito na conveniência de um posto.

"Cocaína, balinha (ecstasy), doce (LSD), lança-perfume, GHB em gotas, iPhone 5S desbloqueado", gritam vários jovens ao mesmo tempo. Os traficantes têm como clientela cativa três públicos: menores de idade que bebem nas ruas, o público GLS de boates da região e turistas estrangeiros. O pino de cocaína custa R$ 20 e a cartela com 20 ácidos (LSD), R$ 200.

Assim como ambulantes que tentam vender seus produtos em pontos turísticos do Brasil, os traficantes param qualquer pedestre sem cerimônia, seja ele um menor de idade ou um adulto com mais de 50 anos. Não há restrições.

"Olha o pino, três por quatro só agora hein, cheinho até a boca", grita um dos jovens que vendem droga. Ele também carrega um tubo de adoçante com GHB. "Me dá R$ 30 e eu coloco cinco gotonas ‘servidas’ na sua boca já", oferece um traficante à reportagem doEstado.

Movimento. Sob um calor de 31ºC, alguns traficantes usam casacos e moletons para guardar as drogas nos bolsos. A falta de iluminação em alguns postes da rua ajuda o trabalho de negociação com os clientes.

Alguns jovens que trabalham para os grupos parados na Rua Peixoto Gomide saem pela Rua Augusta com caixa de balas e chicletes, mas oferecem ácido e ecstasy escondidos sob doces. Quando acaba a droga, eles voltam para a Peixoto Gomide para repor os pinos de cocaína e cartelas de ácido.

As drogas são vendidas e consumidas ali mesmo no quarteirão da Rua Peixoto Gomide, transformado em território livre. Grupos de adolescentes sentam na calçada do outro lado da rua, onde não estão os traficantes, e cheiram cocaína tranquilamente. Segundo relato de usuários à reportagem, porém, a maior parte das drogas vendidas é de baixíssima qualidade.

Nenhum policial militar coibiu a venda ou revistou traficantes nas madrugadas em que oEstado acompanhou a movimentação. Na duas noites, passaram pelo quarteirão 12 carros da Polícia Militar - três deles da Força Tática. A PM informou, por meio de nota, que faz policiamento ostensivo na área. Segundo a corporação, foram detidas 390 pessoas em flagrante e apreendidos 8,3 kg de drogas e 13 armas de fogo no ano passado.

Também por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que ações conjuntas da PM, Polícia Civil e Guarda Civil Metropolitana foram realizadas na área neste mês, "com intuito de coibir não apenas o tráfico, mas também o ativo comércio ambulante clandestino de bebidas alcoólicas". Três menores foram apreendidos. / COLABOROU ALEX SILVA



sábado, 1 de fevereiro de 2014

O NOVO STATUS DA MACONHA

FOLHA.COM, 01/02/2014 03h00

O Brasil deveria descriminalizar a maconha? Sim


ELISALDO CARLINI
ESPECIAL PARA A FOLHA


No século 19, medicamentos à base da maconha (Cannabis sativa L) eram disponíveis aos pacientes.

Assim dizia o doutor J. R. Reynolds, médico da rainha Vitória da Inglaterra: "Em quase todas as moléstias dolorosas, eu achei a maconha ("indian hemp") a mais útil das drogas". Está escrito em famoso livro da terapêutica americana: "Cannabis é muito valiosa para o alívio da dor, particularmente aquela dependente de distúrbios nervosos..."

E a maconha usada como medicamento naqueles tempos não causava "graves" intoxicações. D. S. Snyder, ao examinar a literatura médica do século 19, diz: "É marcante que muitos relatórios médicos não mencionam qualquer propriedade intoxicante da droga".

Raramente existia (se é que houve alguma) indicação de que pacientes –e centenas de milhares devem ter recebido Cannabis na Europa no século 19– estivessem "chapados" ou mudassem sua atitude em relação ao trabalho, seus semelhantes, ou sua pátria.

Mas, na metade do século 20, a situação muda totalmente. "A maconha é uma droga totalmente viciante, merecendo o ódio dos povos civilizados", declarou o governo egípcio, em 1944. Na convenção de 1961, a ONU coloca a maconha, junto com a heroína, na classe das drogas com "propriedades particularmente perigosas". E a maconha passou a ser considerada "erva do diabo", satanizada que foi. Não importa discutir quais as razões, certamente pouco científicas, que levaram a tão esdrúxula situação.

Mas, a partir da segunda metade do século 20, o quadro começa a modificar-se, e a maconha renasce como poderoso medicamento para certas patologias médicas.

A identificação dos princípios químicos ativos da maconha, a descrição segundo a qual o cérebro humano tem "receptores" para esses princípios, a surpreendente descoberta de que o nosso cérebro sintetiza uma substância capaz de atuar naqueles receptores (como se tivéssemos uma maconha produzida pelo nosso próprio cérebro, a anandamida) e a descrição de um sistema de neurotransmissão nervosa chamado de sistema canabinoide endógeno trouxeram um novo status científico para a maconha.

E mais: muitos trabalhos científicos clínicos foram feitos no mundo demonstrando claramente que a maconha tem boas propriedades terapêuticas (dores neuro e miopáticas; esclerose múltipla; náusea e vômito resultantes da quimioterapia do câncer; e mais recentemente epilepsia e dores terminais do câncer).

E, ainda, recentes pesquisas epidemiológicas, seguindo milhares de usuários crônicos e até pesados da maconha, feitas em importantes universidades dos Estados Unidos e do Reino Unido, cabalmente mostram que a maconha não afeta o desempenho cognitivo, não produz ganho de peso e não está associada a efeitos adversos da função pulmonar.

Como consequência final desses conhecimentos novos, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Holanda já têm medicamentos fabricados à base de maconha ou seus derivados. O medicamento fabricado no Reino Unido já foi aprovado pelos Ministérios da Saúde de 13 outros países (o último a aprovar foi a França) e é utilizado clinicamente, sob receitas, em mais de duas dezenas de outros países.

E todos esses fatos estão à disposição do leitor em cerca de um milhar de trabalhos científicos, sendo apoiados pelo "American College of Physician", "American Medical Association", Ministério da Saúde de Israel, Espanha, Itália etc. (para maiores detalhes, ver o trabalho de revisão "Cannabis sativa L (maconha): Medicamento que renasce?").

Até poderia ser dito que, para o opositor brasileiro do uso médico da maconha, à semelhança de uma pessoa ao ser confrontada com um documento que contradiz frontalmente sua superada convicção, declara: não li e não gostei!

ELISALDO LUIZ DE ARAÚJO CARLINI, 83, é professor titular de psicofarmacologia na Universidade Federal de São Paulo e pesquisador emérito da Secretaria Nacional de Políticas sobre Droga do Ministério da Justiça

CARA OU COROA?

FOLHA.COM. DEBATE01/02/2014 03h00

O Brasil deveria descriminalizar a maconha? Não


ANA CECÍLIA ROSELLI MARQUES
ESPECIAL PARA A FOLHA


Muito se tem falado por aí sobre o uso terapêutico da maconha e sua possível legalização no Brasil, após as mudanças de legislação ocorridas no vizinho Uruguai.

Mas pouco se tem discutido, profundamente, a questão. O fato que parece estar esquecido é que a maconha é uma droga psicotrópica que causa dependência, uma grave doença do cérebro, e que cursa com muitas complicações.

É verdade que algumas pesquisas vêm sendo feitas, inclusive no Brasil, para entender a ação dos diferentes componentes da Cannabis sp e sua utilização como medicamento. Mas também é verdade que os resultados ainda não são replicáveis (aplicáveis).

Isto é, para o controle da dor ou do apetite, por exemplo, substâncias já testadas devem ser aplicadas. Experiências com a maconha sem consentimento assistido (informações sobre todos os benefícios e malefícios) são a solução?

Estudos mostram que, além da dependência, o uso crônico produz bronquite crônica, insuficiência respiratória, aumento do risco de doenças cardiovasculares, câncer no sistema respiratório, diminuição da memória, ansiedade e depressão, episódios psicóticos e de pânico e, também, um comprometimento do rendimento acadêmico e/ou profissional. Por que optar por um caminho que oferece tantos riscos?

A Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, a Abead, pesquisou sobre algumas experiências de descriminalização no mundo e elaborou uma síntese de evidências sobre os resultados.

Foram eles: o aumento do consumo, a redução da idade de experimentação, a diminuição do preço de comercialização e, portanto, um aumento da disponibilidade e do acesso à droga e, pior, um mercado para turistas que pode trazer outros riscos sociais e de saúde.

Por esses e outros motivos, é preciso debater muito mais antes de se alterar a lei ou mesmo propor medidas mais liberalizantes.

No Brasil, a percepção de risco relacionado à substância é muito baixa: a maconha é vista como uma droga leve, natural e que não faz tão mal, a despeito das respeitadas pesquisas já há muito publicadas que mostram um aumento significativo da taxa de doenças mentais entre os usuários quando comparados à população de não usuários da substância. Onde fica o direito humano, principalmente o do adolescente, à vida saudável, à saúde mental?
Então, vale ainda mais uma pergunta. Se, em países desenvolvidos, a legalização trouxe consequências desastrosas, por que no Brasil, que enfrenta tantas outras dificuldades, como a falta de tratamento especializado, a falta de prevenção, uma política de drogas que precisa ser revista, tal impacto seria diferente?

Para além dos usuários e defensores de direitos individuais de usar drogas, e não daqueles que lutam pelos direitos coletivos, é preciso entender que existem "clássicos" interesses econômicos em um novo negócio. Foi assim com o cigarro, tem sido assim com a bebida alcoólica, e o método utilizado para conseguir tal empreitada tão perversa é o uso da ambivalência.

Vale a pena lembrar que a maconha não é um produto qualquer. É uma droga psicotrópica, mais uma entre tantas cujo consumo é preciso controlar, de impacto nas células humanas, na família e na sociedade.

Não é possível fechar os olhos diante do jogo mercantilista. É preciso olhar firmemente para a situação da população brasileira, e não submetê-la a mais um fenômeno que não possui recursos para ser manejado. De que lado cairá a moeda?

ANA CECÍLIA PETTA ROSELLI MARQUES, 59, é psiquiatra e presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas)

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