COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

domingo, 22 de março de 2015

CONTRA O CRACK, UNIÃO GASTOU APENAS METADE DO VALOR PREVISTO

CORREIO DO POVO 21/03/2015

Marco Aurélio Ruas

União gastou apenas R$ 1,9 bilhão contra crack, alerta estudo. Programa do governo federal previa distribuição de R$ 4 bilhões para estados e municípios




Programa contra o uso de Crack não recebe verbas | Foto: Samuel Maciel / CP Memória


Um estudo publicado pelo Observatório do Crack, elaborado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), aponta que dos R$ 4 bilhões anunciados pela presidente Dilma Rousseff para ações do programa “Crack, é possível vencer”, lançado em 2011, apenas R$ 1,9 bilhão já foi efetivamente pago a prefeituras e Estados até o ano passado. O programa visa ao combate ao uso do entorpecente. Das 121 cidades que assinaram o documento aderindo ao programa, 17% delas não recebeu recursos. Mesmo assim, os municípios foram os maiores executores do projeto, com mais de 79% do orçamento desses sendo aplicados no combate ao uso de entorpecentes.

Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, o governo federal lançou o programa de forma unilateral. “É preciso que o governo provoque os estados e municípios”, afirmou o presidente da entidade. Outra questão salientada por Ziulkoski foi a necessidade da criação de uma estratégia de enfrentamento de dependentes químicos, principalmente usuários de crack. “Enquanto não for criada uma estratégia, o dinheiro se diluirá, irá para o ralo”, considerou.

O presidente destacou que as ações do programa “Crack", é preciso vencer” combatem os efeitos consequentes do uso de drogas, enquanto o necessário, salientou Ziulkoski, seria a prevenção. “Há 540 municípios brasileiros que fazem fronteira com algum outro país”, lembrou ele. “É preciso ter controle da entrada de drogas como a cocaína, que serve de base na fórmula do crack”, ressaltou.

Conforme a CNM, o Ministério da Saúde foi a instituição que recebeu o maior montante de recursos: R$ 1,54 bilhão. Mais da metade deste montante foi utilizada no aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde (SUS). A confederação ainda apontou que a questão da segurança, considerada uma das prioridades do programa, não obteve nem um quinto do valor total dos recursos.

A CNM também indicou que das 18 metas propostas inicialmente pelo programa “Crack, é possível vencer” somente três delas foram alcançadas. Baseada no estudo, a entidade concluiu, de acordo com Ziulkoski, que a diferença entre a proposta e a execução do programa reforça a importância da participação dos municípios na criação de políticas públicas.

RS aplica na ampliação de leitos

No Rio Grande do Sul, a Secretaria Estadual da Saúde (SES) participa do programa “Crack, é possível vencer” através da Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. A instituição tem como responsabilidade ampliar e qualificar a Rede de Atenção Psicossocial (Raps). Desde 2011, o total de recursos disponibilizados pelo Estado para custear vagas em comunidades terapêuticas e leitos para dependência química e para pessoas que necessitem de atendimento psiquiátrico em hospitais têm tido um aumento crescente.

De acordo com a secretaria, em 2011, o orçamento estadual para a Política de Saúde Mental foi de pouco mais de R$ 27,5 milhões. No ano passado, a dotação passou para cerca de R$ 54,6 milhões.

os municípios de pequeno porte, os incentivos financeiros se destinam a realização de oficinas terapêuticas nas comunidades e para implantação de Núcleos de Apoio à Atenção Básica (Naab), que dão apoio às equipes de instituições que atendem problemas de saúde mental, álcool e outras drogas. Já para os municípios maiores, os recursos podem ser acessados para a implantação de oficinas terapêuticas e composições para redução de danos.
Conforme a Secretaria Estadual da Saúde, há incentivos, também, para a implantação dos Consultórios na Rua, outro dispositivo que faz parte do acordo assinado no programa “Crack é possível vencer”. Esse serviço funciona em municípios de grande porte. Ele é feito por equipes móveis que prestam atenção integral à saúde da população que vive na rua.

No atendimento são consideradas as diferentes necessidades de saúde. Os profissionais têm como meta reduzir os danos a usuários de crack e outros entorpecentes. As equipes possuem profissionais com formações em várias áreas. Esses atuam de forma itinerante nas ruas, desenvolvendo ações compartilhadas ou integradas às Unidades Básicas de Saúde, Serviços de Urgência e Emergência e outros pontos de atenção.

quarta-feira, 11 de março de 2015

MACONHA: O GRANDE NEGÓCIO DO SÉCULO 21

ZERO HORA 11 de março de 2015 | N° 18098.


POR SÉRGIO DE PAULA RAMOS*

* Psiquiatra, membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Estudos sobre Álcool e outras Drogas (Abead)


É certo que uma política centrada exclusivamente na repressão, que ficou conhecida como guerra às drogas, fracassou. Também é certo que países que investiram em prevenção, com leis adequadas e programas em escolas, conseguiram estabilizar os patamares de consumo ou mesmo torná-los declinantes.

Então, a pergunta que fica é: por que esse movimento internacional e bem orquestrado de legalização da maconha? Por que a insistência nessa alternativa, se todas as associações médicas estão alertando que o consumo dobrará, acarretando elevação dos problemas decorrentes desse consumo, mormente em jovens?

Por que respeitáveis empresas de mídia como The New York Times, Folha de S. Paulo e, agora, a RBS apoiam sua legalização?

A meu juízo, a resposta é simples. Todos os grandes negócios do mundo, tais como petróleo, armamentos, informática etc., alcançaram um nível estável. Não há um prognóstico que anteveja alguma chance de alavancagem expressiva de ganhos com eles.

Por outro lado, a maconha é um negócio que movimenta hoje US$ 140 bilhões/ano. Legalizando-a, como ocorreu em Portugal, seu consumo dobrará, e chegaremos a US$ 280 bilhões/ano. A indústria do tabaco fatura US$ 340 bilhões/ano e, suspeita-se, é a que tem vocação para explorar esse novo negócio. Portanto, podendo praticamente dobrar sua receita. Na carona, uma droga legalizada, mais cedo ou mais tarde, terá sua propaganda liberada, com o consequente lucro de agências e mídia. Logo...

Outro exemplo pode esclarecer meu ponto. Todos os veí- culos de mídia nos informam, a cada segunda-feira, sobre o número de mortes no trânsito ocorridas durante o final de semana. Com adequação, todos fazem a relação dessas funestas estatísticas com o consumo de bebidas alcoólicas. Por que será que nenhuma empresa de mídia é a favor da proibição da propaganda de bebidas alcoólicas? Elas sabem que, quando se proibiram as do cigarro, o consumo baixou. Por que, então, não são a favor de igual medida com o álcool?

Infelizmente o lucro é colocado acima da saúde pública, e maconha, prognostica-se, será o grande negócio do século 21. Uma droga legalizada, mais cedo ou mais tarde, terá sua propaganda liberada

domingo, 8 de março de 2015

PROIBIÇÃO GERAL OU LEGALIZAÇÃO GERAL NÃO SÃO VIÁVEIS



ZERO HORA 08 de março de 2015 | N° 18095


ENTREVISTA

ILONA SZABÓ DE CARVALHO - Coordenadora-executiva do Secretariado da Comissão Global de Políticas sobre Drogas



Descobrir uma política de entorpecentes que funcione, desativando o estopim da violência e reduzindo os danos aos usuários, é a missão de Ilona Szabó de Carvalho, que monitora as diferentes experiências mundiais como coordenadora-executiva do Secretariado da Comissão Global de Políticas sobre Drogas. Também diretora do Instituto Igarapé, no Rio, Ilona produziu o curta-metragem Faces of Violence – Non-fiction Story, exibido na Assembleia Geral da ONU, e foi corroteirista do documentário Quebrando o Tabu (2011), que discute o combate às drogas.

Na história recente, nunca se debateu tanto sobre a maconha. Afinal, é um poderoso medicamento ou uma erva maldita?

Antes de mais nada, a cânabis é uma planta de uso milenar, que somente nas últimas cinco décadas foi colocada na lista de substâncias proibidas da Convenção Única da ONU sobre Entorpecentes, de 1961. Chamá-la de maldita diz muito sobre a estigmatização de quem usa a maconha, antigamente ligada ao imaginário popular das populações negras de escravos libertos, no caso do Brasil. Criou-se ainda, com a proibição, um tabu com relação às drogas ilícitas, e acabamos não explorando o potencial terapêutico que a cânabis tem. Podemos, sim, derivar medicamentos dos canabinoides, e isso tem sido feito.

E sobre os aspectos negativos?


Como qualquer outra droga, mesmo as lícitas, há riscos, existe o uso eventual e o abuso. Precisamos informar as pessoas sobre as consequências negativas, prevenir o uso de drogas por adolescentes e jovens, apoiar e tratar aqueles que desenvolvem um relacionamento problemático com esta ou qualquer outra substância. Dependência é caso de saúde, não de polícia.

Há países que estão liberando o uso da maconha. Outros o proíbem e reprimem. Quem está certo?


Os dois tipos de abordagem, no fundo, têm objetivos comuns. Os dois lados têm preocupações com a saúde da população, não querem que crianças e adolescentes tenham acesso a drogas, lícitas e ilícitas, querem reduzir o poder do crime organizado. Os países que criminalizam adotam a repressão da oferta e creem ser legítimo empregar a força para manter a proibição. Mas já sabemos que esta “guerra às drogas” falhou: o consumo não baixou, os preços caíram e as consequências negativas da repressão generalizada para a sociedade são maiores do que as consequências do abuso das drogas em si. Já os países que regulam a maconha aceitam que a proibição completa é impossível, que precisamos aprender a conviver melhor com as drogas, reduzindo os danos para os indivíduos e a sociedade. Adotam uma postura que busca diminuir a demanda, por meio de medidas educativas qualificadas, conhecimento científico e diálogo, sem tornar as drogas um tabu. Tratam aqueles que desenvolvem quadros de abuso de substâncias não como criminosos, mas como pessoas que precisam de atendimento médico. Ao praticar a redução de danos, os que regulam a maconha estão experimentando modelos mais humanos e eficientes para resolver a questão.

Pode haver meio termo entre liberalização e repressão?

Sim, claro que há um meio termo. Existe uma falsa dicotomia entre proibição e legalização geral. Nenhuma das duas é viável no mundo real. Como caminho do meio, além da possibilidade de tirar o uso de drogas da esfera criminal, há a opção da regulação responsável do mercado de maconha, modelo adotado pelo Uruguai e por alguns Estados dos EUA. A cânabis não é liberada para qualquer um nem nos lugares onde foi regulada. Apesar de seu cultivo, consumo e venda serem legais, esses modelos têm regras e restrições, e cobram impostos geralmente para investir em saúde e educação. Dessa forma, retira-se o mercado das mãos do crime organizado e ainda se pode exigir de produtores o controle quanto à qualidade da substância fornecida.

Qual seria o caminho do Brasil?


O Brasil tem condição de caminhar em direção a experiências que prezem pela redução de danos e pela não criminalização do usuário. Inclusive já se tem feito em pequena escala, como no programa De Braços Abertos, da prefeitura de São Paulo, entre outros. Também podemos começar a pensar como seria uma regulação responsável da cânabis no país, quais reformas seriam necessárias, com a consciência de que isso não precisa ser feito de um dia para outro. Mas, frente a todas as desastrosas consequências da guerra às drogas para nosso país, uma nova abordagem é urgente e necessária.

Especialistas acham que a maconha, se o uso for liberado, poderia aumentar a criminalidade no Brasil. Ela aciona o gatilho da violência?

A afirmação não procede, vide a experiência do Estado americano do Colorado, que viu índices de criminalidade baixarem nesse último ano, desde que regulou a produção e a venda da cânabis. O gatilho da violência é a política de combate, e não a droga em si.

Por que a maconha desperta posições tão antagônicas?

Por causa do tabu em torno das drogas ilícitas. Há um receio de que a regulação do mercado seja compreendida como uma mensagem pró-drogas. Não somos a favor disso. Ser pró-reforma da política de drogas atual, que é falida, não quer dizer que você é pró-drogas. Isso tem que ser dissociado, é um tabu a ser vencido. Drogas lícitas e ilícitas podem fazer mal, e precisamos educar e informar a sociedade sobre seus riscos, mas sem viver na utopia de que teremos um mundo sem drogas, pois isso nunca existiu. Precisamos buscar políticas que nos aproximem das pessoas que necessitam de ajuda, e que os riscos e danos do uso abusivo sejam minimizados. O que não podemos mais aceitar é que a sociedade como um todo pague um preço tão alto pela insistência em seguir uma política de combate que nos traz o triste recorde de ser o país com o maior número de homicídios e de ter a terceira maior população carcerária do mundo.

GRUPO RBS SE DECLARA A FAVOR DA LEGALIZAÇÃO DA MACONHA



ZERO HORA 08 de março de 2015 | N° 18095


CARTA DA EDITORA | Marta Gleich

Nossa opinião sobre a legalização da maconha



Na edição de hoje, o Grupo RBS declara em editorial que é a favor da legalização da maconha. É o primeiro de uma série de editoriais sobre temas polêmicos que exigem cobertura e posicionamento. Resultado de intensos debates no Comitê Editorial, a revisão de posições da empresa faz parte de uma crença: o público espera que um grupo de comunicação tenha posições claras e as manifeste, inclusive sobre temas árduos e controversos. O Grupo RBS acredita que a transparência é o elemento fundamental da relação com os seus públicos.

O fato de a empresa declarar-se a favor da legalização não colide com a independência da reportagem. Os editoriais, devidamente identificados e publicados nas páginas de Opinião (hoje na página 33), expressam a posição e o pensamento da RBS. Nas reportagens, nas colunas e nos artigos, o princípio é a pluralidade. Todas as vozes e todas as opiniões, contra, a favor, muito antes pelo contrário, podem e devem se expressar. E, com todas essas informações, o leitor chegará a suas próprias opiniões.

Mas por que agora, e por que a maconha? Porque há uma realidade que está aí, e entendemos que não podemos nos omitir. Devemos sair da retórica e partir para medidas objetivas. A proibição da maconha só alimenta o tráfico e os homicídios. A falta de segurança que vivemos tem, em grande parte, traficantes do tóxico como protagonistas. Não estamos, com isso, fazendo a apologia do consumo da maconha, pelo contrário: a droga faz mal à saúde e ponto final. Não é disso que se trata. Acreditamos que, ao legalizar a produção e a distribuição, com rígido controle, o tráfico perderá poder e a segurança se ampliará.

O tema da violência e do crime voltará a ser pauta nesta série de editoriais sobre assuntos polêmicos. A maioridade penal e a privatização dos presídios estão previstas para os próximos dois meses. A posição da empresa virá sempre acompanhada de uma ampla reportagem, para que o leitor receba uma profunda análise de todas as questões ligadas ao assunto.

Dentro do princípio da pluralidade, que é um dos pilares da nossa linha editorial, estamos externando a opinião da empresa, mas fazemos questão de ampliar o debate, como mostra a reportagem especial das páginas 25 a 32. Queremos que você também participe e manifeste a sua opinião. Contribua, escrevendo no fórum sobre a legalização da maconha no conteúdo especial em zerohora.com ou no Blog do Editor (zerohora.com/editor).


 

EDITORIAL


MUDANÇA DE VISÃO



Quando o parlamento uruguaio aprovou projeto que estatiza a produção e o consumo de maconha no país vizinho, em agosto de 2013, Zero Hora posicionou-se contra a adoção de medida semelhante no Brasil. O editorial intitulado A Maconha Legalizada reconhecia as boas intenções do movimento internacional que defende a legalização da droga como alternativa para o combate ao narcotráfico, mas advertia que a liberdade propugnada poderia se transformar em incentivo para o consumo.

A justificativa: “Nosso país já sofre demais por conta do consumo de drogas. Se temos que ser implacáveis em relação ao crack, que vicia nas primeiras experimentações e condena seus usuários à degradação humana e suas famílias a uma dependência paralela, não há por que facilitar a produção e o consumo de maconha. Muito mais apropriado é direcionar esforços para intensificar a prevenção, para impedir que jovens imaturos caiam na armadilha da experimentação”.

Mudamos. Continuamos críticos do consumo de drogas, por ser um problema de saúde pública e pelos danos sociais referidos acima, mas reconhecemos que a atual política de criminalização está produzindo péssimos resultados e beneficia o tráfico.

Por isso, estamos revisando nossa posição – e o fazemos com total transparência diante de nossos públicos.


LEGALIZAÇÃO DA MACONHA



ZERO HORA 08 de março de 2015 | N° 18095


NILSON MARIANO

ERVA POLÊMICA. O QUE É IMPORTANTE SABER PARA SE POSICIONAR SOBRE A LEGALIZAÇÃO DA MACONHA


ZERO HORA ENTREVISTA juristas, policiais, psiquiatras, parlamentares, simpatizantes e inimigos da cânabis, em um debate sobre o impacto que a mudança das leis teria na criminalidade e na saúde pública


Nunca se discutiu tanto, se divergiu com tal vigor e se polemizou à exaustão sobre a maconha como nos últimos meses. Será que o Brasil está preparado para legalizar a marijuana, a exemplo do que ocorre em parte dos EUA e no Uruguai? Ou, analisando-se por outro ângulo, será que o país pode descartar a lei vigente, a qual proíbe o uso da erva?

Para ajudar a iluminar o cenário, ZH ouviu cientistas, médicos, psiquiatras, policiais, religiosos, juristas, parlamentares, ativistas, simpatizantes e inimigos da maconha. A polêmica está longe de um consenso. E não pode ser resumida a uma simples disputa entre legalizar ou proibir. Afinal, a dúvida persiste há mais de 10 mil anos, desde que os primitivos asiáticos sapecavam as folhas estriadas da cânabis em rituais: estamos diante de uma erva maldita ou de uma planta com poderes terapêuticos miraculosos?

São vários os caminhos que se oferecem, além de liberar ou vetar. Há quem prefira avaliar somente a utilidade medicinal do canabidiol, indicado a pacientes que sofrem de convulsões e epilepsias causadas por doenças graves. O interesse deslanchou em janeiro, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a importação do remédio, mediante autorização e prescrição médica. Quanto às demais propriedades do vegetal, continuariam banidas.

Diferentes possibilidades estão sob exame. Uma delas é manter a proibição da maconha, mas abrandando as penalidades. Isso ocorreria por uma mudança na lei, a qual descriminalizaria o chamado uso recreativo, sob a justificativa de que reduziria os danos à saúde e a violência decorrente do narcotráfico. Ninguém seria castigado por fumar um baseado.

A proposta com maior potencial de atrito é a da legalização. Uma parcela deseja seguir o modelo do Uruguai e de Estados norte-americanos, onde o plantio, a produção e o comércio estão sob o controle de governos. O argumento é de que a administração da maconha pelo Estado neutralizaria o tráfico. Eventuais abusos entre os dependentes seriam tratados como casos de saúde, não mais de polícia.

Resoluto é o bloco dos que abominam a erva. Exige que permaneça proibida, inclusive com leis mais severas, por ser um entorpecente que afeta o cérebro, causa transtornos psicológicos e produz legiões de zumbis. São categóricos em afirmar que o Brasil não pode copiar sistemas liberalizantes do estrangeiro, pois já não consegue cuidar nem das drogas legais, como álcool e tabaco.

CONGRESSO TEM DOIS PROJETOS

Para qualquer caminho que se aponte, sobram elogios e críticas, em idênticas proporções. Mesmo profissionais de áreas semelhantes discordam entre si. O Congresso Nacional tenta organizar as opiniões que brotam. O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), como relator de uma sugestão popular pela regulamentação recreativa, medicinal e industrial da maconha, promoveu audiências públicas, ao longo de 2014, consultando todos os lados. Comenta que foram debates “duros”, mas ilustrativos.

Cristovam tenciona recomendar a regulação dos fármacos derivados da cânabis, para distribuição com fins terapêuticos. Sobre os usos pessoal e industrial (fabricação de tecidos e cordames), a tendência é de que pense melhor antes de se pronunciar.

Na Câmara Federal, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) apresentou projeto mais ousado, sugerindo a legalização plena. Iniciativas parecidas foram abortadas no parlamento, mas Wyllys diz que é necessário impor a discussão. Entende que o país está perdendo a chance de aproveitar o que a planta oferece de bom para medicamentos, têxteis e terapias.

O assunto está posto, e todos os debatedores têm suas razões, como ZH mostra nas páginas a seguir.

O que os médicos pensam sobre a legalização?

Antes de debater qual o melhor caminho para a maconha, a psiquiatra Ana Cecilia Marques gostaria que fossem avaliados os efeitos das chamadas drogas legais na saúde dos brasileiros. Alerta que o álcool e o fumo já causam estragos além do tolerável para se pensar na regularização de mais um entorpecente.

– Será que é o momento de se legalizar mais uma droga? Não seria melhor controlar e aprender com as drogas lícitas? – questiona a presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead).

Ana Cecilia compara a maconha a um leão solto, do qual não se tem noção do tamanho, da ferocidade e das reações. Afirma que é “ingenuidade” olhar a marijuana sob o prisma dos anos 1960, quando estava associada à contracultura e aos protestos contra governos autoritários na América do Sul. Não se trata de um psicotrópico inofensivo, assegura ela:

– A neurociência atesta que não é uma droga leve. Estamos falando de um psicotrópico que muda não só o indivíduo, também o entorno e o meio.

Posição semelhante é a de Analice Gigliotti, da comissão de dependência química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Ela teme que a liberação aumente o consumo, num país sem estrutura para tratar os dependentes nem deter os prejuízos no aprendizado escolar e no trabalho. Diz Analice:

– Nossa preocupação é mais ampla, pois não fizemos o dever de casa. Não temos fiscalização sobre a venda de tabaco e derivados etílicos. Não teremos como assistir quem irá consumir a maconha.

Outra entidade que congrega psiquiatras, a Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad) também não acha recomendável liberar o uso. Seu presidente, Jorge Jaber, adverte que haveria uma corrida de jovens pela erva – não somente os mais esclarecidos, mas sobretudo os pobres e sem perspectivas.

– Contra a maconha, pesa a determinação maldita de que é um veneno – recorda Jaber, que atua há mais de 20 anos no atendimento gratuito a dependentes e suas famílias, no Rio.

Também diretor da Associação Americana de Psiquiatras Administradores (AAPA), Jaber ressalva que poderia ser feita apenas uma concessão, destinada ao emprego medicinal da maconha. Refere- se ao canabidiol, já utilizado para tratar pacientes que sofrem de convulsões resultantes de doenças graves. No entanto, seria em caráter experimental, por dois ou três anos, até aparecerem pesquisas científicas que comprovem a eficiência.

Entre as vozes discordantes no meio médico brasileiro está a de Drauzio Varella, talvez o profissional de saúde mais conhecido do país. Em textos sobre o assunto, ele reconhece que a maconha traz malefícios consideráveis e causa dependência, mas propõe a legalização em razão do fracasso da política de guerra às drogas: “Manter a ilusão de que a questão da maconha será resolvida pela repressão policial é fechar os olhos à realidade, é adotar a estratégia dos avestruzes. É insensato insistirmos ad eternum num erro que traz consequências tão devastadoras, só por medo de cometer outros”, escreveu Drauzio.

Como funciona nos EUA?

Os Estados norte-americanos do Colorado, Washington, Alasca e Oregon, mais a capital Washington, legalizaram o uso da maconha para os moradores. Além disso, em 23 Estados é aceito o uso medicinal da marijuana, especialmente o canabidiol. A postura liberal contrasta com a trajetória dos EUA, sempre no front da guerra contra as drogas ilícitas, inclusive em outros continentes. Ainda é cedo para conclusões definitivas, mas as primeiras pesquisas indicam que a medida reduziu a criminalidade, os acidentes e os casos de intoxicação por overdose.

Apesar desses resultados, a legalização é alvo de críticas. Na semana passada, relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, uma agência da ONU, manifestou preocupação com o processo em andamento nos EUA, afirmando que fere o direito internacional. A agência vem pressionando para que, em nível federal, as drogas continuem ilegais em território norte-americano. E, na quinta-feira, Washington, a capital, restringiu o consumo: não se pode fumar a erva em espaços públicos, incluindo bares e hotéis.

Organização que tenta proteger os jovens em situação de risco, o Center on Juvenile and Criminal Justice (CJCJ), com sede na Califórnia, analisou os desastres de trânsito envolvendo motoristas entorpecidos por maconha, durante 2013. Houve queda de 28% no Colorado e de 24% em Washington, Estados que adotaram a legalização em 2012. Enquanto isso, a média dos EUA registrou crescimento de 14%, segundo o estudo do CJCJ, publicado em 27 de janeiro.

Os índices de evasão escolar, suicídio, crimes e prisões também estão diminuindo nas regiões que legalizaram a maconha, mas especialistas advertem que é preciso se acautelar e interpretar outros dados. A presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, psiquiatra Ana Cecilia Marques, observa que a redução do encarceramento é óbvia, justamente por não ser mais um delito fumar a erva.

Ana Cecilia chama a atenção para uma das consequências da legalização que é pouco divulgada. No Colorado, diminuiu a idade dos que experimentam a maconha pela primeira vez. O acesso fácil aguçou a curiosidade, o que pode expandir o número de usuários.

– Houve redução no crime porque não há prisões. Mas e o aumento dos transtornos mentais, dos que buscam as emergências por quadros de psicose, intoxicação, depressão e alucinose canábica? – questiona a psiquiatra.

FATURAMENTO CRESCEU COM A LEGALIZAÇÃO

Comerciantes autorizados a vender maconha estão lucrando com a legalização. No Colorado, as cerca de 300 lojas credenciadas faturaram US$ 207 milhões (R$ 621 milhões), em 2013. Pagaram US$ 52,5 milhões em impostos, taxas e licenças ao governo. Conforme o fundo de investimentos ArcView Group, a indústria da marijuana poderá arrecadar US$ 10 bilhões em 2018 nos EUA – cinco vezes mais que agora.

Nos cafés de compra do Colorado, cada consumidor pode adquirir até 28 gramas da erva, ao preço médio de US$ 300 – quase R$ 1 mil. Também pode comprar produtos derivados, como balas, pirulitos, pipoca e caramelos.

Qual é a visão do meio jurídico?

Uma parcela significativa de magistrados acredita que chegou a hora de o Brasil descriminalizar a maconha, a droga ilícita mais consumida no país. O grupo propõe equipará-la ao álcool e ao tabaco. Juiz de Direito em São Paulo, conselheiro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e suplente da diretoria do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Roberto Luiz Corcioli Filho questiona: por que proibir a erva, estigmatizando o usuário, se a cerveja e a cachaça estão liberadas?

– (O melhor modelo) é descriminalizar e regulamentar o consumo – diz Corcioli, para quem o país “já estaria preparado” para legalizar a cânabis desde a Constituição de 1988, que prevê respeito à vida privada.

Portas estão abertas para essa discussão na mais alta corte. Há pouco mais de um ano, em julgamento de recurso de dois condenados por tráfico, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso defendeu um debate público sobre a descriminalização.

– O foco do meu argumento não é o usuário. A preocupação é dupla. Primeiro, é reduzir o poder que a criminalização dá ao tráfico. A criminalização fomenta o submundo do poder político e econômico dos barões do tráfico, que oprimem comunidades porque oferecem remunerações maiores que o Estado e o setor privado. Meu segundo questionamento é sobre a conveniência de uma política pública que manda para a prisão jovens de bons antecedentes, que saem de lá graduados na criminalidade – disse Barroso.

O gaúcho Luiz Matias Flach, há cinco décadas lidando com as consequências das drogas, seja como delegado de Polícia Civil ou como juiz de Direito que foi, ex-presidente do Conselho Federal de Entorpecentes, é cauteloso. Não se “atreveria” a propor a legalização, mas entende que o Brasil deve observar a experiência de outros países, além de estimular o debate interno.

Presidente do Instituto Crack Nem Pensar, Flach lembra que, para a Organização das Nações Unidas (ONU), a maconha segue proibida:

– Não vão conseguir mantê-la proscrita para sempre, mas querem segurar isso o quanto for possível.

Também se manifestando em nome da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Flach acha que o consumo individual não deveria ser punido. Mas alerta:

– Quando o assunto é drogas, um passo demasiado longo pode significar um retrocesso.

segunda-feira, 2 de março de 2015

COMPETIÇÃO ESTIMULANDO INGESTÃO EXCESSIVA DE ALCOOL

G1 FANTASTICO Edição do dia 01/03/2015


Universitário morre após ingestão excessiva de álcool em festa em SP. A festa com bebida liberada começou na tarde deste sábado e reuniu mais de dois mil estudantes universitários em uma chácara em Bauru.





Um estudante, de 23 anos, morreu após a ingestão excessiva de álcool em uma festa universitária, em Bauru, interior de São Paulo. A festa com bebida liberada começou na tarde deste sábado e reuniu mais de dois mil estudantes universitários em uma chácara.

Humberto Moura Fonseca passou mal, depois de participar de uma das várias competições que incentivavam a ingestão de álcool. Segundo a polícia, os estudantes chegaram a beber, cada um, mais de 30 doses de vodca.

“Colocava-se um copo desses plásticos de café de 50 ml pra cada participante, a pessoa ingeria. Esse copo era reabastecido, no decorrer de um minuto da primeira ingestão, ingeriam novamente”, explica o delegado Mário Ramos.

Humberto, cursava engenharia elétrica na Unesp, Universidade Estadual Paulista. Ele foi levado ao hospital numa ambulância contratada pelo evento. “Não tinha qualquer aparato de emergência, consistia simplesmente numa maca para levar e trazer as pessoas, não foi acionado em nenhum momento o Samu, resgate pra auxílio dessas pessoas que passaram mal, elas simplesmente foram levadas até essa ambulância onde foi dado chá de boldo. Isso tudo evoluiu as pessoas para coma alcoolico”, relata o delegado.

Além de Humberto, outros seis estudantes também passaram mal. Três estão internados em estado grave.

Dois organizadores da festa foram presos. Eles são estudantes do quarto ano de engenharia e podem ser indiciados por homicídio com dolo eventual, quando se assume o risco de matar.

Em depoimento, os dois organizadores negaram que tivessem promovido competições de bebida na festa. Mas os policiais tiveram acesso a um panfleto do evento, em que aparece o nome de duas competições que incentivavam o consumo de álcool.

No domingo à noite, os dois organizadores da festa conseguiram um alvará de soltura e vão responder em liberdade.