COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

ROTINA DE TRAFICO E CONSUMO DE DROGAS ENTRE ALUNOS


Colégio público tem rotina de tráfico e consumo de drogas entre alunos. Reportagem flagrou, em sete dias, alunos do Colégio Estadual Júlio de Castilhos comprando e fumando maconha em horário de aula no pátio

Por: Jeniffer Gularte
ZERO HORA 21/08/2017



Jovem vende maconha para outro estudante no pátio de tradicional escola da Capital Foto: Mário Jr./RBS TV / Agencia RBS

Um homem com capuz se aproxima de um adolescente e entrega a ele uma porção de maconha. O garoto, de boné e mochila nas costas, permanece com a mão estendida, enquanto recebe outras três frações da droga logo depois. Os dois estão cercados por um grupo de 10 adolescentes, que conversa sob a sombra das árvores. O pagamento é feito com duas notas de dinheiro, imediatamente conferidas pelo traficante. Já esmigalhando a erva, o estudante se afasta para unir-se a um segundo grupo, que o espera. Juntos, preparam o cigarro, que é aceso ali mesmo.

O flagrante de venda e consumo de drogas, comum em parques, praças e ruas de Porto Alegre, ocorreu na manhã de 17 de julho, uma segunda-feira, em horário de aula, no pátio do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, mais tradicional escola pública do Rio Grande do Sul. O uso de droga se dava ao lado do refeitório da instituição que formou líderes e intelectuais como Leonel Brizola, Paixão Côrtes e Moacyr Scliar.

Por não serem perturbados, no interior da escola do bairro Santana, a 400 metros do Palácio da Polícia, alunos parecem estar à vontade para a compra e o consumo de entorpecentes no momento em que deveriam estar na sala de aula.


Os registros da reportagem aconteceram em sete ocasiões, nos dias 13, 14, 17, 18 e 19 de julho e 17 e 18 de agosto, entre 7h30min e 11h30min. Estudantes fumavam maconha e traficantes comercializavam entorpecentes nos fundos da instituição que até o final dos anos 1980 era chamada de ¿escola-padrão¿.


O consumo de drogas entre os estudantes se inicia nas primeiras horas da manhã e não se restringe a um momento do dia. Antes das 8h, adolescentes começam a se reunir no pátio dos fundos da escola. Ficam todo o período de aula conversando, trocando mensagens por celular e consumindo drogas. A rotina não condiz com o que prega uma das regras que consta no site da instituição: ¿O aluno deve permanecer na sala de aula, mesmo na troca de períodos.¿


Às 9h, cachimbo de garrafa pet


O comportamento dos estudantes mostra que não há temor de represália. A maioria não se esconde para o consumo. Na manhã de 19 de julho, ao lado da casa de força, quando os termômetros marcavam 5°C na Capital, três gurias e um guri preparavam um cachimbo feito de garrafa pet. Eram 9h.

Todos ajudavam: um esmigalhava a erva, outro fazia o cigarro artesanal, um terceiro preparava a garrafa e o quarto fumava após acender o fogo. Em cinco minutos, a droga estava pronta para consumo. Outros dois estudantes foram atraídos pela movimentação. Mais de uma vez, o cigarro apagou e eles voltaram a acender. Enquanto fumavam, se abraçavam e faziam selfies sem ser incomodados por nenhum professor ou responsável.

Se a droga não ultrapassa os portões da escola, os alunos a recebem pelos muros. Um pula, e na calçada, outro alcança. Isso acontece tanto pela Avenida Piratini, em frente à instituição, quanto na Avenida Laurindo, em uma das vias laterais. Mas não é preciso esforço para ter acesso às dependências do Julinho.

No último dia de aula antes das férias de julho, a reportagem entrou na escola durante o intervalo, circulou pelas dependências e pelo pátio sem ser abordada. No pátio dos fundos, vários grupos fumavam maconha. Próximos a um dos muros, embaixo de uma árvore, jovens dançavam com música alta ao lado de uma garrafa de vodca vazia. Eram 10h30min.


"A memória imediata do aluno vai para o espaço", diz especialista


O consumo de qualquer droga – incluindo o álcool – compromete a aprendizagem do adolescente e está colocando o desenvolvimento de uma geração em xeque. É o que defende a psiquiatra e coordenadora da equipe de dependência química da Fundação Mario Martins, Isabel Suano.

Segundo ela, as áreas do cérebro de fixação e memória estão em amadurecimento até os 19 anos. Com o uso de entorpecentes, o jovem aprende muito menos do que do que poderia:

– Até esta idade, o cérebro ainda não está pronto e o uso de qualquer substância desse tipo interfere no aprendizado. Para poder aprender, tem que fixar e memorizar. Se ele vai para aula sob uso de droga, a memória imediata dele vai para o espaço. O que ele poderia aprender em dez minutos simplesmente não vai ficar na cabeça dele. Isso sem contar que, nesta fase, o adolescente deveria aprender a lidar com os sentimentos, exercitar a frustração, mas, ao contrário disso, temos uma nova geração que está anestesiada.


Realidade ultrapassa portões do colégio


Para o médico psiquiatra e educador Celso Lopes de Souza, da Universidade Federal Paulista (Unifesp), a situação enfrentada pela escola, com consumo e venda de drogas nas suas dependências, deve ser ponto de partida para reinvenção.

– A escola tem de se refundar. É difícil, mas não é impossível. É preciso mostrar riscos, exemplos claros, com muita realidade e sem ficar dourando nem colocando a droga como o pior bicho do mundo. Têm de ser pensadas medidas para quem está usando e para quem ainda não usou – diz Souza.

O desafio, segundo Souza, é formar jovens preparados para entender que as frustrações são passageiras.

– Para o jovem, fazer o que seu colega está fazendo é muito importante. Porém, precisa saber que pode discordar das ideias sem discordar da pessoa. Quando o jovem percebe isso, é mais fácil dizer não às drogas – diz.

O professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) José Vicente Lima Robaina avalia que o cenário reflete a realidade que ultrapassa as portas da escola: a liberdade sem responsabilidade da qual os jovens desfrutam. Robaina acredita que a maioria dos alunos que não consome deve se fortalecer e agir por meio de campanhas, palestras e discussões.


"Adolescente é futuro novo usuário", diz delegado


Após assistir aos vídeos feitos pelo GDI, o diretor de investigações do Departamento Estadual do Narcotráfico (Denarc), delegado Mario Souza, disse que as imagens não deixam dúvida de que ocorre venda de drogas no pátio da escola.

Segundo o policial, o número de alunos fumando é considerável e, aparentemente, o uso se de maconha é feito de formas diferentes: cigarro, cachimbo e narguilé feito com garrafa pet.

– Temos de nos preocupar. As escolas precisam ser blindadas. Os traficantes vão lá porque veem o futuro do seu negócio.O objetivo do traficante é sempre o jovem, por uma questão econômica, considera o delegado. Por isso as escolas precisam de atenção especial.

Desde 2011, a Polícia Civil atua com a Operação Anjos da Lei no combate ao tráfico e consumo de drogas próximo e dentro de escolas. A ação atua na prevenção, com palestras de conscientização, e na repressão, coibindo comercialização. Em seis anos, foram mais de 800 presos. Em 2017, 46 escolas da Capital foram monitoradas, incluindo o Julinho.


Falta de informação



As escolas de Porto Alegre são as únicas do Estado que não têm representante nas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (Cipave), que discutem e orientam ações dentro das instituições.

Das 30 coordenadorias regionais de educação no Estado, apenas a 1ª, que representa as escolas da Capital, não participa do Cipave, que começou os trabalhos em julho de 2015 mas nunca conseguiu alinhar ações com educandários da metrópole. Das 2,5 mil escolas do RS, 2,4 mil já aderiram:

– As que faltam são as de Porto Alegre. Não temos dados, informações e nenhum tipo de mapeamento daqui porque as escolas não respondem nem os formulários que enviamos – afirma a coordenadora estadual do Cipave, Luciane Manfro.

Enviado em junho, um questionário sobre casos de tráfico, posse e uso de drogas foi respondido por apenas 38 das 250 escolas estaduais da Capital.

– Nesse universo, foram registrados 42 casos. Mas essa é uma amostra pequena para falar da realidade.

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DENUNCIE

Telefone — 0800 518 518
Site — pc.rs.gov.br
E-mail — denarc-denuncia@pc.rs.gov.br

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CONTRAPONTO

- O que diz a Secretaria Estadual da Educação - Em abril, a direção do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, esteve reunida com membros do Ministério Público para denunciar a venda de drogas nas imediações da escola. No mês seguinte, um contato foi feito com o Denarc, que ministrou palestras preventivas aos alunos — outros dois encontros do tipo vão ocorrer na escola ainda este ano. Sempre que é detectado o consumo e/ou venda de drogas no entorno da escola, é feita a comunicação às autoridades policiais.
O atual quadro de funcionários da Escola Estadual Júlio de Castilhos conta com cinco monitores, e todos têm, entre suas atribuições, a função de observar o pátio e demais dependências. A 1ª Coordenadoria Regional de Educação (1ª CRE) estuda a necessidade de aumentar a quantidade de profissionais atuando no estabelecimento.

 - O que diz a diretora do Colégio Júlio de Castilhos, Fernanda Gaieski - Diretora do Colégio Júlio de Castilhos, Fernanda Gaieski não reconhece a venda de drogas por alunos, mas admite que a escola já teve denúncias de tráfico e que o consumo de entorpecentes é, sim, uma realidade. Falta de professores e monitores para circular pelo pátio, pouco controle de quem entra e sai na escola são, segundo ela, algumas das dificuldades que a escola enfrenta.

A reportagem fez imagens de uso e venda de drogas dentro do pátio do Julinho. A escola tem conhecimento disso, já teve problemas?Não. Isso, para mim, é uma novidade. Tanto é que todas as inferências que fizemos como direção de escola, os alunos foram encaminhados — os menores para a Polícia Civil e os maiores foram feitos boletins de ocorrência e (eles) foram retirados da escola. Não vejo tráfico de drogas dentro da escola. O Denarc esteve aqui fazendo palestras e vai dar continuidade no segundo semestre. Na investigação do Denarc aqui dentro também não foi visualizada venda ou tráfico na escola. O que estava acontecendo era que alunos estavam trazendo e saíam para comprar drogas no Carandiru (condomínio próximo à instituição) e estavam usando dentro da escola. Já identificamos esses alunos e estamos tomando as providências legais que cabem à escola.

Quando isso ocorreu?Em maio, junho e julho, quando o Denarc esteve aqui. Tivemos a denúncia de que tinha alunos traficando aqui dentro, aí fizemos uma investigação como direção, identificamos os alunos e fizemos o encaminhamento. Quando recebi o delegado do Denarc, ele nos deu todas as alternativas e nos colocou a par de que os alunos pulavam o muro do colégio para comprar droga no Carandiru e voltavam pulando muro de novo, o que a gente não tem como controlar porque o Estado não nos manda monitor para o pátio. O que temos visualizado muito é o tráfico de drogas na praça em frente à escola. O tráfico aqui dentro, para mim, é uma novidade. A questão dos traficantes é muito folclore, tu vais me desculpar. Já virou folclore muito grande a imagem pública do Julinho, de que é visado por traficante. Aqui na escola, não. Isso eu garanto.

Então a senhora acredita que é folclore existir traficantes que são alunos da escola e que vendem droga dentro da escola?Não, estou dizendo que aumentam muito a história porque o Júlio de Castilhos já virou folclore. Não estou dizendo que eles não existam. Posso até ter alunos que esteja trazendo droga. Todos os casos de drogas que identificamos aqui dentro, eram alunos novos do primeiro ano que vieram de outros bairros como Restinga, Partenon e Lomba do Pinheiro.

Tendo em vista essa situação, é necessário monitoramento em tempo integral dos alunos?Estamos o tempo inteiro monitorando. A gente sabe dos grupos que têm. Mas fica difícil: ou a gente monitora alunos ou fizemos o trabalho administrativo da escola. Estamos com 2,2 mil alunos.

Os alunos ficam tempo fora da sala de aula e espalhados nos fundos da escola. É possível controlar quem está "matando" aula?Sim, controlamos e mandamos para aula. Temos esse controle, sim. Agora acabei de chegar do pátio do colégio, tu me pegou no telefone por milagre. Estamos o tempo inteiro circulando no pátio da escola. Mas é como te disse: ou eu circulo no pátio da escola ou eu faço atividade administrativa. E os alunos que identificamos em pontos que sejam locais de provável uso de droga, estamos convocando os pais.

Quantos monitores para o pátio a senhora acha que seriam necessários?Pedi um monitor de pátio. Mas eu não tenho. Nosso problema é as pessoas que pulam o muro. Antes de sairmos de férias nós identificávamos que, todos os dias, pessoas de fora pulavam para dentro da escola. Até que ponto é um aluno do Júlio de Castilho que está trazendo droga? Aqui dentro tem muitos alunos (das escolas) do Inácio Montanha, Idelfolso Gomes, Luciana de Abreu, Protásio Alves e Emílio Massot.

O acesso a escola é realmente fácil. Um dia consegui entrar na escola, pela porta da frente e ninguém perguntou quem eu era.Quem abriu a porta para ti?

A porta estava aberta.A porta não deveria estar aberta, começa por aí. Mas é bom saber. Quando entra alguém, o porteiro deve identificar essa pessoa e direcioná-la para onde ela quer ir. Existe essa falha também. Sabe como é: alguns servidores públicos em determinados momentos. Ele (porteiro) deveria ter lhe parado, aberto a porta e perguntar onde a senhora iria. E não ter deixado entrar. Não autorizamos nem que os pais subam e vão na sala de aula dos filhos.

Esse episódio dá a entender que se eu entrei, qualquer outra pessoa entra também.Com certeza.

Os alunos ficam sem um ou dois períodos de aula, não há monitores no pátio, como vocês controlam eles?A gente controla como pode controlar, também não posso fazer milagre. Não posso transformar água em vinho. Não sou Cristo.

Como os alunos reagem quando são flagrados?É muito difícil. Não posso revistar o aluno, não posso tocar nele, não posso fazer nada, senão serei processada. Nem olhar a mochila. A gente vai muito do bom senso do aluno. Os casos que peguei eu vi que eles estavam usando droga porque cheguei na hora do uso da droga e pedi que me acompanhassem até minha sala. Se não menores de idade, comunico os pais.

Vi uma garrafa de vodca sendo consumida por alunos.O que identificamos, pegamos, recolhemos. Quando vejo os alunos com copos de café, peço pra ver e cheirar o que tem dentro. Mas eles podem não me deixar cheirar. O mesmo com garrafa de chimarrão

segunda-feira, 10 de julho de 2017

CRACOLANDIA, MORTES, CONSUMO E VENDA DE DROGAS


DO R7 - 10/7/2017 às 00h10

Ex-traficante fala sobre consumo e venda de drogas na Cracolândia: "Vi umas 80 pessoas morrerem ali". De vendedor a consumidor de crack, homem avisa: "Não tenho orgulho. Isso acabou comigo"

Peu Araújo, do R7


Alameda Dino Bueno com rua Helvétia, local em que funcionava o fluxo da Cracolândia em agosto de 2016Avener Prado/Folhapress

A reportagem do R7 entrevistou, com exclusividade, um ex-traficante e usuário da região da Cracolândia. O homem de 35 anos, que, por segurança, não será identificado, conta como começou sua trajetória no crime, fala sobre o primeiro trago no crack e explica como o tráfico funciona na região da Luz. Conta ainda sobre as execuções dentro do “fluxo”, policiais corruptos, fontes de abastecimento de pedras.

Vindo do interior de São Paulo, ele conta que chegou à capital há pouco mais de 10 anos com o objetivo de se estabelecer no tráfico de drogas. Ganhou a confiança do PCC (Primeiro Comando da Capital), a quem se refere sempre como "os irmão", e revela que mesmo usando crack mantinha o “emprego”. Ele conta ainda que praticava furtos e até contratou “funcionários” para ampliar os negócios. Segundo ele, sua freguesia incluía até pessoas famosas.

Longe das drogas há pouco mais de quatro meses, o homem tem uma luta diária de se manter distante do consumo e do crime. Para isso ele segue um mantra do que não deve mais fazer. “Voltar para Cracolândia e usar droga de novo.”

Leia o depoimento:

"A chegada ao fluxo

Eu resolvi tentar fazer minha vida aqui em São Paulo. Quando eu cheguei à Cracolândia era na rua do Triunfo com a rua dos Gusmões. Comecei a ficar, pegar amizade com um aqui outro ali. Como eu não tinha onde ficar acabei morando dentro do fluxo.

Eu tive oportunidade com o pessoal que vendia com os ‘irmão’, até com os próprios usuários. O pessoal via que eu era um cara de boa, não pisava na bola, era um cara correria, não tinha medo, debatia com a polícia. Montei minha barraca, tive contato com pessoas fortes e me deram o primeiro pacote pra vender. Graças a Deus eu nunca dei milho com eles. Eu sempre fui um cara honesto com os ‘irmão’.

A negociação

Eles me davam 100 pedras, 40 eram minhas. Eu tinha que dar 600 reais pelo pacote. A pedra naquela época era do tamanho da metade de um dedo, era a Hulk ainda. Aquele crack verde que você dá um trago e fica fora de si.

Eu fazia meus 400 reais com a minha parte, comprava 300 de drogas e colocava um moleque pra trabalhar pra mim. Eu já comecei a fazer minha história. Conversei com os ‘irmão’ e foi tudo normal.

Ampliando os negócios

Eu vendi pedra até pra famoso. Tinha um que vinha aí, dava o trago dentro da Captiva e jogava tudo fora, o cachimbo, bic. Eu acabei formando uma freguesia.

Quando mudou de endereço [foi para a região da alameda Dino Bueno com a Rua Helvétia] eu já tinha mais envolvimento. Eu era mais respeitado, fiz a segurança dos caras nas barracas.

Andava armado.

Eu olhava as barracas pros ‘noias’ [usuários] não mexer. Ficava de olheiro também. ‘Ó a loira’, ‘eles vão invadir’ aí eu dava um salve antes pros caras já se prepararem ou vazarem. Eram aquelas barracas de lona preta.

Mortes na Cracolândia

Vi também muita gente morrer. Na época do buraco, onde hoje é a tenda, [cortiços com entrada na alameda Dino Bueno e na rua Helvétia derrubados para a construção do programa ‘De braços abertos’, da gestão Haddad] eu vi umas 80 pessoas morrerem ali. Era ali mesmo que eles matavam. Você fumava crack ali e sentia o cheiro de pele queimando vindo lá do fundo. Quando não era isso jogavam entulho em cima, o entulho abafa o cheiro.

Pontos de abastecimento

Eu fazia a escolta de uma menina até a favela do Moinho. Eu ia de bicicleta atrás dela até lá e voltava. Eu buscava ali. Mas lá não é o maior fornecedor, o crack vem da zona leste, zona sul, zona oeste, são vários lugares. Tem vários jeitos de chegar.

Presença policial e corrupção

Se eu fosse abordado falava que não sabia de nada, que o barato era meu e já era. Eu sabia quem era, mas falava pra polícia que não sabia de nada.

A Cracolândia tem polícia envolvida com traficante. Uma vez a polícia me parou com R$ 2.000 no bolso. Eles falaram. ‘Vou levar os R$ 2.000 e você vai embora’. Eu tava com mais R$ 3.000 no bolso, mas eles não viram. Pegaram o dinheiro rápido e me mandaram embora.


O primeiro táxi que eu vi eu peguei, já desci no fluxo e liguei os ‘irmão’. Eles já ficaram na contenção, se acontecesse alguma coisa iam sapecar na bala.

Eles sabem quem vende e quem é usuário, eles sabem tudo. Não pegam, porque querem ganhar dinheiro ou querem pegar os grandes.

Outros delitos

Eu entrava na base da sacola preta na feira do Brás, na feira da madrugada. Entrava na loja com uma nota fiscal falsa, subia a escada rolante, eu e uma mina bem arrumada, ela tirava da prateleira, colocava no chão e eu já colocava na sacola e descia.

Fazia o dia inteiro, R$ 1.500, R$ 2.000 por dia. Mais o esquema do fluxo. Eu vivia bem, ficava no hotel às vezes. Quando eu estourava mesmo ficava 15, 20 dias com hotel, mas já pago.

Eu chegava nos “irmão”, levava a mercadoria que eu fazia na loja e negociava uma parte em droga e outra em dinheiro.

De traficante a usuário

Eu não era muito de fumar no começo, eu me vestia bem, comprava minhas roupas.

Mesmo usando eu trabalhava vendendo, mas em 2008 eu comecei a fumar. Acabou com a minha vida, perdi as pessoas que eu mais gostava, fiquei com vergonha de voltar pra minha casa.

Eu experimentei, foi o meu erro. Eu cheirava e não ficava louco daquele jeito, aí um dia fumei com uma menina num hotel. Eu nunca fui de ficar direto só ali, fazia meu 'corre', ia roubar. Roubava loja, andava bem vestido.

O que é a Cracolândia

A Cracolândia nunca vai acabar, tem muito usuário. Se fosse pra acabar já tinha acabado faz tempo.

Os 'nóias' são envolvidos com os ‘irmão’. A droga fala mais alto. Os caras moram ali, vendem, você acha que o usuário não vai defender? Ninguém gosta de polícia.

Eu aprendi muita coisa na Cracolândia, muita coisa. Muita coisa boa. O pessoal da Cracolândia não é ruim, vai ser ruim se você der mancada, mas se você vacilar você é cobrado em qualquer lugar.

Presença da imprensa

Se eu pegasse um jornalista e fosse só eu e ele, não faria nada. Agora se tivesse mais alguém comigo aí é foda. Ia ter que fazer alguma coisa senão iam pensar que eu tava passando por cima. Eu mesmo não ia falar nada, mas cê tá ligado como que é.

Inclusive na praça Princesa Isabel pegaram um moleque que tava fazendo foto lá e deram um susto nele, sem piedade. Eles não gostam, tem muitos foragidos, muitos que estão pedidos.

Presente e futuro

Hoje, eu falando sobre isso, não tenho orgulho. Isso acabou comigo, acabou com minha saúde.

Por causa da droga eu perdi todos os meus amigos, os que eram sem vício perdi todos. Eles perdem a confiança, o usuário de crack precisa de tempo pra reconquistar a confiança das pessoas.

A droga não vai sair do meu sangue em poucos meses, ela vai ficar pra sempre, quem tem que ser controlado sou eu. Tenho que afastar três coisas da minha vida se eu quiser ficar bem: pessoas com quem eu convivia, lugares que eu ia e coisas que eu fazia. Eu tô conseguindo pouco a pouco, mas sei que não vai ser do dia pra noite.

Vontade de usar eu tenho, mas eu sei que se eu usar não vou conquistar o que eu perdi: o amor da minha família, amigos de verdade."