COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

MUDANÇAS NECESSÁRIAS

ZERO HORA 31 de janeiro de 2013 | N° 17329 ARTIGOS

Osmar Terra*


Em artigo na ZH de 27 de janeiro, o sociólogo Marcos Rolim critica o PL 7.663/2010, de minha autoria, que propõe mudanças na lei atual, a 11.343, sobre drogas. Dei-me conta de que, o que debato há meses com Rolim, a epidemia das drogas, mata quatro vezes mais jovens no RS, a cada ano, do que a brutal tragédia de Santa Maria e que esse debate não é acadêmico, e que pode também ter consequências trágicas para milhares de jovens, nos próximos anos. Assim, resolvi responder.

Proponho mudanças na lei atual sobre drogas porque, como secretário de Saúde, tive enorme dificuldade legal de enfrentar a questão. Uma das razões é o conteúdo contraditório e ideo-logizado da lei existente, que levou a um gigantesco agravamento do problema de 2006 para cá.

Rolim é contra a internação involuntária que defendo para dependentes. Alega que a legislação atual já contém os dispositivos sobre isso ao tratar do assunto na Lei 10.126, da reforma psiquiátrica. Se isso é verdade, então por que não conseguimos internar os usuários de drogas, de forma involuntária, a pedido das famílias e por solicitação médica? É assim porque, diferente da lei da reforma psiquiátrica, a lei sobre drogas não inclui a baixa involuntária. Nesta lei, predomina a visão ideológica, de que o dependente químico mantém o discernimento sobre a necessidade ou não de tratar-se. Só será internado compulsoriamente se representar risco social, por decisão de um juiz. Isso leva a uma enorme dificuldade em iniciar o tratamento. As famílias que vivem o problema sabem disso, e seu sofrimento, junto com o do dependente, é desnecessário e prolongado.

Na mudança proposta, fica explícita para os dependentes de droga a mesma possibilidade existente para os pacientes psiquiátricos: internação involuntária, a pedido da família e solicitada por um médico.

Além de corrigir a alegação de Rolim, não verdadeira, de que criaríamos novos empregos, também é preciso corrigir suas afirmações distorcidas sobre existir proposta sobre entidades religiosas definindo “sexualidade e uso de drogas”. O texto exato do PL diz: “Realizar a integração dos programas, ações, atividades e projetos dos órgãos e entidades públicas e privadas nas áreas de saúde, sexualidade, planejamento familiar, educação, trabalho, previdência social, habitação cultura, desporto e lazer, visando à prevenção do uso de drogas, atenção e reinserção social dos usuários ou dependentes de drogas”. O que há de errado nisto?

Outro ponto que Rolim critica é o do encaminhamento de dependentes de drogas para clínicas privadas, quando esgotadas as que atendem pelo SUS. Sugere a existência de um conluio para favorecer tais clínicas. Antes de criar suspeitas, Rolim deveria se colocar, por um só dia, no lugar do gestor público, que em meio à epidemia das drogas (negada por Rolim) tem de administrar uma demanda gigantesca para uma oferta ainda diminuta de leitos do SUS. O que fazer? Deixar os meninos acorrentados em casa? Deixá-los morrendo aos poucos nas ruas?

Neste debate, parto de uma visão baseada em evidências, enquanto Rolim defende teses filosóficas, sem base na realidade.

Na sua opinião, leitor, melhorou o problemas das drogas com a lei atual? Estão morrendo mais ou menos jovens depois da Lei 11.343? Mudanças nessa lei são ou não são necessárias?

É esse o questionamento que o parlamento vai interpretar na votação que se aproxima.

*DEPUTADO FEDERAL (PMDB-RS)

domingo, 27 de janeiro de 2013

HIGIENISMO E DESINFORMAÇÃO

ZERO HORA 27 de janeiro de 2013 | N° 17325. ARTIGOS

Marcos Rolim*


Minhas diferenças sobre política de drogas com o deputado Osmar Terra são conhecidas. Há alguns meses, travamos debate exaustivo a respeito (textos em: http://migre.me/cW8xc). Partimos de pressupostos diversos para a construção de uma política pública eficaz. Na discussão de outros temas, já estivemos do mesmo lado. Entendo que o projeto de lei do deputado Terra (PL 7.663/10- http://goo.gl/BGWWN), a par das suas intenções, não deve prosperar. Uma parte dos motivos, resumo aqui.

Inicialmente, é impressionante observar que o PL 7.663/10 esteja sendo apresentado como iniciativa para assegurar internação compulsória.

Primeiro, porque a medida já existe (art. 6º, parágrafo único, III, da Lei 10.216 da Reforma Psiquiátrica) e o PL não altera o que já é lei; segundo, porque o PL trata de outras coisas. Para descobri-lo, é preciso medida excepcional e difícil: ler o projeto. Excepcional, porque ler é uma prática rarefeita no Brasil. Difícil, porque o PL é um cipoal burocrático de normas, parte delas grosseiramente inconstitucional (por violar o princípio federativo, por exemplo), entre as quais se inseriu disposição que, se aceita, poderá redundar em mais de 56 mil funções remuneradas nos Conselhos de Política de Drogas (art. 8-E, § 1º e seus incisos e § 2º, II). Há recomendações intrigantes como “valorizar as parcerias com instituições religiosas, associações e ONGs, na abordagem das questões da sexualidade e uso das drogas” (art. 5-C, VI), afinal, o que as religiões têm de importante a dizer sobre sexualidade e drogas é algo que aguça a curiosidade moderna. No caso brasileiro, especialmente, as denúncias conhecidas sobre abusos praticados em comunidades terapêuticas de orientação religiosa não podem mais ser ignoradas. Mas interessante mesmo é o disposto no § 2º do art. 10º do PL, in verbis: “Na hipótese da inexistência de programa público de atendimento adequado (...), o Poder Judiciário poderá determinar que o tratamento seja realizado na rede privada, incluindo internação, às expensas do poder público”. Uma regra que expõe o curso natural da cruzada moralista: despejar milhares de dependentes em clínicas privadas e mandar a conta para todos nós que não comemos bolinha de cinamomo. Não estamos falando do conjunto de usuários de drogas, claro. Os que serão caçados nas ruas, como já ocorre no Rio e em São Paulo, serão os dependentes do crack. Nesses Estados, eles são “avaliados” por médicos – a maioria recrutada por Simão Bacamarte – que decidem sobre a privação da liberdade, sem acusação e sem defesa. Para “tratamento”, é o que dizem. O fato é que não há evidência a amparar política pública centrada em internação involuntária. Tal medida é, quase sempre, um fracasso recheado por fracassos mais graves, além de porta para abusos de toda ordem.

O higienismo social, pródigo em dividendos eleitorais, inventa uma “epidemia” para justificar a exceção, enquanto a epidemia verdadeira, a do álcool, responsável pela grande maioria das internações e das mortes pelo uso de drogas, não gera alarme; só lucro e hipocrisia. No mais, se assegura clientela às clínicas psiquiátricas, ao invés de se investir nos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps-AD) e em redução de danos. E tudo sob o aplauso geral e sem uma pergunta procedente. Não é perfeito?



*JORNALISTA

sábado, 26 de janeiro de 2013

EXECUTIVO E JUDICIÁRIO UNIDOS CONTRA O CRACK

REVISTA ISTO É N° Edição: 225426.Jan.13 - 19:59

São Paulo começa a enfrentar o crack

O estado se alia ao judiciário para apressar o julgamento de casos que precisam de internação compulsória, um passo concreto para ajudar os viciados




Centro de referência em ação: familiares à procura de tratamento para seus parentes

Fabiana Ramos, 35 anos, segurava firme o envelope desgastado pelo uso. Nele levava a documentação acumulada ao longo dos anos na tentativa de internar o filho, de 22 anos, dependente de drogas. “Ele diz que não usa crack, mas a gente sabe que sim.” Ela esperava, apreensiva, por uma decisão do juiz Iasin Ahmed, que faz parte da equipe de profissionais do Poder Judiciário instalada desde a segunda-feira 21 no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod), da Secretaria de Saúde de São Paulo, para agilizar internações, solicitar leitos e autorizar o deslocamento de equipes médicas e ambulâncias. Poucas horas depois, ela seria a primeira pessoa a conseguir a internação compulsória do filho, segundo o governo do Estado e a Secretaria de Saúde – uma informação contestada pelo Tribunal de Justiça (TJ). No mesmo dia, uma ambulância foi à sua casa, na zona leste da capital, mas não teve sucesso. “Meu filho ficou muito violento, começou a ameaçar a namorada com uma faca. Chamei a polícia, mas ela não veio”, afirma Fabiana. “Para não acontecer o pior, assinei um papel desistindo da internação.”

A esperança de Fabiana de internar o filho dependente de maneira compulsória, comum entre as pessoas que lotaram as instalações do Cratod ao longo da semana passada, foi alentada pela decisão do governo do Estado de facilitar essa modalidade de internação, prevista na Reforma Psiquiátrica de 2001 e que acontece apenas por ordem da Justiça, sem o consentimento do paciente. A partir do trabalho conjunto entre o governo paulista, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público e o TJ, os casos são avaliados e julgados depois da análise de um médico. “Queríamos criar um espaço onde profissionais da Justiça e da Saúde pudessem trabalhar com o mesmo público, de modo a organizar o atendimento e atuar dentro da legalidade”, diz Rosângela Elias, coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas da Secretaria da Saúde.


"QUERÍAMOS UM ESPAÇO ONDE PROFISSIONAIS DA JUSTIÇA E
DA SAÚDE PUDESSEM TRABALHAR COM O MESMO PÚBLICO"
Rosângela Elias, da Secretaria da Saúde

Como mostra a história de Fabiana, no entanto, concretizar o ambicioso objetivo de tratar e reinserir os dependentes químicos na sociedade não é tarefa fácil. E, justamente por colocar representantes de tantos órgãos e pastas em um mesmo lugar, o atendimento ainda parece complicado para quem recorre ao Cratod. Quando o familiar está sozinho, alguém avalia a necessidade de repassar o caso à promotoria. Se quem vai ao centro é o dependente, ele é atendido por um médico e, se necessário, permanece em um dos dez leitos do centro. O caso é então repassado à promotoria e à defensoria, que o apresentam ao juiz. Havendo decisão pela internação, uma ambulância da Secretaria da Saúde leva o paciente ao hospital ou à residência terapêutica em que haja uma vaga. Hoje o Estado conta com 691 leitos para dependentes químicos – o governo anunciou que, diante da grande procura, esse número deve saltar para 757 nas próximas semanas.

Apesar da grande procura, a equipe que atua no programa ressalta que a internação compulsória será exceção. “A iniciativa não é para internar ou não. É para garantir direitos”, diz o juiz Samuel Karasin. Outra preocupação das instituições envolvidas é não repetir as cenas de violência que marcaram a intervenção da polícia militar na chamada “cracolândia”, há exatamente um ano. “O Estado nos garantiu que os policiais não se envolveriam nas abordagens”, diz Cid Vieira, presidente da Comissão de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas da OAB, referindo-se às rondas feitas pelos 50 agentes da Missão Belém, que desde dezembro trabalham em parceria com o governo estadual. A metodologia também difere bastante da que vem sendo aplicada no Rio de Janeiro desde maio de 2011 e que já resultou na internação compulsória de 256 crianças e adolescentes. A prefeitura carioca chegou a anunciar um programa para a internação de adultos há três meses, mas ele ainda não foi implantado.



A prioridade em São Paulo, portanto, continua sendo a internação voluntária e involuntária – que diverge da compulsória, por partir do pedido de um familiar com respaldo de um médico. Nesses casos se enquadra Everson Neves, de 33 anos, que pediu ao pai Valter Neves, de 62 anos, para levá-lo ao Cratod. “A gente viu na tevê que essas portas estavam se abrindo e resolveu vir.” Para o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, os casos de internação voluntária devem sempre prevalecer e o aparato montado pelo Judiciário subverte essa lógica. “A internação compulsória deve ser usada depois de esgotadas todas as possibilidades, como os atendimentos ambulatoriais”, afirma. Respondendo às críticas, Cid Vieira afirma que a internação compulsória não deve ser o único caminho, mas justifica a posição do Judiciário com uma anedota: “Se um salva-vidas vê um indivíduo morrendo, ele não pergunta se ele quer ser salvo antes de efetivamente salvá-lo”.



Fotos: Roberto Setton/ag. istoé

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - PARABÉNS AO EXECUTIVO E JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO PELA UNIÃO E COMPROMETIMENTO NO ENFRENTAMENTO DE UM DOS MAIORES MALES DO SÉCULO. Esta integração entre os Poderes deveria servir de modelo à União ao outros Estados da federação. É assim que funciona.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

ESCRAVO DO CRACK, DO CONFORTO À MISÉRIA E AO CRIME

ZERO HORA 24 de janeiro de 2013 | N° 17322

ESCRAVO DO CRACK

Do conforto à miséria


Francisco Negrão Cauduro, rapaz de família abastada da Capital, foi preso apontado como suspeito por roubos de carros


A derrocada do jovem de família abastada preso na manhã de ontem em Porto Alegre por envolvimento no roubo de carros e de pelo menos um apartamento tem o vício em crack entre seus ingredientes. Conforme a polícia, Francisco Negrão Cauduro, 30 anos, roubava automóveis para recolher em seu interior objetos e itens que pudessem ser trocados em bocas de fumo. Depois, abandonava o veículo.

Até seis meses atrás, o rapaz vivia no conforto da residência familiar, depois de um ano de tratamento contra a dependência. Ao ser capturado pela polícia, tinha como endereço um quarto de menos de 10 metros quadrados em um cortiço, dividido com uma namorada também viciada. Entre um momento e outro houve uma recaída no crack – acompanhada por mergulho no crime e na violência.

Filho de um engenheiro civil já falecido e irmão de um dentista, Cauduro cresceu em uma família de posses. O envolvimento com drogas teria iniciado ainda na adolescência. Em 2000, seguindo os passos do pai, chegou a ingressar no curso de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), mas não conseguiu completar sequer o primeiro semestre. A dependência química teria desempenhado um papel no abandono da faculdade, segundo pessoas próximas.

A prisão efetuada ontem não foi a primeira vez em que Cauduro virou notícia. Em 2006, sua trajetória produziu uma tragédia. Dia 4 de janeiro, depois de deixar uma casa noturna, ele perdeu o controle do Astra que dirigia em alta velocidade, e bateu contra um táxi e uma árvore, na Capital. Leônidas Araújo Granville, 24 anos, que estava sentado no banco traseiro, foi atingido pela árvore e morreu. Outros dois ocupantes ficaram feridos. Cauduro responde pelo caso na Justiça.

Outra tragédia ocorreu em 1999. Seu irmão mais velho, Pedro Luiz Negrão Cauduro, então com 19 anos, foi executado com um tiro nas costas no bairro Teresópolis. Foi vítima de uma disputa de poder entre gangues rivais.

Em 2011, chegou a passar por uma clínica para desintoxicação. Porém, recaiu e saiu de casa, afastando-se da família. Nos últimos tempos, vivia de aluguel em um quarto escuro e imundo, na zona sul de Porto Alegre. O espaço era compartilhado com a namorada, uma ex-estudante de Direito, também usuária de crack, que revelou à polícia prostituir-se para comprar a droga.

– Eles viviam em situação miserável. Viraram escravos do crack – afirma o delegado César Carrion.


Relação com roubo de carros é investigada

As investigações da 2ª Delegacia da Polícia Civil apontam que Francisco Negrão Cauduro teria envolvimento no roubo de pelo menos nove veículos desde a metade do ano passado. O interesse não seriam os carros em si, mas pertences das vítimas, principalmente eletrônicos, que poderiam virar moeda de troca em bocas de fumo.

Cauduro acabou por facilitar o trabalho da polícia, fornecendo provas em abundância contra si próprio. Na peça que dividia com a namorada, na Zona Sul, ainda mantinha ontem várias bolsas e a agenda do proprietário de um Civic roubado no ano passado. Além disso, na máquina fotográfica de uma das vítimas, havia registrado imagens de objetos obtidos em diferentes crimes. Em uma das fotos, posava com a camisa de uma vítima.

A prisão de ontem foi a segunda de Cauduro neste ano. No dia 4 de janeiro, foi detido com um revólver calibre 38, mas acabou liberado. Um comparsa, no entanto, foi reconhecido pelo roubo de um veículo e autuado em flagrante.

– Agora, vamos contar com os reconhecimentos de vítimas e avaliar os materiais apreendidos com ele para fechar os inquéritos em que está envolvido – explicou o delegado César Carrion.

Um dos crimes que a polícia investiga ocorreu na madrugada do Natal. Quando deixavam a ceia em uma residência do bairro Glória, vários integrantes de uma família teriam sido abordados por Cauduro e um parceiro. A dupla exigiu as chaves e fez a limpa em três veículos. Levaram o quarto, um Fit, encontrado dias depois na Zona Leste. Dos nove roubos de carros atribuídos a Cauduro, há dois em que o veículo ainda não foi recuperado.

O assalto à residência em que o viciado em crack estaria envolvido ocorreu em um apartamento da Azenha, no mês passado, de onde foram levados em torno de R$ 20 mil em joias, roupas e equipamentos, além de três armas que a vítima, um empresário, guardava no local.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

CHEIRANDO A VIDA

DIGA NÃO ÀS DROGAS

INTERNAÇÃO TRAVADA PELA GRANDE PROCURA E BUROCRACIA

Corrida por internações de crack surpreende São Paulo. Burocracia e grande procura de famílias travam projeto de internação compulsória em SP

GUSTAVO URIBE (
MARCELLE RIBEIRO(

O GLOBO
Atualizado:22/01/13 - 22h56



SÃO PAULO — O programa do governo de São Paulo para acelerar as internações compulsórias de usuários de droga tem esbarrado na burocracia do próprio governo estadual e na incapacidade para dar conta do número de pessoas que procuram ajuda para parentes e amigos. O governo estadual anunciou dispor de 691 leitos para a internação de usuários de drogas, dos quais 360 estão na capital paulista, mas a disponibilidade dessas vagas não é imediata. Na madrugada de segunda-feira, no primeiro dia da iniciativa estadual, os dez leitos temporários disponíveis no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) já estavam preenchidos. Nesta terça-feira, membros do anexo do Poder Judiciário, instalado no centro de referência, reclamavam da falta de leitos temporários para a internação de novos dependentes químicos que chegaram ao local. A burocracia em disponibilizar vagas em clínicas de reabilitação, o que poderia desafogar os leitos temporários no centro de referência, também foi alvo de críticas.

À espera da autorização de uma vaga em uma clínica de reabilitação, Reinaldo Rocha Mira, de 62 anos, usuário de crack, aguardou mais de 24 horas em um leito temporário no centro de referência. O homem foi levado dopado pela filha, Ana Paula Mira, na segunda-feira, por volta das 12h. Após pernoitar no local, sua internação involuntária no Hospital Psiquiátrico Lacan, em São Bernardo do Campo (SP), foi autorizada apenas às 13h de ontem. Ele deixou o centro de referência rumo à clínica de reabilitação por volta das 16h. Outro episódio de espera foi o de Denis Santos Navarro, de 18 anos, usuário de crack. O jovem pediu a internação voluntária na segunda-feira, por volta das 12h. Nesta terça-feira, no mesmo horário, não havia ainda definição sobre o local a que ele seria levado para o processo de reabilitação. Com a indefinição, ele cogitou a até mesmo abandonar o centro de referência.

— Eu estou há mais de um dia aqui e não há nenhuma expectativa de ser levado para uma clínica. Não sei se vou aguentar ficar aqui tanto tempo. Acho que vou partir hoje (ontem) — disse ele, que até o final da tarde permanecia no local.

Parentes buscam até usuários desaparecidos

A esse cenário de espera se soma outro problema: a quantidade de pessoas que tem procurado por ajuda no local. O plantão judiciário nem bem havia começado ontem e o centro de referência já tinha grande procura. Até as 10h, 12 pessoas passaram pela triagem e 10 ligações tinham sido atendidas com pedidos de informações. Na segunda-feira, foram 39 atendimentos, com duas internações involuntárias e três voluntárias. Quem procura o local encontra médicos durante o dia. Mas o plantão jurídico, que vai determinar a necessidade ou não de internação compulsória, só funciona das 9h às 13h.

O esforço do governo estadual, que tinha inicialmente como foco cuidar de casos mais graves, sobretudo de internação compulsória, passou a atender desde episódios de internações voluntárias até internações involuntárias, que não necessitam de determinação judicial e costumam ser solicitadas por parentes. Por falta de informação, muitos familiares também buscavam por ajuda em casos de usuários de drogas que estão desaparecidos. O presidente da Comissão Antidrogas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cid Vieira de Souza Filho, ressaltou que o ideal é que, antes de procurar o centro de referência, as famílias se dirijam aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), subordinados à prefeitura:

— Nós estamos acompanhado o sofrimento das famílias, mas não adianta trazer para cá, achando que vai internar aqui. Aqui é feita uma triagem e, se tiver recomendação médica, vai ser acionado o plantão jurídico para que, se for o caso, postule uma internação — afirmou.

Ao ser perguntada sobre as reclamações em torno da burocracia na oferta de vagas, a coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas da Secretaria da Saúde, Rosângela Elias, justificou que os postos são solicitados a partir das características de cada paciente.

Ela afirmou que, por ter 62 anos, o dependente químico Reinaldo Rocha Mira não se encaixava em qualquer vaga, uma vez que não poderia ser colocado em uma enfermaria com pessoas mais jovens. De acordo com ela, em muitos dos casos, há recomendações para que os dependentes químicos permaneçam no centro de referência por “cinco ou oito dias”. Ela disse que, no local, os pacientes já estão passando por tratamento.

— Ele está acolhido aqui, dentro do serviço. Em muitos dos casos, a recomendação é de ficar aqui por cinco ou oito dias, pois isso é um espaço de tratamento. Se ele melhorar, ele segue o atendimento ambulatorial. Ele pode também dar continuidade em outra unidade. Isso é uma conduta clínica, não existe uma receita de bolo para todo mundo, onde as pessoas vão se encaixando. A gente faz a história a partir de cada caso, cada pessoa — afirmou.

Depois de um encontro pela manhã com o prefeito Fernando Haddad, o governador Geraldo Alckmin admitiu ter sido surpreendido pela procura e prometeu mais investimentos:

— É uma tarefa difícil, mas não vamos desistir. O que nos surpreende é que a as famílias estão procurando. A mãe não desiste — disse ele — Se precisar, nós ampliaremos e vamos atender a quem precisa.

O psiquiatra Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, defende a internação compulsória de viciados em drogas, mas diz que ela não pode ser feita como “limpeza urbana”. Ele avalia que, ao deixar as pessoas na rua, sujeitas ao vício, é como se o governo estivesse permitindo um “suicídio assistido”. Segundo ele, trabalhos científicos mostram que não há diferença de resultados entre internações compulsória e voluntária e que os resultados são melhores que o de outras medidas.

— Tem de ter ambulatórios, médicos e hospitais para atender os viciados e tudo isso é um tratamento complexo e caro. E, normalmente, os estados não têm unidades e pessoal estruturados para atender o pós-internação — disse.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

NÃO À INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA E COMPULSÓRIA

FOLHA.COM 21/02/2013

Marcos Valdir Silva


Há um ano, o governo do Estado de São Paulo iniciou operações na região da capital conhecida como cracolândia para reduzir o número de usuários de crack que circulam diariamente no local. As medidas resultaram basicamente no deslocamento dos usuários, que se espalharam pelas imediações, ocupando ruas dos Campos Elíseos, de Santa Cecília e do Bom Retiro.

No início de 2013, o governador Geraldo Alckmin anuncia sua medida extrema: a internação involuntária e compulsória de dependentes químicos que se drogam nas ruas da capital.

Higienização é a forma mais clara e objetiva de denominar tal medida. O Estado "despoluirá" o centro, realizando a internação, sem garantir de fato um atendimento digno dentro dos preceitos do SUS. Para tal, seria necessário ter locais adequados, com técnicos munidos de infraestrutura e médicos preparados. Também seria preciso conversar com o usuário, para que se entenda o seu caminho com o uso da substância, devendo construir um plano de trabalho dele juntamente com a família e a sociedade.

Não é possível aceitar a internação involuntária ou compulsória como a principal estratégia para o enfrentamento do uso de drogas nas ruas da capital.

A política pública do Estado não pode retroceder ao confinamento, como forma de "tratamento", após décadas da reforma psiquiátrica e luta antimanicomial conquistada pelos movimentos sociais brasileiros e ainda em consolidação. O Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (Cress-SP) se posiciona totalmente contrário à medida, salvacionista, preconceituosa e criminalizadora, que avilta os direitos humanos.

Hoje deverá ser iniciada a ação que internará à força usuários, sem que antes tenham sido feitos investimentos públicos em propostas de atenção básica à saúde, assistência social, opções de geração de renda e moradia para essa população em risco social, principalmente ações concretamente voltadas aos dependentes químicos.

A mesma "vontade política" do governo do Estado para a proposta de internação, prisões e intervenções militares nessa expressão da questão social deveria estar presente em serviços públicos na área da assistência social e na saúde coletiva no centro da cidade de São Paulo.

Aliás, quem são os especialistas nessa área que estão "assessorando" o governo? Será então essa "a" resposta pública que juízes, Ministério Público e médicos têm a propor?

Teremos que reconstruir instituições e manicômios para engrossar as novas modalidades de aprisionamento em São Paulo. Parece ser a solução mais prática e fácil e não a mais humana, social e garantidora de direitos e serviços de qualidade.

A questão vem sendo analisada em uma perspectiva moralista e conservadora. Efetivar ações que atendam a essas demandas exige a implementação de várias políticas públicas intersetoriais, que atuem em uma rede de atenção integral.

Não foram realizadas discussões sobre a medida. ONGs, profissionais da área e dos serviços municipais e estaduais e demais organizações não debateram a saúde dos usuários envolvidos. O processo não está sendo democrático.

Diante desse cenário, destaca-se a necessidade da ampliação do debate sobre o uso de drogas na realidade brasileira, na sua relação com a desigualdade social, reforçando a luta em defesa aos direitos humanos. A condição dos usuários de drogas não retira dessas pessoas o direito à autonomia e a uma vida plena de realizações.

MARCOS VALDIR SILVA, 41, é vice-presidente do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo

*

TRATAMENTO GERA MUITAS DÚVIDAS

FOLHA.COM 21/01/2013 - 06h00

Análise: Tratamento de dependentes químicos ainda gera muitas dúvidas

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO


Do ponto de vista da saúde pública, a internação compulsória dos dependentes de crack em São Paulo começa com uma série de dúvidas: Que tipo de tratamento (terapias e medicamentos) será usado? Quanto tempo vai durar? O que será feito após o confinamento?

Até para justificar o dinheiro público que será empregado na operação (os valores ainda não foram anunciados pelo governo Alckmin), é importante mais clareza e transparência ao processo.

Há muita polêmica e falta de consenso sobre internações contrárias à vontade da pessoa. A medida foi duramente criticada no ano passado pela ONU (Organização das Nações Unidas), que recomendou aos países-membros a sua imediata extinção.

Para a ONU, não há evidência científica do êxito das internações compulsórias de usuários de drogas.

Ao mesmo tempo, a OMS (Organização Mundial da Saúde) considera válida a opção em casos de risco à vida do dependente químico.

Os poucos estudos envolvendo internações compulsórias mostram taxas de recuperação entre 2% e 6%.

Mas não é possível comparar os resultados com os da internação voluntária (em torno de 30%) porque não são estudos controlados. As variáveis (condição socioeconômica e transtornos psiquiátricos) não foram isoladas.

A questão é tão complexa que até o conceito de tratamento exitoso é relativo. Para os especialistas, as recaídas fazem parte do processo de recuperação e não são, necessariamente, sinônimo de fracasso. Eles defendem que o dependente seja tratado como um doente crônico --um diabético ou um hipertenso.

Voltando às questões que abrem este texto, o país conta com uma diretriz da Sociedade Brasileira de Psiquiatria de como os médicos devem tratar os usuários de crack.

Entre as orientações há a indicação de tratamento de desintoxicação imediato e de múltiplas ações terapêuticas após a internação. O plano de Alckmin vai contemplar isso?

As experiências internacionais também mostram que o enfrentamento das drogas deve ser tratado de forma coordenada por diferentes áreas dos governos, do setor privado e das universidades.

Receitas existem aos montes. Resta saber qual delas o governo paulista deve adotar.

JUIZ DIZ QUE INTERNARÁ SÓ EM CASO DE RISCO





FOLHA.COM, 21/01/2013

Juiz diz que internará viciados em SP só em caso de risco

FABIANA CAMBRICOLI
DO "AGORA"


Ouvir, sempre que possível, o viciado antes de tomar a decisão. Negar, quando não houver necessidade de internação, o pedido feito pela família do dependente.

É o que promete fazer Samuel Karasin, um dos dois juízes que a partir das 9h de hoje farão plantão no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), no Bom Retiro (centro de São Paulo), para autorizar ou não pedidos de internação compulsória de dependentes químicos.

O plantão foi criado por meio de uma parceria entre o governo do Estado, Tribunal de Justiça, Ministério Público Estadual, OAB-SP e Defensoria Pública.

Segundo o magistrado, a internação só será autorizada se o viciado oferecer risco a si próprio ou a terceiros, como quando estiver com a saúde debilitada ou ameaçando matar alguém. Nos demais casos, o tratamento previsto em lei é o ambulatorial.

"[Quando não houver o risco] Eu vou negar e acabou. A lei tem uma diretriz muito tranquila. Internação não é depósito", afirmou.

Karasin disse que a internação involuntária só é usada nos casos em que a pessoa perdeu qualquer condição de ficar sozinha.

"Eu sei que a família se desespera, mas não é só a questão do vício que está em jogo, é se ele está correndo risco ou não. É para ele se curar do surto, sair do risco e voltar numa condição melhor para o tratamento", afirma.

A legislação a qual o juiz se refere é a lei 10.216, que prevê que a internação "só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes."

Laudo divergente

Para que a internação seja autorizada, será obrigatório um laudo médico atestando tal necessidade. Apenas o atestado, porém, não é suficiente para que o juiz autorize a medida. "Não é o médico que decide, tem que ouvir a defensoria, alguém pode trazer um laudo divergente. Sempre que possível, pretendo ouvir também o dependente", diz Karasin.

Juiz há 15 anos, metade deles na Vara da Infância e Juventude de Osasco (Grande São Paulo), função que desempenha até hoje, Karasin vai estar ao lado de outro juiz da mesma área, Iasin Issa Ahmed, no plantão do Cratod.

FAMILIARES BUSCAM INTERNAÇÃO À FORÇA

FOLHA.COM 21/01/2013 - 06h00

Familiares de viciados já buscam internação à força em SP

GIBA BERGAMIN JR.
DE SÃO PAULO


O programa de internação compulsória de viciados em drogas, do governo do Estado, começa hoje em São Paulo com expectativa de filas por causa da alta demanda de familiares em busca de tratamento forçado a parentes que não largam o vício.

A Folha esteve nos últimos dias no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas do Estado), no Bom Retiro, onde haverá um juiz, um promotor e um integrante da OAB para definir a necessidade de internação.

Ouviu de funcionários que, durante a semana passada, muitos parentes de viciados em crack entraram em contato. "Eles telefonaram para saber quando o juiz vai estar aqui. Só hoje [anteontem] foram cinco telefonemas", disse um funcionário à reportagem.

O governo estadual diz que tem capacidade para atender a demanda e que há cerca de 700 leitos no Estado para isso. O viciado pode, por exemplo, ser levado para ser internado em outro Estado.

A internação compulsória está prevista na lei de psiquiatria. Para que ela ocorra é necessário que um médico assine um documento indicando que o usuário precisa ser internado, mesmo contra a vontade. A Justiça decide se isso deve ou não ser feito.

A criação do programa para esse tipo de medida ocorre um ano depois de uma intervenção policial na região da cracolândia, que visava coibir o tráfico e tentar levar usuários a tratamento. Não surtiu efeito -- a venda da droga persiste e as ruas seguem tomadas por usuários.

Marlene Bergamo/Folhapress

Moradores de rua no centro, onde dependentes se concentram; Missão de Belém temem medido compulsória


PROTESTO

Um protesto organizado por meio de um fórum no Facebook acontecerá hoje em frente ao Cratod.

Entre os apoiadores da manifestação está padre Julio Lancelloti, defensor dos direitos dos moradores de rua.

"A internação compulsória é considerada o último recurso. É a exceção e não pode virar regra", disse. O padre questiona se há capacidade para atender todos.

Ele, que se reuniu com entidades de atendimento a viciados durante a semana, disse que o temor de todos é o mesmo. "O que a gente prevê no dia 21 (hoje) é um número muito grande de mães querendo a internação involuntária dos filhos", disse.

Na involuntária, um parente vai a um centro de atendimento e pede a internação. Um promotor tem 72 horas para analisar o caso, sem a necessidade de juiz. É diferente da compulsória, que depende do aval de médicos e que passará pelo magistrado, mesmo sem aval da família.


OUTROS PAÍSES

Segundo Ronaldo Laranjeira, professor titular de psiquiatria da Unifesp, a internação compulsória é bastante aplicada no interior de São Paulo -- a medida foi usada em 50% dos internos da clínica Bairral, em Itapira (a 164 km de São Paulo), diz ele.

A internação contra a vontade do dependente é comum na Europa e nos EUA. "Na Suécia, por exemplo, 30% das internações são involuntárias, lá chamadas de coercitivas. Tecnicamente falando, a experiência é boa, mas precisa haver estrutura para atender a demanda", disse ele.

Laranjeira diz que, na Inglaterra, onde trabalhou, após um médico decidir pela internação compulsória, uma comissão de especialistas é acionada para endossar ou não a necessidade.

O psiquiatra Elko Perissinotti, do Hospital das Clínicas, teme que a medida possa se mostrar inócua.

Segundo ele, o índice de recuperação é muito baixo, não chega a 2%. "Muitos autores dizem que após o uso contínuo, a pessoa pode se tornar dependente crônica. Mesmo após um diagnóstico de suposta 'cura', a pessoa tem recaídas e volta para o mesmo estágio em que estava antes", afirmou.



sábado, 19 de janeiro de 2013

REVOGA, JOAQUIM

folha.com 19/01/2013 - 03h30

Morris Kachani


Nos últimos meses, e em vários cantos do globo, pipocaram notícias sobre uma legislação mais flexível sobre a produção e o consumo da maconha. Dois Estados americanos, Colorado e Washington, legalizaram o uso recreativo da droga. Em novembro, Amsterdã optou por manter o status dos "coffee shops", que vendem a erva para quem quiser comprá-la.

Na América do Sul, pelo menos em comparação com Argentina, Chile ou Uruguai, a legislação brasileira talvez seja a menos tolerante, para não dizer arcaica. Ela é tributária de uma herança preconceituosa construída em outros tempos, à moda da lei seca.

Na Argentina, a descriminalização do uso individual já é fato consumado. O Uruguai nunca criminalizou o consumo e, agora, discute a estatização da produção de maconha.

Enquanto isso, por aqui o usuário continua sendo tratado como criminoso, sujeito a penas alternativas. E vive à mercê da boa vontade de delegados e cortes que, dependendo da interpretação, poderão enquadrá-lo como traficante, pois a lei não é clara.

Casos estapafúrdios existem aos montes e, obviamente, os mais pobres, sem um bom advogado, acabam levando a pior, abarrotando ainda mais nossas já abarrotadas cadeias.

Só há um jeito de conseguir a maconha, que é o pior possível: na biqueira da favela. Direta ou indiretamente, a maioria dos 2,5% de adolescentes e 6,3% de adultos do país que usam maconha ao menos uma vez por ano abastece-se assim.

A pergunta é se esse tema não deveria fazer parte da agenda progressista de um governo supostamente alinhado à esquerda. É uma pergunta até ingênua, dentro de um contexto dominado pelas bancadas religiosas, que até fizeram nossos dois candidatos à Presidência dizerem o que não pensavam sobre o aborto.

Foi preciso um ex-presidente (FHC), já distante do pragmatismo político, abraçar a causa, fazendo dela a sua versão de "verdade inconveniente". Mas o preconceito continua vivo. Recentemente, na eleição da OAB, correu a denúncia de que o candidato Alberto Toron teria sido alvo de e-mails difamatórios, por defender a descriminalização da droga.

Na comunidade científica, já é quase consenso que maconha é menos prejudicial que álcool e tabaco. Não faz sentido colocá-la no mesmo balaio de outras drogas mais perigosas. Ou confundir o usuário esporádico com o dependente.

Existe uma expectativa de que o STF coloque em pauta neste ano o julgamento do caso de um usuário que foi condenado a dois meses de prestação de serviços à comunidade em Diadema (SP). Pode ser um divisor de águas: se a condenação for revogada, a mesma medida será aplicada em casos semelhantes no país.

MORRIS KACHANI é repórter especial da Folha.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O sr. Morris não deve conhecer a situação de pessoas e famílias destruídas pelas drogas e nem o submundo vigiado pela polícia onde é comum o enfrentamento contra pessoas drogadas aliciada pelo crime e o que eles fazem com suas famílias. Ao deixar impune o consumo de drogas, o Estado estará negligenciando a saúde e a ordem pública, permitindo a ampliação do domínio do tráfico e aumento da massa de dependentes precisando roubar, assaltar e matar para conseguir a sua droga do dia.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

NOVA FORMA DE EMBALAR DROGA

ZERO HORA 16 de janeiro de 2013 | N° 17314

CERCO AO TRÁFICO

Identificada no RS nova forma de embalar droga


O Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) prendeu na segunda-feira dois homens no momento em que colocavam cocaína em microtubos conhecidos como eppendorf, originalmente destinados a laboratórios de análises clínicas.

Por ter um tamanho reduzido (os mais comuns são de 1,5 mililitros) e conter uma tampa anexada, os pequenos tubos plásticos passaram a ser usados por traficantes paulistas para embalar entorpecentes e, aos poucos, começam a aparecer no Estado.

De acordo com o Denarc, ao cumprir mandato de busca e apreensão na Rua Santana, no bairro Olímpica, em Esteio, os agentes encontraram dois homens com 170 eppendorfs vazios e 32 preenchidos com cocaína. A dupla, um de 26 anos e outro de 40, também mantinha um radiocomunicador na frequência das polícias do Rio Grande do Sul, dois rolos de etiquetas, prato com resquícios do entorpecente, seis celulares, uma caixa de lâmina de barbear, uma colher e uma calculadora.

Segundo o delegado Thiago Benemmann, coordenador da operação, os eppendorfs começaram a ser utilizados pelo PCC, em São Paulo.

– É uma forma de armazenamento pouco usual no Estado, até porque não tem acesso tão disponível. Esse tipo de oferta indica a venda para usuários de maior poder aquisitivo, já que é preciso um investimento maior dos traficantes – explica o delegado.

A dupla foi autuada por tráfico de drogas e associação para o tráfico e encaminhada ao Presídio Central.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

INTERNAÇÃO COMPULSORIA

 
ZERO HORA 11 de janeiro de 2013 | N° 17309. ARTIGOS

Alceu Medeiros*

Foi aprovado em dezembro último, pela Comissão Especial do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, um projeto do deputado gaúcho Osmar Terra prevendo penas mais duras contra traficantes, internação compulsória para dependentes e criação de uma rede de comunidades terapêuticas sob responsabilidade do poder público, para tratamento de longa duração.

Não quero comentar as penas mais duras para traficantes por julgá-las ineficazes no combate às drogas, pois enquanto existir o consumo de entorpecentes haverá demanda em torno dos traficantes, negócio rendoso (e arriscado) para quem mercantiliza o produto. É mais ou menos como querer punir a prostituição quando há procura incessante do sexo pago. Havendo quem queira comprar, sempre haverá quem queira vender. É a lei do mercado.

O impulso que me levou a escrever esta matéria é a internação compulsória inserida no projeto do deputado gaúcho. Por melhor que seja a intenção do projeto, e ninguém duvida disso, sempre poderá haver distorção no sentido terapêutico do mesmo. Zero Hora tratou do assunto no último domingo, em editorial interativo, ouvindo antes os prós e contras dos leitores.

O destaque maior dos comentários deu-se em torno da criação de uma rede de comunidades terapêuticas sob responsabilidade do poder público, para tratamento de longa duração.

Aí é que mora o perigo. O Estado atualmente não dá conta nem da internação de pacientes graves pelo SUS, imagine se dará conta de mais esse encargo. Vai sobrar para os municípios resolver esse problema de saúde pública, como já está acontecendo por aí afora.

O Estado também não solucionou o grave problema dos internos em casas psiquiátricas (lembram-se do São Pedro?), aliás, solucionou, sim, mandando para casa quem tinha parentes e outros para a rua mesmo, como se vê nas ruas de Porto Alegre, doentes perambulando de um lado para outro.

A dependência química é um grave problema social de difícil solução, pois drogar-se ou não depende da vontade de cada um.

O Brasil já solucionou em parte o problema do vício do fumo e da bebida alcoólica, criando leis que proíbem o uso do tabaco em locais públicos e da ingestão do álcool na condução de veículos, essa punida severamente no bolso e na liberdade do infrator.

Qual é a punição para quem se droga quimicamente? Cadeia não resolve e o tratamento contra a dependência é mais um subterfúgio legal para livrar-se das penas previstas para o usuário, quase sempre também um traficante de menor potencial ofensivo.

Então, a internação compulsória não vai ser solução para os dependentes químicos sem a contrapartida eficaz prevista no projeto de uma rede de comunidades terapêuticas, inaplicável para um país carente de recursos financeiros, haja vista a superlotação de pacientes em hospitais públicos e particulares, sem falar no minguado tratamento psiquiátrico dado aos doentes.

Isso tudo me faz lembrar de medidas da prefeitura do Rio para afastar moradores de rua, tomadas pela então Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb), inicialmente com a colocação de pedras sob viadutos e armações de ferro em bancos de praça, empecilho para quem pretende se deitar.

As medidas antimendigos tomadas pela prefeitura do Rio foram muito criticadas na época, por serem violadoras do direito de ir e vir, antipáticas, dando a impressão de que o espaço público era só de alguns.

Em 1967, o então secretário de Segurança, Nilton Cerqueira, ao responder sobre o aumento do número de mendigos no Rio, disse que o assunto transcendia a responsabilidade da sua pasta: “Só com atos violentos poderíamos livrar a cidade de mendigos”. Não quero que aconteça outro Rio da Guarda, referindo-se a denúncias da década de 60, jamais comprovadas, de que integrantes do governo Carlos Lacerda teriam sido responsáveis pelo afogamento de mendigos em um afluente do Guandu.

A internação compulsória para dependentes de drogas pode gerar uma distorção perigosa na sua aplicação, como aconteceu no Rio. Antes da internação compulsória, tem que haver um pacote de reeducação social. Do contrário, são medidas violadoras do direito de ir e vir do cidadão.

*Advogado

INTERNAÇÃO INVOLUTÁRIA

 
ZERO HORA 11 de janeiro de 2013 | N° 17309. ARTIGOS

Osmar Terra*

No projeto de lei 7.663/2010, aprovado pela Comissão Especial da Câmara, proponho a internação involuntária para tratar dependentes das drogas. Alguns a rotulam de autoritária, fascista, higienista etc. Argumentam que uma internação contra a vontade tem efeitos pífios. Outros vão mais longe, brandem argumentos ultraliberais ou mesmo anarquistas, de que as pessoas têm o direito à liberdade de se drogar e o Estado não deve interferir.

Num universo tão rico de correntes ideológicas, é importante estabelecer vínculo com a realidade do dia a dia. Para quem se preocupa com o crescimento epidêmico do número de dependentes químicos, é crucial saber o que pode ou não melhorar isso. Para tanto, é vital ter informações baseadas em evidências científicas. A pergunta-chave é: o dependente, intoxicado pela droga, tem ou não capacidade de discernir o que é mais benéfico para si, ou para sua saúde? Estou convicto de que não tem. As evidências mostram que as drogas afetam e modificam de forma quase irreversível redes cerebrais específicas que controlam o prazer, a motivação e os impulsos. No período da intoxicação aguda, a capacidade de raciocinar e entender o que acontece ao redor fica severamente comprometida. Num tempo relativamente curto de uso, se instala uma doença crônica de difícil cura. Na “fissura”, o dependente vende tudo o que tem, dorme na rua, come restos de lixo, não trabalha ou estuda, não provê minimamente a família, se é por ela responsável, e só tem uma preocupação: a próxima dose. Ele é portador de grave alteração mental e necessita de ajuda externa para seu tratamento. A ajuda começa com a família, que pode e deve ser ouvida nessas circunstâncias, e de uma criteriosa avaliação médica, que deve ser suficiente na internação para a desintoxicação.

Mesmo sendo uma doença incurável, quanto mais cedo é iniciado o tratamento, maior é a chance de prolongar a abstinência durante a vida.

Como secretário de Saúde, assisti à destruição de muitos jovens, sem nada poder fazer. Pela lei atual, o dependente químico não pode ser tratado “contra sua vontade”. Mas, quando chega ao ponto de romper com os mínimos padrões de sobrevivência e convivência social, o dependente não é mais capaz de saber o que é importante para si. Se deixarmos ao seu “arbítrio”, demorará muitos anos, e assistiremos a uma devastação em sua vida e da família, até que alguns poucos decidam se tratar. Boa parte morrerá antes disso.

A questão da internação involuntária por algumas semanas, para a desintoxicação, em ambiente hospitalar, é decisiva para iniciar o tratamento e salvar vidas. Livre da intoxicação aguda, o dependente poderá raciocinar com mais clareza e decidir sobre a continuidade do tratamento. As evidências também mostram que a continuidade da abstinência é semelhante tanto em quem é internado involuntariamente quanto voluntariamente.

O que não podemos é continuar assistindo à progressão dessa grave epidemia, sem avançarmos em atitudes firmes de apoio aos doentes e suas famílias.

*Deputado federal (PMDB-RS)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

GAROTO MORRE ATROPELADO AO FUGIR DE OPERAÇÃO CONTRA O CRACK

RIO - Menino de 10 anos foi atingido por motorista na Avenida Brasil, zona norte, quando corria de agentes da Polícia Militar e da secretaria municipal de Assistência Social

Antonio Pita - O Estado de S. Paulo 10 de janeiro de 2013 | 8h 46



Reprodução/TV Globo
Correria de usuários pela avenida virou cena comum nos recolhimentos


RIO - Um garoto de 10 anos morreu atropelado na manhã desta quinta-feira, 10, na Avenida Brasil, zona norte do Rio, quando fugia de agentes da Polícia Militar e da secretaria municipal de Assistência Social que realizavam operação contra o crack. O acidente aconteceu por volta das 4h45 na Favela Nova Holanda, na região do Complexo da Maré, um dos maiores conjuntos de favelas da cidade, ainda não pacificada. De acordo com testemunhas, o corpo do garoto permanecia na via até as 7h.

Segundo colegas do garoto, ele se chamava Rafael e era usuário de drogas e morava na favela Parque União, no complexo da Maré, às margens da Avenida Brasil. O motorista que atropelou o garoto fugiu sem prestar atendimento à vítima. O acidente aconteceu no sentido centro da cidade e deixou o trânsito lento no local.

De acordo com policiais do Batalhão da Maré, o garoto tentou atravessar a pista correndo ao perceber a aproximação dos agentes da secretaria de Assistência Social. Os usuários de droga menores de idade recolhidos na operação são encaminhados compulsoriamente para tratamento em abrigos municipais.

Locais conhecidos como pontos para o consumo de drogas, as favelas Parque União e Nova Holanda, na altura da Avenida Brasil, são alvos constantes de ações da prefeitura para o combate ao crack desde outubro. As operações começaram após a ocupação da polícia nas favelas de Manguinhos e Jacarezinho, onde os usuários de drogas se concentravam. Em novembro, outro usuário de crack morreu ao ser atropelado na região.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

NADA MUDOU NA CRACOLÂNDIA


O Estado de S.Paulo 07 de janeiro de 2013 | 2h 11

OPINIÃO

Ao completar um ano, confirma-se aquilo que ficara evidente desde as primeiras ações da Operação Centro Legal, destinada a combater o uso e o tráfico de drogas na Cracolândia, cuja situação, sem falar no drama humano vivido pelos dependentes, é uma das principais responsáveis pela degradação da região central da capital paulista - ela é um total malogro. Apesar dos esforços das autoridades para demonstrar que, se o seu otimismo inicial era exagerado, mesmo assim houve algum progresso, a verdade é que a situação piorou em alguns aspectos.

De acordo com dados da Secretaria Estadual da Justiça, que coordena as ações na Cracolândia, foram realizadas 152.995 abordagens de dependentes e feitas 1.363 internações para tratamento. Houve 763 prisões em flagrante, das quais 211 de condenados pela Justiça, e foram apreendidos 100 quilos de drogas, sendo um terço de crack. Qualquer um que passe pela região, de dia ou de noite, constata que esses números pouco significam. Tudo continua quase como antes da operação - centenas de dependentes consumindo crack nas ruas, comprado à vista de todos. Um exemplo é a Rua Helvétia, um dos principais pontos de atuação da polícia no início da operação.

O "quase" vai por conta de um agravamento do quadro, provocado pela dispersão dos dependentes. A tática da Polícia Militar de obrigá-los a circular constantemente para evitar sua concentração em alguns poucos locais - as chamadas "procissões" - se revelou equivocada. E desastrada. Em consequência dessa migração forçada, existem hoje várias minicracolândias, espalhadas tanto pelo espaço original da Cracolândia como por bairros vizinhos, principalmente Santa Cecília. Até por um bairro como Higienópolis circulam pequenos grupos de dependentes.

Outra consequência negativa dessa dispersão é que ela complica o trabalho dos agentes de saúde e de assistência social. Sua abordagem dos dependentes, divididos agora em pequenos grupos que se deslocam com frequência, para tentar convencê-los a se tratar - uma ação de importância fundamental para a solução do problema -, ficou agora ainda mais difícil.

Outros equívocos marcaram a ação da polícia. Em vez de promover as "procissões" que deram no que deram, a polícia deveria ter concentrado seus esforços no combate ao tráfico de drogas. Salta aos olhos que a caça aos pequenos traficantes, que agem às claras e cujo rastreamento pode levar aos graúdos, é mais fácil num espaço relativamente pequeno e bem delimitado como o da Cracolândia.

Mas o principal equívoco, do qual os demais decorrem, foi a falta de coordenação - pelo menos na primeira fase da operação - entre a ação policial e a dos agentes de saúde e de assistência social. A ação desses últimos não predominou como deveria, porque nem o governo do Estado nem a Prefeitura da capital dispunham dos recursos humanos e de clínicas de tratamento e recuperação de dependentes em quantidade suficiente.

Há felizmente alguns sinais de que o governo do Estado, embora sem admitir isso explicitamente, está disposto a corrigir os rumos da Operação Centro Legal. O primeiro deles é o reconhecimento pelo governador Geraldo Alckmin daquilo que sempre foi evidente para os especialistas, isto é, que este é um trabalho lento, que exige paciência. O problema não pode ser resolvido com operações rápidas e ruidosas. "A gente tem consciência do problema. Não vai resolver rápido. É uma tarefa permanente", diz ele.

Outro sinal animador é a disposição manifestada pelo governador de promover, em ação coordenada com a Justiça, o Ministério Público e a OAB, a internação involuntária de dependentes de drogas. Um grupo de juízes e promotores poderá determinar a internação, com base em parecer de equipe médica, mesmo sem o consentimento dos dependentes, mas com a concordância da família. Isto valerá, segundo Alckmin, "para os casos mais graves, que comprometem a vida e a saúde das pessoas".

Logo saberemos se isso são apenas boas intenções.

domingo, 6 de janeiro de 2013

INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA


ZERO HORA 06 de janeiro de 2013 | N° 17304

EDITORIAIS


Aprovado em dezembro último pela Comissão Especial do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, um projeto do deputado gaúcho Osmar Terra promete se transformar na primeira grande polêmica deste ano no Congresso Nacional. A matéria prevê penas mais duras contra traficantes, internação compulsória para dependentes e criação de uma rede de comunidades terapêuticas sob responsabilidade do poder público, para tratamento de longa duração. O texto, que também cria um sistema de informações de abrangência nacional, não revoga a legislação atual, mas acrescenta 33 novos dispositivos à Lei de Drogas e à lei que trata da proteção e dos direitos de pessoas com transtornos mentais. Mas o foco do debate será, sem dúvida, a internação sem o consentimento do paciente – tema que divide até mesmo especialistas experimentados. Caberá ao plenário da Câmara examinar o assunto no reinício do ano legislativo.

Considerando-se a degradação social causada pelas drogas pesadas, especialmente pelo crack, não há dúvida de que a iniciativa parlamentar merece total atenção. O país tem urgência em encontrar novas soluções para essa epidemia que infecta a juventude, destrói famílias e estimula a criminalidade. Então, a questão do combate ao tráfico é pacífica. O questionável é o tratamento que deve ser dispensado aos usuários e aos dependentes. A legislação atual já contempla a internação compulsória, além da voluntária (quando o paciente aceita o tratamento) e da involuntária (quando o viciado oferece riscos à sociedade ou a si mesmo). Todas, porém, dependem de autorização judicial. O que pode mudar agora é a transformação dessas alternativas em política pública, o que, em alguns casos, dispensaria a intervenção judicial.

Antes de se dar tal poder ao Estado e aos agentes públicos, porém, é imprescindível oferecer à sociedade todas as garantias de que haverá uma rede de atendimento comprovadamente eficaz e acessível. As pessoas só podem ser internadas contra a sua vontade se forem conduzidas para instalações apropriadas e para um tratamento digno, que efetivamente lhes devolva a oportunidade de se livrar do vício. Sem esse pré-requisito, a retirada forçada de drogados das ruas será apenas uma faxina social desumana, voltada muito mais para o conforto das pessoas incomodadas e para interesses econômicos do que para a recuperação dos doentes.

Não se pode ignorar, evidentemente, os danos causados pelos dependentes à sociedade, a começar pela desestruturação familiar. Viciados que agridem parentes, vendem objetos da casa, roubam e cometem outros delitos precisam, sim, de contenção forçada – e para casos assim já existe legislação autorizativa. Incompreensível e inaceitável é a abordagem higienista, cujo propósito prioritário é retirar drogados da via pública mesmo que seja para submetê-los a constrangimentos e a tratamento desumano.

A internação compulsória, portanto, só terá sentido quando houver clínicas gratuitas e eficazes, que permitam ao paciente manter seus vínculos familiares e comunitários. Antes disso, é preciso investir mais na prevenção.

O editorial ao lado foi publicado antecipadamente no site e no Facebook de Zero Hora, na sexta-feira. Os comentários selecionados para a edição impressa mantêm a proporcionalidade de aprovações e discordâncias. A questão proposta aos leitores foi a seguinte: O país não está preparado para a internação compulsória de drogados. Você concorda?

O leitor concorda

Realmente não estamos preparados porque ainda não sabemos trabalhar a dependência química com a atenção que ela merece. Equivocadamente, os tratamentos consideram-na sem cura, sem atentar para o fato de que existem duas dependências; uma inata e outra adquirida. Precisamos antes de mais nada criar dispositivos que possam identificar com qual das duas estamos lidando para depois encontrar a forma de ajudar o dependente químico. O fato é que ele não deve ser tratado em clínicas comuns. No dia em que se tiver preparado uma clínica específica (e tenho um projeto para isso), aí o dependente químico poderá ser tratado com a eficácia que o tema requer. Celso Gonzaga Porto – Cachoeirinha (RS)

Concordo. Aliás, o Brasil não está preparado para nada em se tratando de saúde pública, a carência nesse item é muito visível. O que o país pode fazer é criar mais campanhas para evitar que o jovem se direcione para o vício, a família também precisa ser orientada para impedir que esse mal tome conta da sociedade. Alda Pegoraro Roeder – Nova Prata (RS)

Concordo que não estamos preparados, mas algo tem que ser feito, e logo. Não podemos esperar mais, tem que ser imediato! Wellington Luiz Birk – Novo Hamburgo (RS)

O leitor discorda

Creio que se deve louvar a iniciativa do eminente deputado Osmar Terra, com larga experiência no setor de saúde pública brasileira, tendo em vista que instituir políticas públicas (que necessariamente têm que conter o tratamento adequado) para a epidemia que o Brasil vive em função do crack (6 milhões de drogados) é absolutamente necessário. Temos um Judiciário altamente demandado por todo tipo de processos, e, nesse problema, o Executivo precisa atuar de forma mais efetiva e inteligente. Desumano é ver a degradação cada vez maior em locais públicos e nada fazer, estimulando a violência e o tráfico em geral. A prevenção, que já é feita hoje, é insuficiente para tratar o caos instalado. Se essa epidemia tivesse características de doença contagiosa, como a lepra, não estaríamos discutindo “constrangimento de pessoas”. O absurdo é que, na vida real, o contágio da droga entre os mais pobres é semelhante ao de leprosos. Vulpius Bandeira Vargas – Brasília (DF)

Acredito que a intenção do projeto é fantástica. Obviamente pelo problema atacado, mas, no meu entender, um detalhe chama a atenção: desnecessidade de intervenção judicial. O juiz vai decidir com base em laudo médico. Se o médico é o agente capaz de atestar a necessidade de internação, por que precisaremos da assinatura do magistrado? Isso com certeza aliviará o Judiciário, agilizará a internação do paciente, que pode estar correndo risco de vida e diminuirá a angústia da família. Fábio Sonntag – Lajeado (RS)

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - As políticas e tratamento da questão das drogas  se tornam inoperantes porque as autoridades e especialistas focam apenas um lado da questão: a questão de saúde, ou como questão de ordem pública. Na minha modesta opinião, acredito que tenha que ser focada em três linhas de ação: a preventiva (educacional), a repressão (questão de ordem pública) e o tratamento das dependências (questão de saúde), através do Sistema de Justiça Criminal, dos órgãos de saúde, das Escolas e de Conselhos Municipais contra as Drogas. A internação compulsória é uma das medidas que defendo neste blog, desde que seja decisão continue sendo da justiça e que selada a obrigação do Executivo de construir Centros Públicos de Tratamento de Dependências nas cidades sedes de micro-região para abrigar e tratar todo dependente encaminhado pela justiça. Junto a este medida, estes Centros poderiam conveniar com ONGs e Oficinas de apoio para tratar e reincluir na sociedade estas pessoas. Porém, o que precisamos é de uma justiça ágil e desburocratizada  e da disposição do Executivo em construir estes centros e montar equipes especializadas e bem pagas para tratar as dependências.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

PROJETO DE LEI CONTRA DROGAS AUMENTA PUNIÇÃO


ZERO HORA. 03 de janeiro de 2013 | N° 17301

CERCO AO TRÁFICO
Lei contra drogas aumenta punição. Projeto em análise no Congresso prevê uma pena maior a traficantes.


Um projeto em tramitação na Câmara dos Deputados contrapõe duas visões opostas sobre como lidar com o problema das drogas. De autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), o projeto de lei prevê penas mais duras contra traficantes, internação sem consentimento do dependente e criação de uma rede de comunidades terapêuticas para tratamento de longa duração.

Para o deputado, as medidas são necessárias porque é preciso tirar de circulação até mesmo o pequeno traficante. Segundo ele, o usuário nem sempre tem condição de discernir o que é melhor para si e deve existir uma opção de tratamento que afaste o dependente de seu ambiente, mais sujeito ao risco de recaída.

O projeto, que deve ir a plenário em fevereiro, é combatido por grupos que advogam uma visão diferente – caso do Instituto Igarapé, do Rio. Os adversários da proposta entendem que a pena mínima é ineficaz e manda usuários para a prisão, e que internação contra a vontade não funciona.


ENTREVISTA - “Projeto trata pequeno traficante como traficante”

Osmar Terra - Deputado federal, autor do projeto sobre drogas


Zero Hora – O endurecimento das penas atinge o usuário de drogas?

Osmar Terra – O projeto não fala em prisão para o usuário. As penas para ele são alternativas. A pena aumenta é para o traficante. A propagação da droga segue uma lógica viral. Quanto mais vírus, mais pessoas infectadas. Da mesma maneira, quanto mais gente há oferecendo droga na rua, mais pessoas vão experimentar e adoecer. Essas pessoas não deixam de ser dependentes quando querem. Para enfrentar o problema, tem de prevenir, tirando de circulação o agente que causa a dependência.

ZH – Uma crítica apresentada é que pequenos traficantes receberiam penas pesadas.

Terra – O problema é que o pequeno traficante representa 97% do tráfico. É ele que dá capilaridade ao tráfico. O projeto trata o pequeno traficante como traficante.

ZH – Por que o senhor defende a internação sem consentimento do dependente?

Terra – O tratamento precisa ser precoce. Quanto mais demora, mais se agrava o problema. Hoje não se consegue internar uma pessoa que não queira. O dependente que está na rua comendo lixo, que não consegue trabalhar e que vendeu o que havia em casa tem pouca capacidade de discernir o que é bom. Precisa de ajuda. A internação é para desintoxicar.


ENTREVISTA - “Não há critério para diferenciar usuário de traficante”

Ilona Szabó de Carvalho - Especialista em políticas sobre drogas



Zero Hora – Por que a senhora é contra o endurecimento das penas?

Ilona Szabó de Carvalho – Em 2006, já houve endurecimento, com criação da pena mínima, de cinco anos. Desde então, o número de presos aumentou de 62 mil para 134 mil, mas o consumo e o tráfico não diminuíram. Pela lei, o usuário não vai para a prisão. Mas há muito usuário preso, sim. Não há critério objetivo para diferenciar o usuário do traficante.

ZH – O que significa aumentar a pena mínima para oito anos?

Ilona – Agrava o problema. Entre amigos, uma pessoa que passa droga a outra poderia ser considerada traficante e ficar oito anos presa. Há 40 anos seguimos uma política de guerra que não funciona. A gente defende olhar caso a caso, sem pena mínima.

ZH – A internação involuntária é uma boa ideia?

Ilona – É receita antiga, que não funciona. É a volta ao modelo manicomial. Quando tira a pessoa do seu meio e interna contra a vontade, a reincidência é maior do que 90%. Tudo que é involuntário não funciona. A premissa é a pessoa querer se tratar.

ZH – Qual seria a alternativa?

Ilona – O que ajuda é o conceito de redução de danos, com programas de abordagem e consultórios de rua.