COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

domingo, 27 de janeiro de 2013

HIGIENISMO E DESINFORMAÇÃO

ZERO HORA 27 de janeiro de 2013 | N° 17325. ARTIGOS

Marcos Rolim*


Minhas diferenças sobre política de drogas com o deputado Osmar Terra são conhecidas. Há alguns meses, travamos debate exaustivo a respeito (textos em: http://migre.me/cW8xc). Partimos de pressupostos diversos para a construção de uma política pública eficaz. Na discussão de outros temas, já estivemos do mesmo lado. Entendo que o projeto de lei do deputado Terra (PL 7.663/10- http://goo.gl/BGWWN), a par das suas intenções, não deve prosperar. Uma parte dos motivos, resumo aqui.

Inicialmente, é impressionante observar que o PL 7.663/10 esteja sendo apresentado como iniciativa para assegurar internação compulsória.

Primeiro, porque a medida já existe (art. 6º, parágrafo único, III, da Lei 10.216 da Reforma Psiquiátrica) e o PL não altera o que já é lei; segundo, porque o PL trata de outras coisas. Para descobri-lo, é preciso medida excepcional e difícil: ler o projeto. Excepcional, porque ler é uma prática rarefeita no Brasil. Difícil, porque o PL é um cipoal burocrático de normas, parte delas grosseiramente inconstitucional (por violar o princípio federativo, por exemplo), entre as quais se inseriu disposição que, se aceita, poderá redundar em mais de 56 mil funções remuneradas nos Conselhos de Política de Drogas (art. 8-E, § 1º e seus incisos e § 2º, II). Há recomendações intrigantes como “valorizar as parcerias com instituições religiosas, associações e ONGs, na abordagem das questões da sexualidade e uso das drogas” (art. 5-C, VI), afinal, o que as religiões têm de importante a dizer sobre sexualidade e drogas é algo que aguça a curiosidade moderna. No caso brasileiro, especialmente, as denúncias conhecidas sobre abusos praticados em comunidades terapêuticas de orientação religiosa não podem mais ser ignoradas. Mas interessante mesmo é o disposto no § 2º do art. 10º do PL, in verbis: “Na hipótese da inexistência de programa público de atendimento adequado (...), o Poder Judiciário poderá determinar que o tratamento seja realizado na rede privada, incluindo internação, às expensas do poder público”. Uma regra que expõe o curso natural da cruzada moralista: despejar milhares de dependentes em clínicas privadas e mandar a conta para todos nós que não comemos bolinha de cinamomo. Não estamos falando do conjunto de usuários de drogas, claro. Os que serão caçados nas ruas, como já ocorre no Rio e em São Paulo, serão os dependentes do crack. Nesses Estados, eles são “avaliados” por médicos – a maioria recrutada por Simão Bacamarte – que decidem sobre a privação da liberdade, sem acusação e sem defesa. Para “tratamento”, é o que dizem. O fato é que não há evidência a amparar política pública centrada em internação involuntária. Tal medida é, quase sempre, um fracasso recheado por fracassos mais graves, além de porta para abusos de toda ordem.

O higienismo social, pródigo em dividendos eleitorais, inventa uma “epidemia” para justificar a exceção, enquanto a epidemia verdadeira, a do álcool, responsável pela grande maioria das internações e das mortes pelo uso de drogas, não gera alarme; só lucro e hipocrisia. No mais, se assegura clientela às clínicas psiquiátricas, ao invés de se investir nos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps-AD) e em redução de danos. E tudo sob o aplauso geral e sem uma pergunta procedente. Não é perfeito?



*JORNALISTA

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