OPINIÃO
Ao completar um ano, confirma-se aquilo que ficara evidente desde as primeiras ações da Operação Centro Legal, destinada a combater o uso e o tráfico de drogas na Cracolândia, cuja situação, sem falar no drama humano vivido pelos dependentes, é uma das principais responsáveis pela degradação da região central da capital paulista - ela é um total malogro. Apesar dos esforços das autoridades para demonstrar que, se o seu otimismo inicial era exagerado, mesmo assim houve algum progresso, a verdade é que a situação piorou em alguns aspectos.
De acordo com dados da Secretaria Estadual da Justiça, que coordena as ações na Cracolândia, foram realizadas 152.995 abordagens de dependentes e feitas 1.363 internações para tratamento. Houve 763 prisões em flagrante, das quais 211 de condenados pela Justiça, e foram apreendidos 100 quilos de drogas, sendo um terço de crack. Qualquer um que passe pela região, de dia ou de noite, constata que esses números pouco significam. Tudo continua quase como antes da operação - centenas de dependentes consumindo crack nas ruas, comprado à vista de todos. Um exemplo é a Rua Helvétia, um dos principais pontos de atuação da polícia no início da operação.
O "quase" vai por conta de um agravamento do quadro, provocado pela dispersão dos dependentes. A tática da Polícia Militar de obrigá-los a circular constantemente para evitar sua concentração em alguns poucos locais - as chamadas "procissões" - se revelou equivocada. E desastrada. Em consequência dessa migração forçada, existem hoje várias minicracolândias, espalhadas tanto pelo espaço original da Cracolândia como por bairros vizinhos, principalmente Santa Cecília. Até por um bairro como Higienópolis circulam pequenos grupos de dependentes.
Outra consequência negativa dessa dispersão é que ela complica o trabalho dos agentes de saúde e de assistência social. Sua abordagem dos dependentes, divididos agora em pequenos grupos que se deslocam com frequência, para tentar convencê-los a se tratar - uma ação de importância fundamental para a solução do problema -, ficou agora ainda mais difícil.
Outros equívocos marcaram a ação da polícia. Em vez de promover as "procissões" que deram no que deram, a polícia deveria ter concentrado seus esforços no combate ao tráfico de drogas. Salta aos olhos que a caça aos pequenos traficantes, que agem às claras e cujo rastreamento pode levar aos graúdos, é mais fácil num espaço relativamente pequeno e bem delimitado como o da Cracolândia.
Mas o principal equívoco, do qual os demais decorrem, foi a falta de coordenação - pelo menos na primeira fase da operação - entre a ação policial e a dos agentes de saúde e de assistência social. A ação desses últimos não predominou como deveria, porque nem o governo do Estado nem a Prefeitura da capital dispunham dos recursos humanos e de clínicas de tratamento e recuperação de dependentes em quantidade suficiente.
Há felizmente alguns sinais de que o governo do Estado, embora sem admitir isso explicitamente, está disposto a corrigir os rumos da Operação Centro Legal. O primeiro deles é o reconhecimento pelo governador Geraldo Alckmin daquilo que sempre foi evidente para os especialistas, isto é, que este é um trabalho lento, que exige paciência. O problema não pode ser resolvido com operações rápidas e ruidosas. "A gente tem consciência do problema. Não vai resolver rápido. É uma tarefa permanente", diz ele.
Outro sinal animador é a disposição manifestada pelo governador de promover, em ação coordenada com a Justiça, o Ministério Público e a OAB, a internação involuntária de dependentes de drogas. Um grupo de juízes e promotores poderá determinar a internação, com base em parecer de equipe médica, mesmo sem o consentimento dos dependentes, mas com a concordância da família. Isto valerá, segundo Alckmin, "para os casos mais graves, que comprometem a vida e a saúde das pessoas".
Logo saberemos se isso são apenas boas intenções.
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