GUSTAVO URIBE (
MARCELLE RIBEIRO(
O GLOBO
Atualizado:22/01/13 - 22h56
SÃO PAULO — O programa do governo de São Paulo para acelerar as internações compulsórias de usuários de droga tem esbarrado na burocracia do próprio governo estadual e na incapacidade para dar conta do número de pessoas que procuram ajuda para parentes e amigos. O governo estadual anunciou dispor de 691 leitos para a internação de usuários de drogas, dos quais 360 estão na capital paulista, mas a disponibilidade dessas vagas não é imediata. Na madrugada de segunda-feira, no primeiro dia da iniciativa estadual, os dez leitos temporários disponíveis no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) já estavam preenchidos. Nesta terça-feira, membros do anexo do Poder Judiciário, instalado no centro de referência, reclamavam da falta de leitos temporários para a internação de novos dependentes químicos que chegaram ao local. A burocracia em disponibilizar vagas em clínicas de reabilitação, o que poderia desafogar os leitos temporários no centro de referência, também foi alvo de críticas.
À espera da autorização de uma vaga em uma clínica de reabilitação, Reinaldo Rocha Mira, de 62 anos, usuário de crack, aguardou mais de 24 horas em um leito temporário no centro de referência. O homem foi levado dopado pela filha, Ana Paula Mira, na segunda-feira, por volta das 12h. Após pernoitar no local, sua internação involuntária no Hospital Psiquiátrico Lacan, em São Bernardo do Campo (SP), foi autorizada apenas às 13h de ontem. Ele deixou o centro de referência rumo à clínica de reabilitação por volta das 16h. Outro episódio de espera foi o de Denis Santos Navarro, de 18 anos, usuário de crack. O jovem pediu a internação voluntária na segunda-feira, por volta das 12h. Nesta terça-feira, no mesmo horário, não havia ainda definição sobre o local a que ele seria levado para o processo de reabilitação. Com a indefinição, ele cogitou a até mesmo abandonar o centro de referência.
— Eu estou há mais de um dia aqui e não há nenhuma expectativa de ser levado para uma clínica. Não sei se vou aguentar ficar aqui tanto tempo. Acho que vou partir hoje (ontem) — disse ele, que até o final da tarde permanecia no local.
Parentes buscam até usuários desaparecidos
A esse cenário de espera se soma outro problema: a quantidade de pessoas que tem procurado por ajuda no local. O plantão judiciário nem bem havia começado ontem e o centro de referência já tinha grande procura. Até as 10h, 12 pessoas passaram pela triagem e 10 ligações tinham sido atendidas com pedidos de informações. Na segunda-feira, foram 39 atendimentos, com duas internações involuntárias e três voluntárias. Quem procura o local encontra médicos durante o dia. Mas o plantão jurídico, que vai determinar a necessidade ou não de internação compulsória, só funciona das 9h às 13h.
O esforço do governo estadual, que tinha inicialmente como foco cuidar de casos mais graves, sobretudo de internação compulsória, passou a atender desde episódios de internações voluntárias até internações involuntárias, que não necessitam de determinação judicial e costumam ser solicitadas por parentes. Por falta de informação, muitos familiares também buscavam por ajuda em casos de usuários de drogas que estão desaparecidos. O presidente da Comissão Antidrogas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cid Vieira de Souza Filho, ressaltou que o ideal é que, antes de procurar o centro de referência, as famílias se dirijam aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), subordinados à prefeitura:
— Nós estamos acompanhado o sofrimento das famílias, mas não adianta trazer para cá, achando que vai internar aqui. Aqui é feita uma triagem e, se tiver recomendação médica, vai ser acionado o plantão jurídico para que, se for o caso, postule uma internação — afirmou.
Ao ser perguntada sobre as reclamações em torno da burocracia na oferta de vagas, a coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas da Secretaria da Saúde, Rosângela Elias, justificou que os postos são solicitados a partir das características de cada paciente.
Ela afirmou que, por ter 62 anos, o dependente químico Reinaldo Rocha Mira não se encaixava em qualquer vaga, uma vez que não poderia ser colocado em uma enfermaria com pessoas mais jovens. De acordo com ela, em muitos dos casos, há recomendações para que os dependentes químicos permaneçam no centro de referência por “cinco ou oito dias”. Ela disse que, no local, os pacientes já estão passando por tratamento.
— Ele está acolhido aqui, dentro do serviço. Em muitos dos casos, a recomendação é de ficar aqui por cinco ou oito dias, pois isso é um espaço de tratamento. Se ele melhorar, ele segue o atendimento ambulatorial. Ele pode também dar continuidade em outra unidade. Isso é uma conduta clínica, não existe uma receita de bolo para todo mundo, onde as pessoas vão se encaixando. A gente faz a história a partir de cada caso, cada pessoa — afirmou.
Depois de um encontro pela manhã com o prefeito Fernando Haddad, o governador Geraldo Alckmin admitiu ter sido surpreendido pela procura e prometeu mais investimentos:
— É uma tarefa difícil, mas não vamos desistir. O que nos surpreende é que a as famílias estão procurando. A mãe não desiste — disse ele — Se precisar, nós ampliaremos e vamos atender a quem precisa.
O psiquiatra Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, defende a internação compulsória de viciados em drogas, mas diz que ela não pode ser feita como “limpeza urbana”. Ele avalia que, ao deixar as pessoas na rua, sujeitas ao vício, é como se o governo estivesse permitindo um “suicídio assistido”. Segundo ele, trabalhos científicos mostram que não há diferença de resultados entre internações compulsória e voluntária e que os resultados são melhores que o de outras medidas.
— Tem de ter ambulatórios, médicos e hospitais para atender os viciados e tudo isso é um tratamento complexo e caro. E, normalmente, os estados não têm unidades e pessoal estruturados para atender o pós-internação — disse.
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