ESCRAVO DO CRACK
Do conforto à miséria
A derrocada do jovem de família abastada preso na manhã de ontem em Porto Alegre por envolvimento no roubo de carros e de pelo menos um apartamento tem o vício em crack entre seus ingredientes. Conforme a polícia, Francisco Negrão Cauduro, 30 anos, roubava automóveis para recolher em seu interior objetos e itens que pudessem ser trocados em bocas de fumo. Depois, abandonava o veículo.
Até seis meses atrás, o rapaz vivia no conforto da residência familiar, depois de um ano de tratamento contra a dependência. Ao ser capturado pela polícia, tinha como endereço um quarto de menos de 10 metros quadrados em um cortiço, dividido com uma namorada também viciada. Entre um momento e outro houve uma recaída no crack – acompanhada por mergulho no crime e na violência.
Filho de um engenheiro civil já falecido e irmão de um dentista, Cauduro cresceu em uma família de posses. O envolvimento com drogas teria iniciado ainda na adolescência. Em 2000, seguindo os passos do pai, chegou a ingressar no curso de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), mas não conseguiu completar sequer o primeiro semestre. A dependência química teria desempenhado um papel no abandono da faculdade, segundo pessoas próximas.
A prisão efetuada ontem não foi a primeira vez em que Cauduro virou notícia. Em 2006, sua trajetória produziu uma tragédia. Dia 4 de janeiro, depois de deixar uma casa noturna, ele perdeu o controle do Astra que dirigia em alta velocidade, e bateu contra um táxi e uma árvore, na Capital. Leônidas Araújo Granville, 24 anos, que estava sentado no banco traseiro, foi atingido pela árvore e morreu. Outros dois ocupantes ficaram feridos. Cauduro responde pelo caso na Justiça.
Outra tragédia ocorreu em 1999. Seu irmão mais velho, Pedro Luiz Negrão Cauduro, então com 19 anos, foi executado com um tiro nas costas no bairro Teresópolis. Foi vítima de uma disputa de poder entre gangues rivais.
Em 2011, chegou a passar por uma clínica para desintoxicação. Porém, recaiu e saiu de casa, afastando-se da família. Nos últimos tempos, vivia de aluguel em um quarto escuro e imundo, na zona sul de Porto Alegre. O espaço era compartilhado com a namorada, uma ex-estudante de Direito, também usuária de crack, que revelou à polícia prostituir-se para comprar a droga.
– Eles viviam em situação miserável. Viraram escravos do crack – afirma o delegado César Carrion.
Relação com roubo de carros é investigada
As investigações da 2ª Delegacia da Polícia Civil apontam que Francisco Negrão Cauduro teria envolvimento no roubo de pelo menos nove veículos desde a metade do ano passado. O interesse não seriam os carros em si, mas pertences das vítimas, principalmente eletrônicos, que poderiam virar moeda de troca em bocas de fumo.
Cauduro acabou por facilitar o trabalho da polícia, fornecendo provas em abundância contra si próprio. Na peça que dividia com a namorada, na Zona Sul, ainda mantinha ontem várias bolsas e a agenda do proprietário de um Civic roubado no ano passado. Além disso, na máquina fotográfica de uma das vítimas, havia registrado imagens de objetos obtidos em diferentes crimes. Em uma das fotos, posava com a camisa de uma vítima.
A prisão de ontem foi a segunda de Cauduro neste ano. No dia 4 de janeiro, foi detido com um revólver calibre 38, mas acabou liberado. Um comparsa, no entanto, foi reconhecido pelo roubo de um veículo e autuado em flagrante.
– Agora, vamos contar com os reconhecimentos de vítimas e avaliar os materiais apreendidos com ele para fechar os inquéritos em que está envolvido – explicou o delegado César Carrion.
Um dos crimes que a polícia investiga ocorreu na madrugada do Natal. Quando deixavam a ceia em uma residência do bairro Glória, vários integrantes de uma família teriam sido abordados por Cauduro e um parceiro. A dupla exigiu as chaves e fez a limpa em três veículos. Levaram o quarto, um Fit, encontrado dias depois na Zona Leste. Dos nove roubos de carros atribuídos a Cauduro, há dois em que o veículo ainda não foi recuperado.
O assalto à residência em que o viciado em crack estaria envolvido ocorreu em um apartamento da Azenha, no mês passado, de onde foram levados em torno de R$ 20 mil em joias, roupas e equipamentos, além de três armas que a vítima, um empresário, guardava no local.
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