EDITORIAIS
A semana foi marcada por dois fatos significativos e, aparentemente, antagônicos em relação às políticas de combate às drogas. Na segunda-feira, a Organização dos Estados Americanos divulgou um relatório defendendo a flexibilização das ações de repressão contra a maconha, sugerindo claramente a substituição do modelo atual de criminalização do tráfico e do consumo pela legalização da produção, venda e consumo da droga. O estudo da OEA, encaminhado aos 35 países filiados à entidade como referência para a formulação de novas políticas antidrogas, foi celebrado por defensores da legalização, entre os quais o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente colombiano César Gaviria, o ex-presidente chileno Ricardo Lagos, o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo, o ex-secretário de Estado norte-americano George Shultz, o ex-presidente do Federal Reserve Paulo Volcker, e a ex-alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos Louise Arbour, todos integrantes da Comissão Global de Política sobre Drogas e todos signatários de um artigo favorável ao uso legal da maconha por adultos, publicado em vários jornais do mundo.
O outro fato foi a aprovação pela Câmara dos Deputados do Brasil do substitutivo do deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL) ao projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) que atualiza a Lei sobre Drogas no país, aumentando a pena para traficantes e introduzindo a internação involun- tária para usuários.
Os dois eventos merecem profunda reflexão. É importante reconhecer que a decisão da OEA e a posição das autoridades mencionadas decorrem do fracasso da política repressiva que vem sendo adotada há mais de quatro décadas no continente. O que pregam os integrantes da Comissão Global é a substituição da criminalização por uma abordagem de saúde pública e a experimentação de modelos de regulação legal de drogas ilícitas com o propósito de reduzir o poder do crime organizado. Porém, por mais sensata que tenha sido a recomendação da ONU, ela está sendo interpretada em vários países como um estímulo ao consumo, principalmente por grupos de usuários e simpatizantes que promovem marchas pedindo a descriminalização. “Liberen a Maria”, diziam as faixas portadas por jovens em Buenos Aires (foto), em Santiago e também no Rio de Janeiro.
Em contrapartida, uma leitora que usa o pseudônimo Márcia nos encaminhou esta mensagem contundente sobre o artigo publicado pelo deputado Osmar Terra na última quarta-feira:
“Diante da manifestação do deputado federal Osmar Terra, percebi a validade de meu voto. Acredito que a repressão ao tráfico de drogas, bem como ao seu consumo, é medida urgente que deve ser aplicada de forma rigorosa e com apoio unificado da sociedade e do Estado.
Qualquer membro dos três poderes que seja a favor da “liberação da maconha” merece ser investigado. Não é possível, frente à epidemia em questão, que alguém possa achar que a liberação é apropriada, ainda mais neste momento de caos.
Talvez pense assim quem ganha dinheiro com isso, o que não é o caso da minha família. Meus pais possuem uma renda familiar de aproximadamente 30 salários mínimos. Somos três filhos e uma das minhas irmãs teve diagnóstico de bipolaridade e transtorno de personalidade aos 21 anos, em sua primeira internação em uma clínica psiquiátrica por 170 dias, após descobrirmos que era usuária de cocaína injetável. Antes, desde os 15 anos, por rejeição social em função da doença, já frequentava consultórios de psicólogos e psiquiatras. Começou com a maconha e o álcool aos 15 anos; aos 18 passou a cheirar cocaína; aos 19 passou a injetá-la, sempre com o acompanhamento médico e da família. Hoje, aos 34, é usuária de crack. Meus pais devem aproximadamente R$ 400 mil, entre dívidas bancárias e médicas para cobrir os prejuízos causados por ela. E já não possuem mais casa própria nem carro. Não convivem socialmente, porque se sentem consternados, envergonhados, enfraquecidos, endividados e impotentes. Não sonegam impostos, seus descontos são feitos diretamente em folha. Não passamos Natal e final de ano juntos há 15 anos porque não é possível colocar a tia em contato com os sobrinhos. Não viajamos juntos porque não há dinheiro para isso. Tivemos que gastar com internações, ritalina, psiquiatras, etc. Não tivemos festa de formatura, nem de 15 anos, pelos mesmos motivos. Também não houve confraternização no nascimento dos novos e pequenos membros da família, pelo mesmo motivo.
As drogas impõem muitas perdas à família e à sociedade, principalmente afetivas e sociais. Mas ainda temos esperança em ver a população unida a um Estado com bom senso. É o que nos resta.”
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