ZERO HORA 28 de outubro de 2015 | N° 18338
CAETANNO FREITAS
VENDIDA COMO LSD
COMERCIALIZADO EM SELOS com desenhos na maior parte do casos, NBOMe tem efeitos similares aos da dietilamida do ácido lisérgico, mas há alto risco de morte por overdorse com porções menores
Em uma festa no velódromo da Universidade de São Paulo, na zona oeste da capital paulista, o estudante Victor Hugo dos Santos, de 20 anos, morre após ingerir uma substância alucinógena. Três jovens com idades entre 17 e 20 anos compram pó, em Caxias do Sul, pensando ser cocaína. Cheiram e, de forma quase instantânea, começam a ter convulsões, um deles entra em coma. Os dois casos – em setembro de 2014 em São Paulo e no mês passado na Serra – têm personagem em comum: o NBOMe, nova droga sintética que engana usuários e preocupa autoridades em todo país.
O Rio Grande do Sul é o terceiro, ao lado do Rio Grande do Norte, no ranking de apreensões de NBOMe pela Polícia Federal. Os dois Estados concentram 7,78% das 10 mil unidades recolhidas. A maioria é encontrada em São Paulo (31,11%) e no Paraná (13,33%).
Apesar de vendido como LSD – na maioria das vezes em selos –, é mais forte, com alto nível de toxicidade. O gosto amargo é a principal diferença em relação à droga sintética conhecida como “doce”.
– O NBOMe tem mecanismo de ação muito similar ao do LSD. É um alucinógeno, o que é buscado pelo usuário. Só que os efeitos tóxicos são muito mais graves. Há alto risco de overdose em porções menores – afirma o perito criminal da Polícia Federal Rafael Ortiz.
A concentração do princípio ativo em doses de NBOMe, também encontrado em pó, líquido, cápsulas ou comprimidos, pode ser até 40 vezes mais alta do que no LSD, dependendo da forma como é consumido. Além disso, o tempo de ação chega a 12 horas, quase o dobro da duração média do LSD.
– A viagem, como os usuários falam, é mais longa e pesada. Tudo isso acaba sendo uma propaganda para o traficante, que convence os usuários dizendo que é LSD “do bom”. Na realidade, é o NBOMe, muito mais agressivo – salienta o delegado do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) Mário Souza.
CONFIRMAÇÃO SÓ DEPOIS DA PERÍCIA
Em 2015, o Denarc registrou salto de quase 180% nas apreensões de LSD, em relação 2014. Parte da explicação para o aumento está no surgimento do NBOMe, que só pode ser detectado pela perícia.
– Nesse ano, somente nos primeiros cinco meses, o número de solicitações de perícia da PF para identificar NBOMe em apreensões foi praticamente o mesmo que em todo o ano de 2013 – aponta o farmacêutico bioquímico Carlos Alberto Wayhs, que pesquisa o perfil das apreensões da droga no Brasil.
Segundo Wayhs, ainda são raros dados sobre o uso da nova droga, e o conhecimento dos efeitos à saúde são provenientes de casos de intoxicações que levaram ao hospital, permitindo avaliações.
– É importante expandir esse conhecimento para dar suporte ao tratamento adequado e ao diagnóstico correto – analisa Renata Limberger, coordenadora do Laboratório de Análises e Pesquisa em Toxicologia da Faculdade de Farmácia da UFRGS.
Droga era “legalizada” no Brasil até ano passado
O conhecimento toxicológico do NBOMe é tão recente quanto sua proibição. Na Europa e nos EUA, foi vetado apenas em 2013. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só incluiu a droga na lista de substâncias proibidas em fevereiro de 2014.
Antes disso, era conhecido como LSD “legal” ou “genérico”. Traficantes saíam impunes na Justiça, pois peritos não conseguiam atestar presença de dietilamida do ácido lisérgico nas apreensões e ainda não se sabia como identificar NBOMe.
– Com certeza, todos os casos até 2014 não foram penalizados, porque a Anvisa não considerava o NBOMe uma droga até então. A análise química das substâncias apreendidas necessita de uma certeza muito elevada, porque é a partir da comprovação no laudo que a pessoa é penalizada, configurando a materialidade do crime – sustenta o perito criminal da Polícia Federal Rafael Ortiz.
A falta de informações sobre a droga fica evidente na dificuldade enfrentada pelo Instituto-Geral de Perícias do Estado. Zero Hora teve acesso a seis laudos, emitidos entre dezembro de 2013 e abril de 2015 e, em nenhum deles, foram constatados componentes químicos do LSD, embora todos tenham sido solicitados a partir de apreensões da droga.
Em duas das perícias, foram encontradas ketamina e brolanfetamina, substâncias que aparecem, geralmente, em conjunto com o NBOMe.
Atualmente, são conhecidos ao menos 11 tipos de compostos psicoativos do NBOMe. Quatro deles já foram identificados no Brasil.