COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

PRÍNCIPE HENRY VISITA A REGIÃO DA CRACOLÂNDIA EM SÃO PAULO

GLOBO.COM. EGO NOTÍCIAS, 26/06/2014

De acordo com jornalista Richard Palmer, herdeiro do trono real quis saber como a cidade está lidando com o problema do vício em drogas.

Do EGO, em São Paulo



Príncipe Harry e Fernando Haddad (Foto: Thiago Duran e Marcelo Brammer/AgNews)

Após participar de jantar em comemoração ao aniversário da Rainha, o Príncipe Harry visitou, nesta quinta-feira, 26, a região da Cracolândia em São Paulo, onde conhece o projeto "Braços Abertos". O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, acompanhou a visita.


Segundo o jornalista Richard Palmer, que está acompanhando todos os passos de Harry pelo Brasil, o quarto na linha de sucessão ao trono real real quis saber como as autoridades da cidade estão controlando o uso da droga e como têm encontrado emprego, moradia e o tratamento necessário para os dependentes. Harry conheceu ex-usuários, que são pagos para limpar as ruas como parte da sua reabilitação.

O repórter ainda falou que a situação no local, antes da chegada de Harry, era tensa. O policiamento foi reforçado. 

O príncipe volta para Inglaterra, nesta quinta-feira, 26. Esta é a segunda visita de Harry ao Brasil. A primeira aconteceu em 2012, quando ele conheceu o Rio de Janeiro e Campinas.

Desta vez, ele esteve em Brasília, onde visitou o Hospital de Reabilitação da Rede Sarah e ainda fez canoagem com funcionários e pacientes do hospital. Ele também esteve em Belo Horizonte, onde conheceu o centro de treinamento olímpico da Inglaterra para as Olímpiadas 2016 e assitiu à partida entre a Inglaterra e Costa Rica no Mineirão.

Príncipe Harry com ex-usuário de drogas (Foto: Reprodução/ Twitter)



Príncipe Harry chega à Cracolândia para visitar projeto (Foto: Thiago Duran e Marcelo Brammer/AgNews)

Príncipe Harry chega à Cracolândia para visitar projeto (Foto: Thiago Duran e Marcelo Brammer/AgNews)

Príncipe Harry chega à Cracolândia para visitar projeto (Foto: Thiago Duran e Marcelo Brammer/AgNews)

Príncipe Harry chega à Cracolândia para visitar projeto (Foto: Thiago Duran e Marcelo Brammer/AgNews)


Príncipe Harry chega à Cracolândia para visitar projeto (Foto: Thiago Duran e Marcelo Brammer/AgNews)

Príncipe Harry no centro de comando da polícia na Cracolândia (Foto: Reprodução/ Twitter)

Príncipe Harry na Cracolândia (Foto: Reprodução/ Instagram)

UM PRÍNCIPE NA CRACOLÂNDIA


ZERO HORA 27 de junho de 2014 | N° 17842

PASSEIO REAL



A realeza britânica esteve ontem na Cracolândia, em São Paulo. Pela manhã, o príncipe Harry visitou a região, interagiu com dependentes químicos e conheceu as instalações do programa Braços Abertos, coordenado pela prefeitura, que busca oferecer dignidade aos dependentes químicos por meio de trabalho e hospedagem em hotéis da região sem obrigá-los a deixar de usar drogas.

Harry chegou acompanhado por uma escolta de 10 carros (entre seguranças e policiais federais). Conversou e tirou fotos com dependentes químicos e, depois, seguiu para o galpão dos garis contratados pela prefeitura, onde conheceu alguns dos 394 inscritos no programa. Um deles era Evandro Martins da Silva Júnior, 28 anos, que disse ter pesquisado sobre Harry antes de conhecê-lo pessoalmente:

– Sei que é filho da princesa Diana, esteve no Afeganistão e já fumou maconha.

Sem usar drogas há três meses, a gari Ieda Santos da Silva, 56 anos, foi uma das que conseguiu uma foto com o príncipe:

– Me senti muito especial. Ele fez questão de colocar a mão no meu ombro, sorrir para a câmera e me cumprimentar. Vou lembrar para o resto da minha vida.

Cerca de 30 minutos após Harry ir embora, a rotina do bairro voltou ao normal e os dependentes químicos retornaram às ruas para consumir droga na Cracolândia.


sábado, 14 de junho de 2014

FACES OCULTAS DA MALDADE


ZERO HORA 14 de junho de 2014 | N° 17828

NILSON MARIANO


DESASSISTÊNCIA SOCIAL COMBINADA com impunidade alimenta crimes e maus-tratos, dos mais rumorosos aos que, de tão corriqueiros, tornam-se invisíveis



As pessoas se horrorizam quando veem na TV as crianças feridas por bombardeios na já prolongada guerra civil da Síria, no Oriente Médio. Ficam indignadas quando alguém atira uma pedra num cachorro de rua e depois se põe a rir dos ganidos do bicho a capengar. Mas até que ponto se consegue perceber as maldades ocultas? Ou aquelas que, de tão rotineiras, já anestesiaram nossos sentimentos?

A crueldade humana é ancestral, repete-se à exaustão, mas pode assumir faces quase invisíveis – e nem por isso menos devastadoras. Um convite à reflexão foi feito no início do mês, em Porto Alegre, durante a 11ª jornada de saúde mental promovida pelo Centro de Estudos de Literatura e Psicanálise Cyro Martins (CelpCyro). A proposta foi alertar para as perversidades atuais, especialmente as silenciosas e que se alongam até virar parte da paisagem.

Presidente do CelpCyro, o psiquiatra Cláudio Meneghello Martins destaca que uma das maldades em andamento, e que parece não comover os brasileiros, é a epidemia de crack. Adverte que os 2,6 milhões de viciados no país – o cálculo é da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e inclui os dependentes de cocaína – rumam para um genocídio anunciado.

– A história mostrará esse exército de zumbis – diz Cláudio Martins, filho do escritor e psicanalista Cyro Martins (1908-1995).

Durante a II Guerra Mundial, ignorou-se o holocausto dos judeus nos campos de concentração nazistas, a humanidade demorou para notar a tragédia. Ressalvadas as proporções, Cláudio entende que miopia similar ocorre em relação aos acorrentados pelo crack. Pondera que os fantasmas do entorpecente vagando pelas cidades resultam de uma nova forma de maldade: a falta de assistência pública à saúde.

– São os maus-tratos da desassistência. Quando tiram o recurso público para a assistência, estão fazendo um maltrato geral – diz Cláudio, também diretor secretário da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).


sexta-feira, 13 de junho de 2014

NOVA APREENSÃO RECORDE DE ECSTASY NO RS

DIÁRIO GAÚCHO, 12/06/2014 | 23h43

Polícia realiza nova apreensão recorde de ecstasy no Estado. Um homem de 24 anos foi preso com 1.315 comprimidos



Foto: Divulgação / Delegacia de Homicídios de Canoas


Carlos Ismael Moreira

A Delegacia de Homicídios (DH) de Canoas apreendeu nesta quinta-feira a maior quantidade de comprimidos de ecstasy da história do Estado. É a segunda vez que o recorde é quebrado em menos de uma semana.

Um homem de 24 anos foi preso com 1.315 comprimidos nas cores vermelha e bege, além de R$ 2,5 mil, por volta das 17h, quando embarcava na estação do Canoas do trensurb, com destino à Capital.

De acordo com o titular da DH de Canoas, delegado Marco Antônio Guns, o homem teria escolhido o horário da estreia da Seleção Brasileira no Mundial por acreditar que não haveria policiamento. Após receber uma denúncia, contudo, os agentes capturaram o suspeito.

— Todos os elementos informativos iniciais apontam que a droga iria abastecer a fan fest em Porto Alegre — afirmou Guns.

A droga estava embalada em uma folha de um jornal do Rio de Janeiro e a polícia suspeita que os comprimidos tenham sido trazidos daquele Estado. Segundo o delegado, o preço de cada unidade pode variar de R$30 até R$100.

O preso foi encaminhado para a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de Canoas para registro do flagrante e, depois, levado para o Presídio Central de Porto Alegre.

A maior apreensão de ecstasy no Estado havia sido realizada na noite de sexta-feira. Agentes do Denarc prenderam um homem de 38 anos, no Bairro Ouro Branco, em Novo Hamburgo, com 916 comprimidos nas cores laranja, bege, rosa e vermelha.

domingo, 8 de junho de 2014

ECTASY, A MAIOR APREENSÃO DA HISTÓRIA DO RS

DIÁRIO GAÚCHO 08/06/2014 | 11h05

Denarc faz a maior apreensão de ecstasy da história no Estado. Dono de estacionamento de Novo Hamburgo foi flagrado com 916 comprimidos da droga sintética. Suspeita é de que ecstasy seria distribuído em festas durante a Copa



Foto: DENARC / Polícia Civil

Eduardo Torres


Um homem de 38 anos, proprietário de um estacionamento e lancheria no Bairro Ouro Branco, em Novo Hamburgo, foi preso na noite de sexta com uma quantidade recorde, para o Estado, de comprimidos de ecstasy. Foram apreendidos 916 comprimidos nas cores laranja, bege, rosa e vermelha. Os agentes da 4ª Delegacia de Investigações do Narcotráfico (4ªDin), do Denarc, encontraram a droga escondida entre o forro do escritório da empresa e um armário na casa do suspeito.

A operação denominada "Sem bala na Copa" foi desencadeada depois de um mês de investigações. O homem preso é apontado como o maior distribuidor de drogas sintéticas no Vale do Sinos.

De acordo com o delegado Cleomar Marangoni, a suspeita é de que os comprimidos eram buscados em balneários de Santa Catarina - a principal porta de entrada da droga vinda da Europa - e seriam distribuídos a traficantes, em maior intensidade, durante as festas públicas da Copa do Mundo em Porto Alegre.

Além do ecstasy, os policiais apreenderam 32g de maconha, 4,9g de cocaína, 25 pontos de LSD, uma pistola calibre 6.35, munição e pouco mais de R$ 1,2 mil. Também foram recolhidos um caderno de anotações do tráfico e um veículo Megane.

A maior marca de ecstasy apreendida em uma única ação da polícia no Estado havia acontecido em 2009, quando foram apreendidos 800 comprimidos no Bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre.


DIÁRIO GAÚCHO

segunda-feira, 2 de junho de 2014

JOVENS, RICOS E TRAFICANTES

GQ BRASIL 31/05/2014

POR BRUNO ABBUD


UM EM CADA 10 TRAFICANTES DE SÃO PAULO É DE CLASSE ALTA, APONTA UM LEVANTAMENTO INÉDITO OBTIDO PELA GQ. ACOMPANHAMOS A ROTINA DE TRÊS DESSES JOVENS NASCIDOS EM FAMÍLIAS MILIONÁRIAS PARA ENTENDER COMO ELES ABANDONARAM UMA VIDA DE LUXO EM BUSCA DE ENRIQUECIMENTO RÁPIDO E PRESTÍGIO NO MUNDO DO CRIME



DE ELITE: RAFAEL* (FOTO) FOI SEIS VEZES CAMPEÃO DE HIPISMO E ESTUDOU NOS MELHORES COLÉGIOS DE SÃO PAULO. AINDA ASSIM, OPTOU POR VENDER DROGAS E ACABOU PRESO (FOTO: PEDRO ABBUD)



Todas as câmeras de vigilância das mansões vizinhas funcionam perfeitamente quando Daniel*, no terceiro andar da casa onde mora com os pais no Jardim América, bairro nobre de São Paulo, apoia a sola do sapato sobre a cama king size, escala um armário e apanha do esconderijo a pistola automática austríaca Glock 17.9 milímetros, comprada por R$ 3 mil no mercado negro. Daniel empunha a arma com a mão direita, volta a sentar e diz, com vaidade: “Sempre deixo carregada”. Segundos depois, ele se levanta e se estica novamente para guardar a ferramenta que costuma servir mais para assustar clientes negligentes do que para cuspir balas. Aos 23 anos, três escolas particulares no currículo (entre elas o conceituado colégio italiano Dante Alighieri) e um curso de administração pela metade, o traficante está prestes a enfrentar 14 horas de estrada até a fronteira com o Paraguai, onde integrará uma reunião com dois fornecedores da maconha que compra todas as semanas. Em um carro popular – “É para não chamar atenção”, justifica –, Daniel pisa no acelerador até o ponteiro ultrapassar os 170 km/h. Ele tem pressa. O rugido do motor na noite vazia é interrompido para a compra de energéticos. Ao chegar a Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira, ele estaciona em uma churrascaria, cumprimenta os contrabandistas, senta-se à mesa e pede, além de uma Coca-Cola, uma amostra da erva. Caminha até o carro, enrola um cigarro, fuma. Ao voltar à negociação, ele recusa a oferta. Irritado por ter perdido tempo, Daniel explica àGQ – que o acompanhou na viagem – que a maconha não tem qualidade o bastante para a classe alta paulistana.

Daniel nasceu e foi criado em uma mansão de 23 cômodos e três empregados do Jardim América, que hoje também lhe serve de escritório para o tráfico. A adolescência foi marcada por episódios de indisciplina, como no dia em que furtou e capotou o carro do pai na Marginal Tietê. Aos 18 anos, começou a comprar maconha para vender nas imediações da universidade que frequentava no centro de São Paulo. Desde então, o jovem percorreu um caminho evolutivo no mundo do tráfico. Aprendeu que, para ganhar dinheiro, era preciso trabalhar com um produto de qualidade. Com alguma sorte, encontrou o caminho que leva à maconha pura. Um de seus fornecedores em São Paulo começou a lhe dever dinheiro, e sugeriu uma única forma de pagamento: apresentar o garoto rico aos contrabandistas que comercializavam grandes quantidades de maconha no Paraguai. Compensou.

Nos últimos meses de 2013, especialmente por conta das festas de fim de ano, Daniel lucrou R$ 150 mil por mês com a venda de maconha orgânica para a alta sociedade paulistana. Ele é um traficante de elite, um mordomo poderoso que controla a entrada de suprimentos em regiões nobres de São Paulo – especialmente os Jardins, onde nasceu. Vai pessoalmente às plantações, acompanha a produção da carga e paga R$ 1 mil a um “mula” que transporta a encomenda até São Paulo. Na capital paulista, Daniel tem distribuidores que repassam a erva aos consumidores finais – tem em sua lista filhas de empresários, netos de banqueiros, celebridades.

O negócio nunca esteve tão bom – apenas nos últimos meses, lucrou pelo menos R$ 500 mil. Seu plano é continuar no patamar em que sempre esteve durante a vida. Por isso não para com a atividade – que além de cédulas azuis lhe rende prestígio e um tanto da adrenalina em que é viciado. Ele planeja juntar pelo menos R$ 5 milhões, abandonar o tráfico e ir morar num lugar tranquilo. Até esse dia chegar, ele nem imagina o que o espera. “Posso ficar mais um mês ou mais dez anos nessa vida, nunca sei”, diz o traficante, que afirma pagar mensalidades a policiais corruptos (para não ser preso) e à facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC (para garantir segurança na cadeia caso seja preso).


Em 2009, Daniel costumava desembolsar uma mensalidade de R$ 7 mil para agradar um delegado bem posicionado na hierarquia da Polícia de São Paulo. Também pagava taxas mensais a um gerente do PCC que, em troca, autorizava o jovem bem-nascido a vender maconha. Difícil evitar a facção. Segundo o promotor Alfonso Presti, que coordena a Central de Inquéritos Policiais e Processos (CIPP) do Ministério Público de São Paulo, mexer com drogas na capital paulista significa negociar com o PCC. “A totalidade da maconha e mais de 90% da cocaína em São Paulo têm contato com o PCC”, diz Presti.



Atualmente, os clientes mais próximos de Daniel são os jovens ricos paulistanos. Vez por outra, esses rapazes se reúnem em festas promovidas pelo traficante na mansão do Jardim América. Em meio a garrafas de uísque e vodca, os jovens se embriagam durante a madrugada. Maconha e cocaína há de sobra. Os participantes da festa tratam Daniel como um líder disfarçado, uma chefia invisível. Uns tentam competir com ele em tudo, mesmo nos passos de dança improvisados, às vezes com agressividade, numa explícita amostra de que a autoridade do traficante é invejada entre os clientes. Embriagado pelas disputas, o anfitrião solta palavras jocosas e gestos exóticos, numa tentativa de apaziguar situações tensas. Outros o chamam de canto, contam segredos, buscam alguma reação, mas o traficante pouco se importa. Logo está fazendo piadas das quais, de imediato, somente ele ri. Mas segundos mais tarde toda a sala adornada com estatuetas de bronze ri também. Mesmo que não seja lá muito engraçado, Daniel é querido pelo grupo. É carismático, tem a mistura de bandido e mocinho que encanta quem o rodeia. Se fosse comparado a famosos, o traficante poderia ter sua personalidade definida pela mistura entre Cazuza e Don Vito Corleone – algo que provoca uma obediência enrustida nos que participam do sistema de venda de drogas.

Para lucrar, Daniel precisa preservar em funcionamento as engrenagens que o mantêm ativo no narcotráfico. Uma peça importante da máquina são seus investidores – ele não revela nomes, mas explica que há na cidade muitos empresários, donos de comércio e empreendedores que apostam no tráfico de drogas, enriquecem e continuam usando o colarinho branco. Segundo a CIPP, a história procede. Um bom número de inquéritos abertos pela Central, segundo o promotor Presti, apontam negociações de postos de gasolina – especialmente da região do Morumbi e de Taboão da Serra – com o PCC.

Foi no fim dos anos 80, segundo especialistas, que empresários e comerciantes descobriram o tráfico de drogas. A relação ilegal rende dinheiro fácil ao investidor e, na via contrária, é responsável pela lavagem do dinheiro do crime. “É difícil saber quem está ajudando quem”, diz o jurista Wálter Maierovitch, secretário Nacional Antidrogas no segundo governo FHC. Em São Paulo, as reuniões entre narcotráfico e investidores de alta classe se dão em lugares protegidos, como em uma mansão na Alameda Joaquim Eugênio de Lima, um dos prostíbulos mais luxuosos dos Jardins, onde empresários de diversos ramos (principalmente do futebol) aparecem para beber uísque, transar com garotas de programa e investir em cocaína – eles deixam maços de dinheiro (usados para comprar a droga de fornecedores) e voltam semanas depois, para recolher o lucro da revenda.


A cocaína que chega a São Paulo vem, principalmente, do Peru e da Bolívia, segundo a Polícia Federal. Durante uma investigação, a empresa RCI First – Security and Intelligence Advising, consultoria de Segurança e Inteligência Privada com sede em Nova York, seguiu informações sobre o trajeto dos quilos do pó – a plantação, a produção de pasta base, a travessia da fronteira, o refino, a mistura, o embalador, o traficante e o usuário – e descobriu, a pedido de clientes (a empresa atende desde milionários preocupados com segurança a agências de inteligência internacionais), que pacotes de 1 quilo de cocaína pura chegavam com frequência a regiões nobres de São Paulo, como os Jardins. Intrigados com o fato de que não há bocas de fumo nesses lugares, a empresa começou a investigar como essa droga é distribuída, após embalada em pequenas quantidades.

Descobriram que há na capital paulista cerca de 350 táxis, entre oficiais e clandestinos, que fazem o serviço de delivery de drogas em regiões nobres – cinco pontos estão nos Jardins. Para manter o esquema, as etapas da entrega são planejadas minuciosamente. Acionados por telefone, os taxistas transportam drogas em sacolas de farmácias e de redes de fast food, para disfarçar. Eles estão para o tráfico na alta sociedade assim como os “aviõezinhos” estão para o tráfico na favela. Fazem no máximo duas entregas por corrida, porque se forem flagrados podem reivindicar a condição de usuários. Nessas entregas em domicílio, os produtos mais pedidos são cocaína, em primeiro lugar, maconha orgânica, em segundo, e haxixe e heroína, em terceiro. De alta qualidade, a maconha da elite foi apelidada de “maconha de butique” – a planta, de cor roxa, tem níveis elevados do princípio ativo THC.

Além dos taxistas, cerca de 550 motociclistas, que revezam as entregas de pizzas com as de drogas, e aproximadamente 150 “bikers” fazem o delivery em São Paulo. O serviço é mais frequente na região dos Jardins, Paraíso, Vila Nova Conceição, Itaim Bibi, Moema, Morumbi, Alto de Pinheiros e Jardim Anália Franco. “A elite deixou de ir à periferia para comprar drogas por causa de sequestros e sequestros relâmpagos. O delivery se acentuou de dez anos para cá”, afirma Ricardo Chilelli, um dos maiores especialistas em segurança e inteligência privada do Brasil. “Cada vez mais, esses entregadores compram de traficantes forjados em círculos abastados da sociedade”, diz o promotor Presti.

EM BAIRROS NOBRES DE SÃO PAULO, 350 TÁXIS E ATÉ BICICLETAS ENTREGAM DROGAS EM DOMICÍLIO (FOTO: GABRIEL QUINTÃO)



Ao investigar os crimes que chegam ao Ministério Público, os promotores identificaram um novo padrão no tráfico de drogas de São Paulo. Por mês, uma média de 1.488 processos de tráfico chegam aos gabinetes de 124 promotores – cada um deles se encarrega de três por semana. Cerca de 10% do total, segundo o Ministério Público, envolve traficantes endinheirados desde a infância – ou seja, algo em torno de 149 traficantes de classe alta entram na mira da Justiça (e eventualmente são presos) por mês. E esse número, publicado pela primeira vez nesta reportagem, só cresce. “Notamos empiricamente uma tendência de crescimento desse universo de réus nascidos em berço de ouro”, afirma Presti.

Com a mudança nos padrões, os traficantes de classe alta se tornaram mais ambiciosos e conseguiram galgar mais degraus na escala de poder da venda de drogas. Há em São Paulo três líderes de facções criminosas que, segundo os inquéritos do Ministério Público, são nascidos na classe alta. “Alguns líderes de uma das grandes facções possuem dois cursos de nível superior, eram ‘promoters’ de casas noturnas e já pegaram em metralhadoras e fuzis para praticar crimes. Há líderes que saíram da classe alta e média alta. De cabeça, lembro de três deles que estão presos. Eles não têm o perfil do traficante que a população conhece, conquistariam a atenção de qualquer garota na balada”, afirma Presti. Segundo o promotor, atualmente, o que mais dá dinheiro a traficantes paulistanos é a cocaína, a mais requisitada droga de São Paulo. “É a droga que mais permeia a sociedade hoje, inclusive nos círculos de classe média alta”, diz. No ano passado, o estado de São Paulo liderou o número de apreensões de drogas no país: 31% da cocaína interceptada pela Polícia Federal (ou 11,2 toneladas) foi apreendida em São Paulo. Em segundo lugar vem o Mato Grosso do Sul, onde foram apreendidas 5,5 toneladas, 15% do total nacional.


De acordo com outra pesquisa elaborada pela RCI First, no Brasil, para cada quilo de cocaína apreendido, outros 25 quilos passam pelas fronteiras. Isso significa que, se em 2013 exatas 35,7 toneladas foram apreendidas pela Polícia Federal no país, 892 toneladas sobraram para consumo. O número representa 4,5 gramas por habitante ao ano – ou cerca de 900 milhões de pinos plásticos de 5 mililitros cada, onde a cocaína, que vinha embalada em papelotes, hoje é comercializada (a mudança de embalagem foi uma invenção do PCC para controlar o comércio). A maior parte dos pinos é fabricada pela Eppendorf, multinacional alemã que vende instrumentos para a indústria farmacêutica em 23 países. Existem em São Paulo outras sete empresas que fabricam os pinos usados por traficantes para embalar cocaína.


Em 2013, o tráfico rendeu, no Brasil, um faturamento estimado em R$ 9 bilhões, com o preço do pino a R$ 10. É um valor variável, principalmente no universo do tráfico de luxo paulistano. O pino que pode sair por R$ 10 em pontos de venda de São Paulo, do Rio de Janeiro ou do Pará chega a custar R$ 100 nos arredores da Avenida Paulista. Segundo Ricardo Chilelli, o preço é maior porque a droga é mais pura: enquanto a mais barata possui 33% de pureza, a cara tem 88%, em média. De acordo com Chilelli, 15 tipos de impurezas são usadas nessa mistura – entre elas, leite em pó, fermento químico, talco. “De 2009 para cá o pó de mármore é o carro-chefe das misturas”, diz. Atualmente, 21 marmorarias da Grande São Paulo empregam funcionários que costumam desviar pó de mármore para traficantes, segundo o Ministério Público.

As proporções são ainda maiores quando o assunto é o consumo de maconha – nesse caso, os estados onde há maior circulação são os de fronteira com o Paraguai, Mato Grosso do Sul (85 toneladas apreendidas pela polícia) e Paraná (76 toneladas), seguidos por São Paulo (23 toneladas). São volumes dos quais, enfurnado em seu casarão no Morumbi, o jovem rico – ex-traficante e ex-informante de policiais corruptos – Matheus*, de 26 anos, modestamente tomava parte.

POLÍCIA CONFISCA 30 MIL PÍLULAS DE ECSTASY EM GUARULHOS (FOTO: DIVULGAÇÃO/POLÍCIA FEDERAL)



Criado em um colégio particular do Morumbi, na zona sul de São Paulo, Matheus sempre circulou no mundo do luxo, mas também manteve contatos menos ilustres. Um deles, um investigador corrupto da Polícia Civil. Em 2009, os dois começaram a prender jovens ricos e pedir propina aos pais deles em troca da liberdade dos garotos. Enquanto Matheus angariava interessados na compra de grande quantidade de maconha, cocaína, ou uma cartela de ácidos (sempre o suficiente para que fosse configurada a compra para tráfico), o policial organizava-se com outros colegas para flagrar a venda. No instante em que Matheus negociava a droga, os policiais apareciam como numa versão brasileira de seriado americano: “Perdeu!”, gritavam, deixando os aspirantes a traficantes da alta sociedade de olhos arregalados.

Na delegacia, os jovens chamavam os pais que, por sua vez, convocavam seus advogados para providenciar a liberdade dos filhos. Com o advogado, os colegas corruptos negociavam o valor da liberdade – que já chegou a R$ 500 mil, segundo o ex-informante. Certa vez, um policial ofereceu a Matheus pagar as mensalidades de uma faculdade, caso ele utilizasse as aulas para prospectar vítimas para o golpe. O ideal seria, segundo o corrupto, um curso de cinema na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) ou de publicidade na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Matheus recusou. Faz quatro anos que deixou de ajudar policiais a extorquir milionários. Ainda hoje, segundo ele, o esquema funciona em ritmo forte em São Paulo.




O que mais atrai filhos de milionários à armadilha hoje é uma sigla de quatro letras: MDMA – a metilenodioximetanfetamina, ecstasy em sua mais pura forma, a droga sintética preferida da elite. Um grama de MDMA, ou apenas MD, como é chamada, custa R$ 150. A droga vem em pó ou cristal. “Se for cristal é mais pura”, confidencia um usuário que não quis se identificar. “Cheiro uma linha e coloco o resto no drinque. Tem gente que joga tudo no drinque, doses de 1 a 2 gramas.” Graças à potência e ao preço da droga, com poucos gramas no bolso qualquer um se torna traficante. Também é assim com a heroína, substância que multiplicou seu número de usuários na alta sociedade paulistana. De acordo com o promotor Presti, drogas mais caras, como a heroína, sempre são encontradas com traficantes da classe alta. “O traficante que estudou em bons colégios, sete anos atrás, era do universo do lança-perfume e começava com ecstasy. O perfil está mudando, hoje há muita cocaína, maconha, haxixe e heroína. A tendência desse traficante é ter drogas com qualidade melhor. As poucas apreensões de heroína foram em círculos de traficantes de classe alta”, afirma.

Foi por tentar comprar mil pílulas de ecstasy que, em 2005, o ex-traficante Rafael*, 27 anos, passou nove meses no Centro de Detenção Provisória de Vila Independência, na zona leste da capital paulista. A encomenda – que fora elaborada em um laboratório no Pará – custaria R$ 3 mil ao rapaz e seria revendida por R$ 8 mil em raves de São Paulo. Rafael não precisava de dinheiro. Mesmo assim, tornou-se traficante.

Ele mistura tabaco e haxixe para enrolar o cigarro que o acompanhou em uma das entrevistas para esta reportagem. O rapaz é ligado aos mais puros costumes da classe alta: foi seis vezes campeão brasileiro de hipismo, estudou por dez anos no colégio alemão Humboldt, é filho do proprietário de uma grande loja de tecidos no bairro do Brás e passou o último réveillon na Europa, onde esteve por um mês.

Talvez o que mais explique sua opção pelo crime sejam as vantagens do status compartilhado por traficantes de drogas. “Era uma coisa glamourizada, havia muita puxação de saco. Muita gente telefonando. Sexta-feira à noite eu tirava o telefone do gancho. Há uma sensação de poder e onipotência com o dinheiro e tudo”, conta o ex-traficante João Guilherme Estrella, que inspirou o filme Meu Nome Não É Johnny. João traficou cocaína para pessoas de classe alta dos 29 aos 34 anos, no início dos anos 90 – até ser preso em 1995 e passar um ano e meio no Manicômio Judiciário da Rua Frei Caneca, no Rio. Em seu mais volumoso negócio, comprou 15 quilos de cocaína para vender no Rio, na Espanha e na Holanda. Depois de ter sua história registrada em livro e no cinema, o produtor musical de 52 anos passou a dar palestras por todo o Brasil. Ele cobra entre R$ 1,5 mil e R$ 17 mil para discursar sobre álcool, drogas e “a vida”, como diz. Ao rememorar o motivo que o levou à prisão, João explica: “O tráfico era uma distração adolescente, eu não tinha a percepção da hora de dizer não”. Nem Rafael.


Na época em que o garoto do ecstasy foi preso, o número de usuários da droga só crescia – de 2008 para 2009, a apreensão das pastilhas no Brasil aumentou 2.500% e a palavra “ecstasy” tornou-se comum no noticiário. O flagrante levou Rafael à prisão – e à TV. Na segunda edição do SPTV de 27 de abril de 2005, ele apareceu algemado. Enquadrado nos Artigos 33 (tráfico de drogas) e 35 (associação para o tráfico) da Lei 11.343/06, o jovem era o único réu que não escondia o rosto das câmeras. Encarava o cinegrafista. Não foi a primeira vez que atravessou o caminho da Justiça. “Antes de eu ser preso, uma tia pagou R$ 30 mil em propina para agentes do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico) que me pegaram traficando haxixe. Depois disso, minha família tentou me internar. Em quatro dias tentei fugir cinco vezes da clínica”, conta Rafael. Na cadeia, o ex-traficante passou dois meses dormindo na “praia” – como os presos chamam o chão da cela que comporta uma dúzia de pessoas, mas é habitada por 40 – e depois subiu para uma das 12 camas compartilhadas por 24 detentos. Descobriu que, para sobreviver ali, era preciso ter dinheiro. Isso não era problema.

Rafael comprou de tudo. Pagava 20 maços de cigarro por semana para outros presos cuidarem da faxina da cela. Cheirava cocaína com frequência, fumava 200 gramas de maconha por mês, comprava ecstasy, tinha um celular clonado com carregador e toda semana sua mãe aparecia com quilos de guloseimas que agradavam os colegas do xadrez. Quando o batalhão de choque surgia para revistar os colchões, ele gastava mais 20 maços com um preso que assumia a propriedade do telefone sempre desvendado. Os cigarros evitavam 30 dias no “castigo” – um corredor estreito onde os presos ficam enfileirados e em pé. Durante os nove meses de prisão, Rafael aprendeu que a “net” – “a internet dos presidiários”, nas palavras dele – era um buraco na parede que interligava dois conjuntos de celas, e percebeu que as conversas sempre giravam em torno do mesmo assunto: crime. “Assuntos do tipo: ‘Nossa, como é difícil arrancar uma cabeça, não é?’”, conta o ex-traficante.

No começo de 2006 – depois de ver sua família gastar R$ 40 mil com advogados e pagar R$ 24 mil a uma dupla de policiais corruptos contratados para mudar seus depoimentos no processo –, ele foi solto enquanto enrolava um cigarro de maconha e explicava a dois recém-chegados, também de classe alta, como funciona o cotidiano na prisão. “Minha professora do Humboldt depôs a meu favor, viram que eu era de colégio bom, fui campeão de hipismo, tudo contou”, diz o jovem, que afirma ter engolido, até hoje, mais de 200 “balas” de várias espécies – A8 verde, Love rosa, Love azul e Estrela de Davi são alguns nomes. Atualmente, Rafael vive tranquilo. Absolvido, trabalha com produção de eventos, planeja mudar-se para o interior e compra 5 gramas de haxixe por semana para consumo próprio. A droga vem do Paraguai, atravessa as estradas brasileiras embrulhada em graxa e bexigas de borracha, alcança a capital paulista no carro de “mulas” e vira fumaça nos pulmões de jovens criados em berço de ouro. São Paulo é realmente mais do que parece. “Existem duas ‘São Paulos’, a regular e a clandestina”, comenta o especialista Ricardo Chilelli. Só uma se vê.

CRACK, A INVASÃO DA DROGA NOS RINCÕES DO SOSSEGO


O ESTADO DE S.PAULO, 02/06/2014


"A raspa da canela do capeta." Assim era conhecido o crack quando surgiu em São Paulo, na periferia da zona leste. Era fim dos anos 1980 e o Brasil vivia os desafios da redemocratização, após 20 anos de ditadura militar. Subproduto sujo e barato da cocaína, a droga que deve seu nome aos estalos que emite ao ser queimada logo se tornou o prazer e a praga dos excluídos, de farrapos humanos que pouco importavam à sociedade e, consequentemente, ao poder público.

Passados mais de 20 anos, esse cenário mudou: hoje, o crack está presente em todos os cantos do Estado. Dos grandes centros urbanos, migrou para cidades pequenas e afastadas, antigos rincões do sossego. Também escalou a pirâmide social e chegou às mansões. Com a mesma rapidez com que corrompe e danifica o organismo, virou a principal droga ilícita tanto em municípios pobres e pouco desenvolvidos quanto em regiões de economia aquecida, estâncias turísticas, balneários, paraísos litorâneos e na roça.

Em mapeamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), atualizado em tempo real pelas prefeituras, 194 cidades paulistas – das 556 participantes – declararam ter alto problema decorrente de consumo de crack. Entre elas estão Águas de Lindoia e Serra Negra (estâncias hidrominerais do Circuito das Águas), Campos do Jordão (a "Suíça brasileira"), Ilhabela (reduto de Mata Atlântica no litoral norte), Cananeia (patrimônio da humanidade), além de cidades-referência, como Ibitinga (a capital do bordado), Monte Alegre do Sul (capital do morango), São Roque (terra do vinho), Louveira (2.º maior PIB per capita do País)

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Diferentemente das regiões metropolitanas, onde dependentes se concentram nas cracolândias em locais públicos, à vista de todos, nos recantos de sossego do interior o crack geralmente avança de forma oculta, com usuários "invisíveis" escondidos em casas de consumo, "mocós", no meio do mato, em pontos de venda conhecidos como "biqueiras" ou "bocas". São cidades pequenas, onde todos se conhecem, como Fernão (1,5 mil habitantes), Martinópolis (24 mil), Vera Cruz (10 mil), Gavião Peixoto (4,4 mil), Garça (43 mil) e Registro (54 mil).

Durante quatro meses, a reportagem do Estadão percorreu 6,6 mil quilômetros para levantar dados, ouvir autoridades federais, estaduais e municipais, visitar clínicas, comunidades terapêuticas, ambulatórios especializados e pontos de consumo – foram consultados 28 agentes públicos, profissionais da área e especialistas. No caminho, visitou 13 municípios que denunciaram alto ou médio problema com crack no mapa da CNM, em diferentes pontos do território paulista, e conversou com 50 usuários, ex-usuários, parentes e moradores para montar um diagnóstico do avanço e das mazelas provocadas pelo crack no interior de São Paulo.

Na maioria das cidades, a rede pública em geral é deficitária, os profissionais são despreparados para lidar com a dependência e as ações de governo acabam sendo feitas sem a integração necessária. Uma combinação de carências que potencializa os danos em cadeia provocados pelo aumento do consumo abusivo da droga e extrapola as áreas de saúde e polícia. Além de influir na degradação do usuário e no aumento da criminalidade, o avanço do crack faz crescer a população em situação de rua e pode interferir na economia local.


Apesar de o consumo de crack no Brasil ainda ser menor que o do álcool e o da cocaína em pó, o tratamento de dependentes da versão fumada da coca é um desafio para médicos e especialistas. Estudos indicam que, em média, apenas um terço dos usuários severos consegue se tratar e retomar a vida – os outros dois terços morrem ou continuam na droga. Para quem pode pagar, a recuperação é uma realidade mais próxima. Mas, para a grande maioria das pessoas que dependem da rede pública, os investimentos e programas de enfrentamento ao crack lançados nos últimos anos pelas diferentes esferas de governo ainda são um benefício distante – principalmente nas pequenas e médias cidades do interior. Quando há serviços ou empenho político local, falta a condição adequada para cumprir todo o ciclo necessário de atendimento – redução ou abstinência de uso, reaprendizado de como é a vida sem a droga e reinserção nos ambientes familiar e social.

Há outro empecilho: embora especialistas e as próprias autoridades concordem que as políticas dos governos federal e estadual devem caminhar juntas e se complementar, na prática União e Estado trilham rumos distintos. Enquanto a primeira prioriza o tratamento domiciliar, com acompanhamento nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), o segundo aposta na Justiça terapêutica, com internações – involuntárias ou não – em hospitais especializados e comunidades terapêuticas para interromper o consumo de vez. Um descompasso que só prejudica quem tenta vencer o drama da dependência.




 RICARDO BRANDT (Textos) |  ROBSON FERNANDJES (Fotos)