A pergunta do menino do Morro da Cruz - “Tu já usou drogas?” - DAVID COIMBRA, 28 de novembro de 2010.
Pergunta objetiva, formulada no português mal conjugado dos gaúchos, saída da boca de um menino de, sei lá, 14 ou 15 anos. Nos olhos dele rebrilhava a luz da malícia, sinal do caráter decisivo da pergunta. Uma espécie de cilada, mas, de alguma forma, parecia ser realmente importante para ele saber se eu já havia usado drogas ou não. Para ele e para os outros, dezenas de meninos e meninas que me ouviam, estava dando uma palestra em uma escola do Morro da Cruz.
E agora? A resposta óbvia seria: “Jamais! Imagina!” Mas seria resposta de candidato a vereador, insatisfatória, insincera. Ali estavam crianças acostumadas com o ambiente das drogas. Sabia disso. Como eles, fui criado na rua. Conheci traficantes, vaporzeiros, drogaditos, alguns de meus companheiros de infância hoje são presidiários.
Mas dizer a adolescentes que já usei drogas não seria uma liberação para que eles também usassem? Não seria um mau exemplo?
Todas as crianças me encaravam, expectantes. Resolvi ser honesto:
– Já experimentei drogas. Não algo violento como o crack, que faz grande mal desde o primeiro contato. Mas experimentei, sim, e foi por fraqueza, levado pela turma. Agora: sabem por que não usei mais?
Produzi uma pausa para causar impacto. Eles esperavam, interessados. O que se deve dizer a um adolescente para fazer com que ele não queira usar drogas? Que a droga é ruim? Balela: se fosse ruim, ninguém consumia. Que faz mal à saúde? Inútil: adolescentes se julgam imortais. Fui honesto de novo:
– Não usei mais drogas por que quem usa drogas é otário. Vocês conhecem algum grande traficante que seja drogado? Claro que não: traficante não se droga. Traficante é espertalhão. Vocês conhecem algum viciado com mais de 40 anos de idade? Claro que não: viciados com mais de 40 anos de idade estão todos mortos. Por isso, quem usa drogas é otário. Eu não sou otário.
Não tenho certeza de ter sido convincente, mas tenho certeza de que eles perceberam que falava a verdade. Que lhes expus a realidade. Porque eles, aqueles meninos do Morro da Cruz, eles sorvem todos os dias a realidade mais dura da vida urbana. Sei que alguns daqueles meninos se tornarão drogados e traficantes. Sei até que um deles, meses depois, se suicidou, na certa por não suportar a tal realidade da vida urbana. Mas sei, também, que muitos serão homens e mulheres decentes e criarão os filhos para que sejam melhores do que eles, como anseiam todos os pais.
O que faz a diferença? O que salva uma criança e o que a torna vítima do mundo-cão?
Uma família bem constituída é a resposta óbvia, mas é igualmente óbvio que famílias bem constituídas são raridade no século 21.
Mas existe algo que pode fazer desses meninos verdadeiros cidadãos: são escolas como a do Morro da Cruz, são professores como aqueles que lá cumprem a sua missão. A Educação, ou seja, o Estado atuante, pode fazer a diferença a favor das crianças do Brasil.
Mas, se o Estado não age para salvar as crianças, o que acontece com elas é o que se viu na TV durante esta semana: elas se transformarão em homens como aqueles bandidos de bermuda e sem camisa, com fuzis no ombro, que se esgueiraram feito ratazanas de um morro para outro, no Rio conflagrado.
A guerra do Rio vem sendo definida como a luta do “bem” contra o “mal”. Os jornais festejaram que o crime foi encurralado, que o “Dia D” do enfrentamento contra os bandidos chegou, que o Rio está se debatendo para “voltar à paz”. E, sobretudo, estão especulando se o Rio poderá sediar a Olimpíada, se a Copa do Mundo brasileira não sofrerá prejuízos com tal situação.
Ingenuidade.
Se todos aqueles milhares de bandidos forem mortos ou presos, todos eles sem exceção, se TODOS forem eliminados, nada mudará. Em seis meses, os níveis de criminalidade retornarão aos atuais patamares. Porque o fornecimento de material humano para a bandidagem não foi interrompido. Só será interrompido quando todos os meninos como aqueles do Morro da Cruz forem atendidos integralmente pelo Estado. Quando nenhum menino sequer tenha curiosidade de saber se um adulto já usou ou não drogas.
A Copa do Mundo brasileira não corre nenhum risco. A Olimpíada brasileira não corre nenhum risco. Tudo continuará igual. O risco, quem corre, são os meninos do Brasil. Que são o próprio Brasil.
COMPROMETIMENTO DOS PODERES
As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
DROGAS - QUEM CONSOME TEM CULPA
PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA - Quem consome tem culpa, ZERO HORA 26/11/2010
Guerra é o que se conhece de mais parecido com o que está acontecendo no Rio. As imagens de carros e ônibus em chamas correm o mundo com legendas em diferentes idiomas indicando que foram gravadas no país da próxima Copa do Mundo, na cidade da Olimpíada de 2016, no principal destino turístico do Brasil. As autoridades se apressam em garantir que os turistas podem ficar tranquilos, que os confrontos são a prova de que o tráfico está sendo enfrentado e que os ataques são sinais de desespero dos traficantes.
Serão inevitáveis os prejuízos. Quem vai querer comprar pacote turístico para o Rio no próximo verão? Quem se anima a fazer turismo no Afeganistão, no Iraque ou nas regiões do México que se tornaram conhecidas pelas chacinas?
Os brasileiros que se chocam ao assistir ao vivo às cenas desse Tropa de Elite 3 não podem perder de vista que quem sustenta o tráfico de drogas é o cidadão que se considera “de bem” e consome cocaína, maconha, crack e outras drogas como se fosse inocente. As imagens das barricadas, dos blindados da Marinha subindo o morro e dos traficantes fugindo a pé ou pendurados em motos e carros não existiriam se lá na outra ponta, nos bairros nobres, o consumo não fosse tolerado.
É fácil para as classes A e B chamar o governo de incompetente, protestar contra a violência, exigir mais segurança e se esbaldar em festas regadas a cocaína. A tolerância ao consumo torna o trabalho dos policiais uma reprodução moderna do mito de Sísifo, morro acima combatendo bandidos, enquanto os mocinhos da Zona Sul alimentam a indústria do tráfico. A culpa pela situação é, em boa parte, de sucessivos governos que fizeram acordos explícitos ou velados com os traficantes, permitindo que criassem territórios nos quais a polícia não entra. As Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, não são a panaceia que as autoridades apregoam, mas não podem ser tratadas como vilãs. Se há uma esperança, ela passa pela retomada das áreas dominadas pelos criminosos e pela quebra desse círculo vicioso em que os traficantes ocupam o vácuo deixado pela ausência dos serviços públicos.
Guerra é o que se conhece de mais parecido com o que está acontecendo no Rio. As imagens de carros e ônibus em chamas correm o mundo com legendas em diferentes idiomas indicando que foram gravadas no país da próxima Copa do Mundo, na cidade da Olimpíada de 2016, no principal destino turístico do Brasil. As autoridades se apressam em garantir que os turistas podem ficar tranquilos, que os confrontos são a prova de que o tráfico está sendo enfrentado e que os ataques são sinais de desespero dos traficantes.
Serão inevitáveis os prejuízos. Quem vai querer comprar pacote turístico para o Rio no próximo verão? Quem se anima a fazer turismo no Afeganistão, no Iraque ou nas regiões do México que se tornaram conhecidas pelas chacinas?
Os brasileiros que se chocam ao assistir ao vivo às cenas desse Tropa de Elite 3 não podem perder de vista que quem sustenta o tráfico de drogas é o cidadão que se considera “de bem” e consome cocaína, maconha, crack e outras drogas como se fosse inocente. As imagens das barricadas, dos blindados da Marinha subindo o morro e dos traficantes fugindo a pé ou pendurados em motos e carros não existiriam se lá na outra ponta, nos bairros nobres, o consumo não fosse tolerado.
É fácil para as classes A e B chamar o governo de incompetente, protestar contra a violência, exigir mais segurança e se esbaldar em festas regadas a cocaína. A tolerância ao consumo torna o trabalho dos policiais uma reprodução moderna do mito de Sísifo, morro acima combatendo bandidos, enquanto os mocinhos da Zona Sul alimentam a indústria do tráfico. A culpa pela situação é, em boa parte, de sucessivos governos que fizeram acordos explícitos ou velados com os traficantes, permitindo que criassem territórios nos quais a polícia não entra. As Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, não são a panaceia que as autoridades apregoam, mas não podem ser tratadas como vilãs. Se há uma esperança, ela passa pela retomada das áreas dominadas pelos criminosos e pela quebra desse círculo vicioso em que os traficantes ocupam o vácuo deixado pela ausência dos serviços públicos.
terça-feira, 23 de novembro de 2010
ARTICULAÇÃO CONTRA O CRACK
ARTICULAÇÃO CONTRA O CRACK - ZERO HORA EDITORIAL DE 23/11/2010
Prevista para durar um ano, a campanha institucional Crack, Nem Pensar, lançada em 2009, acabou se estendendo ao longo de 2010 e chega ao final de sua segunda etapa colhendo resultados importantes da mobilização da sociedade na luta contra esse derivado da cocaína. Um marco concreto desta luta é o lançamento, hoje, do Instituto Crack Nem Pensar, uma organização de direito privado sem fins lucrativos, viabilizada pela parceria de instituições públicas e privadas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina com objetivos que incluem o incentivo à pesquisa e a disseminação do conhecimento. A campanha deflagrada pelo Grupo RBS cumpre, assim, o seu propósito maior – a mobilização da sociedade como forma de atenuar os efeitos de uma droga que aprisiona tanta gente e, na maioria das vezes, transforma numa calamidade a vida de pessoas mais próximas.
Um dos méritos da iniciativa foi o de alertar para a gravidade do problema, numa época em que amigos e familiares das vítimas sentiam-se constrangidos e atemorizados em lidar com o tema, considerado tabu. Desde então, de forma conjunta ou individualmente, outras organizações e os próprios governantes tomaram consciência dessa verdadeira tragédia, partindo em muitos casos para campanhas de conscientização e para ações concretas de enfrentamento nas várias frentes que o problema envolve. Entre elas, estão providências de caráter preventivo que, em ambientes como o familiar e o da escola, alertem para a importância da resistência à droga, que pode causar dependência já na primeira experimentação. A iniciativa chamou a atenção para a prevenção, o combate ao tráfico e para a necessidade de estruturação de uma rede adequada para atendimento a usuários e familiares, levando em conta a dificuldade de cura do dependente e a desestruturação psicológica que costuma atingir familiares.
Em editorial com o qual marcou o início da primeira fase da campanha, o Grupo RBS ressaltou que “a solução depende de todos nós, da nossa capacidade de enfrentar o problema, do nosso poder de organização, da nossa vontade de lutar pelas pessoas que amamos, da nossa capacidade de dizer ‘não’ a essa droga maldita com toda a força da nossa alma”. Os avanços concretos por parte do poder público sob o ponto de vista da prevenção e da repressão invariavelmente andam num ritmo inferior ao do avanço dessa chaga. A sociedade, porém, percebeu a gravidade de uma droga tão destrutiva e é louvável que passe a contar com o apoio de importantes instituições, de forma permanente, como prevê o protocolo de cooperação a ser assinado hoje.
Um dos pontos frágeis da luta contra o crack é a falta de informações sobre o que é a droga e sobre os seus efeitos devastadores para quem se escraviza a ela. Esta é uma das falhas que a união de esforços entre instituições dos dois Estados mais meridionais do país se propõe a enfrentar, como forma de salvar vidas e preservar o futuro de um número expressivo de pessoas.
CRACK NEM PENSAR - CAMPANHA AJUDA NA REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE
Combate ao crack ajuda a diminuir criminalidade no RS. Estatísticas mostram que as campanhas despertaram a sociedade para a necessidade de cobrar soluções - Zero Hora 23/11/2010 - carack Nem Pensar, Notícias, http://zerohora.clicrbs.com.br/especial/rs/cracknempensar/19,0,3118229,Combate-ao-crack-ajuda-a-diminuir-criminalidade-no-RS.html
A mobilização contra a epidemia de crack no Estado, que teve um reforço por meio de campanhas como a Crack, Nem Pensar, já contabiliza benefícios medidos não só em número de apreensões, mas também na queda na criminalidade.
Estatísticas mostram que as campanhas despertaram a sociedade, a qual, por sua vez, aumentou a pressão por soluções junto às autoridades.
A guerra contra o crack se intensificou justamente nos dois últimos anos, quando foi estimado que a droga já ameaça 50 mil famílias gaúchas. Segundo policiais e especialistas, a captura de traficantes, aliada ao desmantelamento de quadrilhas especializadas e de receptadores, reduz furtos e roubos porque tira das ruas os responsáveis por trocar os produtos dos crimes por droga.
— É perceptível para nós. Sem o tráfico, os elos vão enfraquecendo. Isso acaba diminuindo os casos de roubos e furtos praticados por usuários ou por pequenos traficantes — atesta João Bancolini, diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), um dos principais órgãos gaúchos de repressão a entorpecentes.
Para a coordenadora do Departamento de Álcool e Outras Drogas da Associação de Psiquiatria do Estado, Carla Bicca, as mobilizações têm o mérito de induzir os governos a revigorar as políticas de saúde de tratamento. Mas pondera que o crack não é a única vilã, outras drogas também matam.
A receita da Restinga
Os efeitos positivos da mobilização social podem ser medidos no bairro Restinga, na zona sul da Capital. Articulados para combater o tráfico potencializado pelo crack, policiais e moradores começam a perceber um resultado que o Estado ainda não conseguiu atingir: o número de homicídios está caindo em comparação a anos passados.
Por trás da maior parte das mortes, os traficantes sofrem ataques em três fronts distintos. Além da repressão policial e da troca de informações entre agentes e moradores, escolas, instituições comunitárias e Brigada Militar têm investido na conscientização de crianças e adolescentes. Pelo menos 700 estudantes do Ensino Fundamental participam por ano do Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência (Proerd), da Brigada.
— O que eles aprendem nas palestras é trabalhado durante o resto do ano com os professores — ressalta a diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Nossa Senhora da Conceição, Sandra Schizzi.
O soldado Júlio César Santos de Souza explica que o trabalho desenvolvido na Restinga é diferente do executado em escolas de outros bairros cobertos pelo 21º BPM.
— Na Restinga, muitas crianças e muitos adolescentes vivem o problema dentro de casa. O assédio dos traficantes é maior. Por isso, temos de reforçar a autoestima desses alunos, para que tenham força de driblar as drogas. Não se trata apenas de dizer que faz mal — avalia o PM.
Fora das salas de aula, a aproximação dos moradores com as polícias se dá nos conselhos comunitários e no Programa Polícia Cidadã da BM.
Os números - Dados de janeiro a setembro na Restinga:
Prisões de traficantes pela BM
2008: 34
2009: 71
2010: 81
Homicídios
2008: 28
2009: 24
2010: 19
Campanha embala dois Estados
Lançada em maio de 2009, a campanha Crack, Nem Pensar mobilizou as comunidades do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina contra a droga que transforma jovens em mendigos, arrasa famílias e aciona o gatilho da violência. Teve o mérito de unir sociedade, instituições, especialistas e autoridades no enfrentamento ao que já é qualificado como epidemia pelo seu poder devastador.
A campanha serviu para alertar gaúchos e catarinenses para um quadro assustador: o crack vicia de imediato, liquida a saúde, humilha seus dependentes e apresenta um índice de recuperação quase nulo. A conscientização e as ações concretas nortearam a campanha. As peças publicitárias – criadas pela Agência Matriz, de Porto Alegre – expressam, por meio de imagens impactantes, situações de destruição física e moral.
As ações - Calcula-se que mais de 1 milhão de automóveis, caminhões e motos circularam com o adesivo Crack, Nem Pensar. Cerca de 250 mil cartilhas foram distribuídas em escolas. Comunicadores, comentaristas e colunistas do Grupo RBS foram às ruas para divulgar a campanha. Em 2010, na segunda fase, foram distribuídas pulseiras de silicone emborrachado, nas cores cinza, vermelho e preto, com a inscrição Crack, Nem Pensar. Sob coordenação da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, o Portal Social contempla 20 instituições com projetos antidrogas.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Acredito nesta campanha, porém acho que seus resultados pouco satisfatórios em função da inércia do Estado:
- O Executivo tem sido omisso nas questões de saúde criando poucas vagas e nenhum centro público de tratamento das dependências e desvios mentais que levam uma pessoa morrer pelas drogas e cometer crimes. As pessoas dependentes ficam sem tratamento e as famílias sem orientação ficam a mercê da doença. A educação de crianças e adolescentes é falha ao não inserir nos curriculos escolares este tema de saúde e ordem pública. Só na área policial se vê resultados positivos. Na repressão, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Civil e a Brigada Militar fazem um grande esforço para identificar, prender traficantes e apreender grandes quantidades de drogas. Na prevenção, Brigada Militar trabalha com o PROERD treinando multiplicadores e formando uma rede de crianças e adolescentes para evitar e mostrar os malefícios das drogas. Um papel preventivo que deveria ser desempenhado também por professores e agentes de saúde.
- Os parlamentares e a justiça estão abrandando as leis de tráfico e consumo de drogas, desmotivando o esforço policial e reduzindo o valor das campanhas contra as drogas. Não há obrigatoriedade para o tratamento e as pessoas envolvidas como vapor e intermediário do tráfico recebem o mesmo tratamento que o traficante chefe. Não é a toa que as drogas são consumidas livremente nas festas, parques e ruas das cidades.
- A campanha da RBS tem a importância de mobilizar a sociedade para reagir e exigir dos Poderes de Estado ação e comprometimento com esta questão que estimula a exclusão, as doenças, as desordens, a criminalidade e a violência no Brasil. Pena que a mídia, apesar de todo esforço e investimento, tem dificuldades sérias para acordar o povo e sensibilizar os governantes.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
CONSUMO - A LEGALIZAÇÃO EM DEBATE
Legalização do consumo de drogas em debate - Vitor Gomes Pinto, artigo do leitor - O Globo, 9/11/2010
Em um novo round na luta pela aceitação do consumo das chamadas drogas leves, os eleitores da Califórnia rejeitaram nas eleições da última semana a "emenda 19", que autorizaria aos maiores de 21 anos a portar até 28 gramas de maconha para consumo pessoal nas residências e cultivar a planta em casa. Os 46,2% que disseram "sim" representam cerca de 3,5 milhões de californianos, o que dá munição aos promotores da legalização para voltarem à carga nas eleições de 2012. O presidente Barack Obama, que levou uma sova eleitoral histórica perdendo o controle da Casa dos Representantes e mantendo a maioria do Senado pela diferença mínima, declarou (em 2004, como candidato a senador) que "a guerra contra as drogas tem sido um completo fracasso, pelo que devemos repensar e descriminalizar as leis sobre a maconha". Agora, porém, ele alertou que, caso a emenda 19 passasse, continuaria a processar pessoas na Califórnia por posse e cultivo da erva, com base na Lei Federal.
Enquanto o Nobel de Economia Milton Friedman afirmou estar a favor da legalização das drogas porque a maior parte dos problemas que elas provocam se deve ao fato de serem ilegais, o megainvestidor George Soros, que financiou boa parte desta campanha pró-legalização, disse que "a penalização da maconha não impediu que se tornasse a substância ilegal mais consumida nos Estados Unidos".
A Organização das Nações Unidas para a Droga e o Crime (UNODC) informa que até 250 milhões de pessoas fazem uso de drogas ilícitas no mundo e que a maconha tem o maior número de usuários, com algo entre 130 e 190 milhões. Seguem-se os consumidores de estimulantes do tipo anfetamina, de opiáceos como a heroína e de cocaína. A política oficial praticada pela ONU e pela grande maioria dos países favorece campanhas públicas para impedir ou reduzir o consumo associadas à forte penalização de traficantes, intermediários ou consumidores, e a estratégias de substituição dos cultivos e bloqueio das fontes de lavagem de dinheiro. Luis Inácio Lula da Silva estava entre os signatários do famoso manifesto de intelectuais e celebridades entregue ao Secretário-Geral da ONU, no qual se afirma que a guerra global contra o narcotráfico está causando mais danos que o consumo.
Os que se opõem à idéia consideram que os mafiosos italianos e norte-americanos não desapareceram quando caiu a proibição à ingestão de álcool na década dos anos 1930, transformando-se em empresários, e o número de consumidores desde então cresceu exponencialmente no mundo. Mesmo a legalização só para os adultos manteria os menores comprando drogas não legalizadas no mercado negro. Além disso, os contrários à legalização rebatem o argumento de que o fornecimento de drogas controladas garantiria uma melhor qualidade, pois isso não protegeria os mais pobres, que permaneceriam clientes de drogas adulteradas e mais baratas.
Ao mesmo tempo, o raciocínio do ex 1º ministro espanhol, Felipe González, de que é necessário eliminar a proibição, mas para isso seria preciso um acordo internacional a ser cumprido entre todos, foi esta semana repetido na Colômbia, país que teme um aumento da demanda pela maconha (e pela coca) lá produzida e uma concentração ainda maior da guerra contra o tráfico apenas dentro de suas fronteiras, enquanto fora delas os usuários seguiriam multiplicando-se agora sob a proteção da lei.
Considerando os milhões de dólares gastos na repressão ao narcotráfico e os magros resultados obtidos, não há dúvida de que este é um caso típico de desastrosa relação custo-benefício. Uma vez que a quantidade de traficantes e de usuários segue estável ou aumentando, a solução está em tirar o assunto do âmbito policial e judicial para transformá-lo em um problema de saúde pública, possibilitando uma atenção regular aos viciados, junto com a plena responsabilização dos consumidores de drogas por atos criminosos cometidos sob sua influência.
Por fim, para limitar os danos provocados especialmente pelas drogas "duras", entre as quais hoje o crack causa os mais sérios problemas às famílias, é preferível concentrar a atenção no combate aos elos intermediários da cadeia (fornecimento de insumos e precursores, foco nas rotas de tráfico nas estruturas de distribuição no atacado e de lavagem de dinheiro), por se tratarem de atividades sob controle de poucas pessoas. Assim, haveria menor ênfase nos extremos da cadeia - plantação e consumo final -, em que há uma grande dispersão de pequenos agentes.
* Vitor Gomes Pinto é escritor e analista internacional
Em um novo round na luta pela aceitação do consumo das chamadas drogas leves, os eleitores da Califórnia rejeitaram nas eleições da última semana a "emenda 19", que autorizaria aos maiores de 21 anos a portar até 28 gramas de maconha para consumo pessoal nas residências e cultivar a planta em casa. Os 46,2% que disseram "sim" representam cerca de 3,5 milhões de californianos, o que dá munição aos promotores da legalização para voltarem à carga nas eleições de 2012. O presidente Barack Obama, que levou uma sova eleitoral histórica perdendo o controle da Casa dos Representantes e mantendo a maioria do Senado pela diferença mínima, declarou (em 2004, como candidato a senador) que "a guerra contra as drogas tem sido um completo fracasso, pelo que devemos repensar e descriminalizar as leis sobre a maconha". Agora, porém, ele alertou que, caso a emenda 19 passasse, continuaria a processar pessoas na Califórnia por posse e cultivo da erva, com base na Lei Federal.
Enquanto o Nobel de Economia Milton Friedman afirmou estar a favor da legalização das drogas porque a maior parte dos problemas que elas provocam se deve ao fato de serem ilegais, o megainvestidor George Soros, que financiou boa parte desta campanha pró-legalização, disse que "a penalização da maconha não impediu que se tornasse a substância ilegal mais consumida nos Estados Unidos".
A Organização das Nações Unidas para a Droga e o Crime (UNODC) informa que até 250 milhões de pessoas fazem uso de drogas ilícitas no mundo e que a maconha tem o maior número de usuários, com algo entre 130 e 190 milhões. Seguem-se os consumidores de estimulantes do tipo anfetamina, de opiáceos como a heroína e de cocaína. A política oficial praticada pela ONU e pela grande maioria dos países favorece campanhas públicas para impedir ou reduzir o consumo associadas à forte penalização de traficantes, intermediários ou consumidores, e a estratégias de substituição dos cultivos e bloqueio das fontes de lavagem de dinheiro. Luis Inácio Lula da Silva estava entre os signatários do famoso manifesto de intelectuais e celebridades entregue ao Secretário-Geral da ONU, no qual se afirma que a guerra global contra o narcotráfico está causando mais danos que o consumo.
Os que se opõem à idéia consideram que os mafiosos italianos e norte-americanos não desapareceram quando caiu a proibição à ingestão de álcool na década dos anos 1930, transformando-se em empresários, e o número de consumidores desde então cresceu exponencialmente no mundo. Mesmo a legalização só para os adultos manteria os menores comprando drogas não legalizadas no mercado negro. Além disso, os contrários à legalização rebatem o argumento de que o fornecimento de drogas controladas garantiria uma melhor qualidade, pois isso não protegeria os mais pobres, que permaneceriam clientes de drogas adulteradas e mais baratas.
Ao mesmo tempo, o raciocínio do ex 1º ministro espanhol, Felipe González, de que é necessário eliminar a proibição, mas para isso seria preciso um acordo internacional a ser cumprido entre todos, foi esta semana repetido na Colômbia, país que teme um aumento da demanda pela maconha (e pela coca) lá produzida e uma concentração ainda maior da guerra contra o tráfico apenas dentro de suas fronteiras, enquanto fora delas os usuários seguiriam multiplicando-se agora sob a proteção da lei.
Considerando os milhões de dólares gastos na repressão ao narcotráfico e os magros resultados obtidos, não há dúvida de que este é um caso típico de desastrosa relação custo-benefício. Uma vez que a quantidade de traficantes e de usuários segue estável ou aumentando, a solução está em tirar o assunto do âmbito policial e judicial para transformá-lo em um problema de saúde pública, possibilitando uma atenção regular aos viciados, junto com a plena responsabilização dos consumidores de drogas por atos criminosos cometidos sob sua influência.
Por fim, para limitar os danos provocados especialmente pelas drogas "duras", entre as quais hoje o crack causa os mais sérios problemas às famílias, é preferível concentrar a atenção no combate aos elos intermediários da cadeia (fornecimento de insumos e precursores, foco nas rotas de tráfico nas estruturas de distribuição no atacado e de lavagem de dinheiro), por se tratarem de atividades sob controle de poucas pessoas. Assim, haveria menor ênfase nos extremos da cadeia - plantação e consumo final -, em que há uma grande dispersão de pequenos agentes.
* Vitor Gomes Pinto é escritor e analista internacional
Assinar:
Postagens (Atom)