COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

TU JÁ USOU DROGAS?

A pergunta do menino do Morro da Cruz - “Tu já usou drogas?” - DAVID COIMBRA, 28 de novembro de 2010.

Pergunta objetiva, formulada no português mal conjugado dos gaúchos, saída da boca de um menino de, sei lá, 14 ou 15 anos. Nos olhos dele rebrilhava a luz da malícia, sinal do caráter decisivo da pergunta. Uma espécie de cilada, mas, de alguma forma, parecia ser realmente importante para ele saber se eu já havia usado drogas ou não. Para ele e para os outros, dezenas de meninos e meninas que me ouviam, estava dando uma palestra em uma escola do Morro da Cruz.

E agora? A resposta óbvia seria: “Jamais! Imagina!” Mas seria resposta de candidato a vereador, insatisfatória, insincera. Ali estavam crianças acostumadas com o ambiente das drogas. Sabia disso. Como eles, fui criado na rua. Conheci traficantes, vaporzeiros, drogaditos, alguns de meus companheiros de infância hoje são presidiários.

Mas dizer a adolescentes que já usei drogas não seria uma liberação para que eles também usassem? Não seria um mau exemplo?

Todas as crianças me encaravam, expectantes. Resolvi ser honesto:

– Já experimentei drogas. Não algo violento como o crack, que faz grande mal desde o primeiro contato. Mas experimentei, sim, e foi por fraqueza, levado pela turma. Agora: sabem por que não usei mais?

Produzi uma pausa para causar impacto. Eles esperavam, interessados. O que se deve dizer a um adolescente para fazer com que ele não queira usar drogas? Que a droga é ruim? Balela: se fosse ruim, ninguém consumia. Que faz mal à saúde? Inútil: adolescentes se julgam imortais. Fui honesto de novo:

– Não usei mais drogas por que quem usa drogas é otário. Vocês conhecem algum grande traficante que seja drogado? Claro que não: traficante não se droga. Traficante é espertalhão. Vocês conhecem algum viciado com mais de 40 anos de idade? Claro que não: viciados com mais de 40 anos de idade estão todos mortos. Por isso, quem usa drogas é otário. Eu não sou otário.

Não tenho certeza de ter sido convincente, mas tenho certeza de que eles perceberam que falava a verdade. Que lhes expus a realidade. Porque eles, aqueles meninos do Morro da Cruz, eles sorvem todos os dias a realidade mais dura da vida urbana. Sei que alguns daqueles meninos se tornarão drogados e traficantes. Sei até que um deles, meses depois, se suicidou, na certa por não suportar a tal realidade da vida urbana. Mas sei, também, que muitos serão homens e mulheres decentes e criarão os filhos para que sejam melhores do que eles, como anseiam todos os pais.

O que faz a diferença? O que salva uma criança e o que a torna vítima do mundo-cão?

Uma família bem constituída é a resposta óbvia, mas é igualmente óbvio que famílias bem constituídas são raridade no século 21.

Mas existe algo que pode fazer desses meninos verdadeiros cidadãos: são escolas como a do Morro da Cruz, são professores como aqueles que lá cumprem a sua missão. A Educação, ou seja, o Estado atuante, pode fazer a diferença a favor das crianças do Brasil.

Mas, se o Estado não age para salvar as crianças, o que acontece com elas é o que se viu na TV durante esta semana: elas se transformarão em homens como aqueles bandidos de bermuda e sem camisa, com fuzis no ombro, que se esgueiraram feito ratazanas de um morro para outro, no Rio conflagrado.

A guerra do Rio vem sendo definida como a luta do “bem” contra o “mal”. Os jornais festejaram que o crime foi encurralado, que o “Dia D” do enfrentamento contra os bandidos chegou, que o Rio está se debatendo para “voltar à paz”. E, sobretudo, estão especulando se o Rio poderá sediar a Olimpíada, se a Copa do Mundo brasileira não sofrerá prejuízos com tal situação.

Ingenuidade.

Se todos aqueles milhares de bandidos forem mortos ou presos, todos eles sem exceção, se TODOS forem eliminados, nada mudará. Em seis meses, os níveis de criminalidade retornarão aos atuais patamares. Porque o fornecimento de material humano para a bandidagem não foi interrompido. Só será interrompido quando todos os meninos como aqueles do Morro da Cruz forem atendidos integralmente pelo Estado. Quando nenhum menino sequer tenha curiosidade de saber se um adulto já usou ou não drogas.

A Copa do Mundo brasileira não corre nenhum risco. A Olimpíada brasileira não corre nenhum risco. Tudo continuará igual. O risco, quem corre, são os meninos do Brasil. Que são o próprio Brasil.

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