LONGE DO TRABALHO
MARCELO GONZATTO
Nos últimos seis anos, houve um acréscimo de 179% na concessão de auxílio-doença pelo INSS no Rio Grande de Sul por causa do uso de entorpecentes. Trata-se de uma epidemia tóxica que repete um fenômeno nacional, já que no Brasil o aumento foi de 192%.
Ao conquistar uma vaga como funcionário dos Correios, Carlos Adenir Holz pensava ter encontrado o caminho para uma vida confortável. Já fazia planos para virar supervisor quando teve de deixar o trabalho devido à dependência das drogas e passou a fazer parte de um contingente que cresce a ritmo galopante no Rio Grande do Sul.
O número de gaúchos afastados do serviço em razão do uso de entorpecentes quase triplicou nos últimos seis anos, apresentando um acréscimo de 179% na concessão de auxílios-doença pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O drama de Holz, que recebe o benefício por não ter condições de retomar suas atividades, foi vivido por outros 1.343 trabalhadores em 2006. No ano passado, a multidão de homens e mulheres que trocaram o cartão-ponto pela boca de fumo chegou a 3.748 – 2,8 vezes mais. Essa epidemia tóxica repete um fenômeno nacional. Em todo o país, no mesmo período, esse número praticamente triplicou e chegou a mais de 31 mil dependentes químicos (exceto o álcool) que penduraram o crachá e recorreram ao INSS no ano passado.
Isso é considerado por especialistas em saúde pública e direito previdenciário um flagelo social por diferentes razões. Além de colocar a vida do usuário em risco, compromete seu desenvolvimento profissional e sobrecarrega as contas já combalidas da Previdência – que soma déficit de R$ 21 bilhões de janeiro a abril.
O INSS não calcula o peso financeiro que esses afastamentos representam, mas, levando-se em consideração que o valor médio do benefício pago por doença é de R$ 965, apenas um mês de pagamento de todos os beneficiados no ano passado somaria mais de R$ 3,6 milhões.
Crack é um dos principais vilões
Entre as explicações para o fenômeno está a proliferação das drogas nesse período, principalmente daquela que consumiu os sonhos profissionais de Holz, hoje com 41 anos: o crack. O servidor dos Correios enfrentava problemas com a cocaína desde a adolescência, mas sua ruína laboral foi determinada pelo contato com o pó transformado em pedra.
– O trabalho era a minha vida. Estava fazendo planos para virar supervisor quando o crack levou tudo: trabalho, família, casa – conta.
Desde quando ingressou no serviço, em 2001, se afastou do trabalho em 2004, depois teve recaídas a partir de 2008. Durante esse intervalo, chegou a dar palestras de prevenção ao uso de drogas, mas não conseguiu se manter fiel ao próprio discurso. Há mais de dois anos, depende do auxílio-doença e circula por clínicas de desintoxicação e fazendas de recuperação. Nos últimos três meses, está tentando superar o vício na Comunidade Terapêutica Acolher, de Gravataí.
– Além do crack, que tem um impacto brutal, há outras drogas em tendência de alta como cocaína e os tranquilizantes, que também são muito incapacitantes – analisa o psiquiatra e membro do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead) Carlos Salgado.
Disparada segue avanço do uso de entorpecentes no país
A explosão na quantidade de profissionais afastados do serviço pela dependência química acompanha o crescimento constante no uso de drogas pesadas como crack e cocaína.
Conforme o 1º Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, realizado em 2001, no começo da década passada o uso de cocaína nas 107 maiores cidades do país atingia 2,3% da população, enquanto o consumo de crack ficava no patamar de 0,7%. Já outro estudo realizado no ano passado, o 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, apurou com base em mais de 4 mil entrevistas em todo o país um consumo entre 4% deles de cocaína pelo menos alguma vez na vida, e de 1,4% para crack ou outra variação da cocaína que se fuma.
Outro fator que pode estar influenciando o elevado número de registros é uma tendência maior de as perícias médicas admitirem a dependência como doença. O INSS, por meio de sua assessoria de imprensa, sustenta que não houve nenhuma mudança no sistema de concessão de benefícios que pudesse explicar um aumento significativo. Em nota oficial, a avaliação do INSS é de que “se a concessão para essas doenças aumentou, é porque a demanda aumentou”. Porém, segundo o psiquiatra Carlos Salgado, o rápido avanço no registro de afastamentos do trabalho também pode ser parcialmente influenciado por uma maior tendência de os peritos reconhecerem a drogadição como uma doença incapacitante:
– Tem se dado mais status de doença (dependência de drogas) do que há algum tempo, quando para muitos era uma questão de escolha.
ENTREVISTA - “Números são muito graves”
MARTHA SITTONI - Professora de Direito Previdenciário
Professora de Direito Previdenciário da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e advogada trabalhista e previdenciária, Martha Macedo Sittoni afirma que os afastamentos do serviço provocados pela droga podem estar relacionados, também, com o ambiente de pressão em muitos locais de trabalho. Confira trechos da entrevista:
Zero Hora – Que avaliação a senhora faz desses números do INSS, e o que está por trás deles?
Martha Macedo Sittoni – Esses números são muito graves. A avaliação que eu faço envolve dois fatores: um deles é que a Previdência pode estar oferecendo mais benefícios porque hoje há uma facilidade maior de se vislumbrar a dependência química como doença. O segundo é a eclosão do uso. O que percebo, fazendo uma avaliação trabalhista e previdenciária, é que a cobrança nos ambientes de trabalho é cada vez maior. Em decorrência dessa estrutura competitiva, muitas pessoas estão buscando subterfúgios, como as drogas.
ZH – Quais as principais drogas envolvidas nesse problema?
Martha – Não é só crack ou álcool, esse tipo de droga. Temos um problema sério de drogadição de medicamentos, também, usados para tratamentos psicológicos, mas que são usados como fuga para os problemas do trabalho.
ZH – Qual o peso desse fenômeno para a Previdência?
Martha – Sabemos que a Previdência vem se preocupando bastante com o crescente número de benefícios concedidos em razão de doenças e aposentadorias por invalidez. Nesse contexto, as drogas representam um impacto significativo.
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