FILHO DA RUA. Falta de preparo da rede pública para tratar a epidemia da droga agrava casos como o do garoto Felipe, acompanhado por ZH por três anos e mostrado em caderno especial no domingo - LETÍCIA DUARTE
Diante da epidemia do crack, tirar crianças das ruas virou sinônimo de luta contra a dependência. O problema é que a rede pública de atendimento não está preparada para remover esta pedra do caminho.
Como mostrou a história de Felipe, o menino de rua que teve sua história contada na reportagem Filho da Rua, publicada domingo em Zero Hora, o procedimento padrão é internar o dependente para 21 dias de desintoxicação. Embora ajudem a limpar o organismo dos pacientes, essas três semanas acabam desperdiçadas porque faltam espaços para dar continuidade ao tratamento. Sem acompanhamento, meninos como Felipe retornam instantaneamente para as esquinas e para as drogas após a alta.
Segundo o médico psiquiatra Rogério Alves da Paz, que durante dois anos estudou técnicas de tratamento à dependência química nos Estados Unidos, em programa vinculado ao National Institute on Drug Abuse, a recaída é quase certa se o paciente retornar para o mesmo ambiente de onde saiu.
– A desintoxicação só tira o sujeito do surto, não é um tratamento propriamente dito. E a aderência ao tratamento ambulatorial é muito difícil nesses casos. O ideal é que eles fiquem internados por mais tempo, para que aprendam a mudar comportamentos – defende.
O psiquiatra, que também é coordenador técnico da casa Marta e Maria, que acolhe adolescentes com dependência química na Capital, salienta que, nos Estados Unidos, casos graves de dependência associada a transtornos psiquiátricos costumam ser tratados com períodos de um a dois anos de internação.
Com duas décadas de experiência na área, o psicólogo Lucas Neiva-Silva, professor da Universidade Federal do Rio Grande e pesquisador do Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua da UFRGS, observa que as antigas estratégias de combate ao loló se tornaram ineficazes diante do crack, o que exige novas abordagens.
– A síndrome de abstinência do crack é muito forte. Se com apoio da família já é difícil o tratamento, imagina sem. Sem acompanhamento, a recuperação vai ser um fracasso em 99,9% dos casos – alerta.
OLHAR DOS PROFISSIONAIS PARA DEPENDENTES PRECISA MUDAR
Um dos reflexos da expansão da pedra é que, atualmente, a maioria dos bebês colocados para adoção são filhos de usuários de crack. A constatação é do juiz José Antônio Daltoé Cezar, da 2ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre, que lamenta a falta de opções de tratamento aos dependentes:
– Temos de catar lugar para atender essas crianças, porque não existem esses equipamentos. É uma epidemia nova, estamos tateando ainda.
Para Maria Cristina Gonçalves da Costa, coordenadora da Casa Amarela/Instituto Recriar – instituição que acolhe 13 adolescentes com idade entre 12 e 19 anos –, o olhar dos profissionais também precisa mudar. Ela questiona o conceito vigente de que os meninos de rua só devem ser internados se quiserem.
– Que condições um menino dependente tem de decidir se quer ou não se tratar? Se fosse um filho teu, tu deixaria ele decidir se quer ou não o tratamento? – questiona.
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