FIM DA PICADA! Juiz de Brasília absolve traficante que levava 52 porções de maconha no estômago pra traficar dentro da Papuda. Razão? O doutor considera a droga “recreativa”
Decisão de juiz se respeita, claro!, mas se discute — e, até onde a lei faculta, pode-se recorrer contra ela. O juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel, da 4ª vara de Entorpecentes de Brasília, vai virar um herói e um símbolo da causa da descriminação das drogas — particularmente da maconha. Será transformado numa espécie de nova face da Justiça: mais humana, mais compreensiva, mais pluralista. Tudo bem! Digamos que fosse assim. Ocorre que o senhor Cardoso Maciel tem de julgar segundo as leis que temos, não segundo aquelas que ele pessoalmente acharia justas. O seu arbítrio não é subjetivo: transita num determinado orbital. Por que isso? O doutor resolveu absolver um traficante de maconha. E não era coisa pouca, não! Sob quais argumentos? Leiam trechos da reportagem de Felipe Coutinho, na Folha. Volto em seguida.
Escreveu o doutor:
“Soa incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população de utilizar outras substâncias”.
O juiz Cardoso Maciel tem todo o direito se julgar a cultura brasileira “atrasada” — e posso imaginar o seu sofrimento ao ser juiz em meio a esse atraso, né? Mas nada o impede de se filiar a um partido político e disputar um lugar lá naquele prédio das duas conchas, não é mesmo? Refiro-me ao Congresso Nacional. É lá que se fazem as leis, meu senhor, não aí na 4ª Vara de Entorpecentes de Brasília. Quem deu ao juiz a competência para descriminar a maconha?
Atenção, senhores leitores, o réu em questão foi pego DENTRO DO PRESÍDIO DA PAPUDA COM 52 PORÇÕES DE MACONHA DENTRO DO ESTÔMAGO. O destino era o tráfico entre os presidiários. Pediu pena mínima, e o juiz decidiu absolvê-lo. O advogado do traficante certamente não esperava tanto.
A justificativa, com a devida vênia, é patética. Escreveu ele ainda, segundo a reportagem: “A portaria 344/98, indubitavelmente um ato administrativo que restringe direitos, carece de qualquer motivação por parte do Estado e não justifica os motivos pelos quais incluem a restrição de uso e comércio de várias substâncias, em especial algumas contidas na lista F, como o THC, o que, de plano, demonstra a ilegalidade do ato administrativo”.
Não está em questão, nem é de sua competência, o conteúdo da portaria. Ainda que ele não goste dela, não é sua função declarar a sua ilegalidade. Enquanto ele estiver investido da toga, cumpre-lhe considerar que ela integra o conjunto das normas do estado de direito — que inclui ainda a Lei Antidrogas, a 11.343.
De resto, observo que sentença de juiz não deveria servir para proselitismo e militância em favor de causas. Ademais, há uma questão de fundo: se a maconha fosse legal no Brasil, ele tem a certeza de que o traficante em questão não estaria com a barriga cheia de cocaína, por exemplo? Alguém dirá: “E você, Reinaldo, como pode levantar uma hipótese como essa?”. Posso, sim! O indivíduo sabia que estava cometendo uma ilegalidade — daí ter recorrido àquele ardil. E ele o fez não porque, a exemplo do doutor, considere injusta a ilegalidade da maconha, mas porque decidiu, de forma consciente, transgredir uma lei. Ele não era um militante da liberdade de escolha. Tratava-se apenas de alguém cometendo um ato que sabia ser criminoso.
Um crime que, não obstante, o juiz não reconheceu. Um despropósito absoluto.
PS – Comentem com prudência, como de hábito. Pode não ser o caso do juiz Cardoso Maciel, mas é o de outros com as mesmas teses. Eles costumam ser ultralibertários em matéria de consumo de drogas, mas acham que a liberdade de expressão é uma substância perigosa. Tendem a tomar a divergência como ofensa à honra.Por Reinaldo Azevedo