ZERO HORA 05 de janeiro de 2014 | N° 17664
LETÍCIA COSTA
Mulher de 69 anos que sustentava a dependência de um neto em cocaína teria sido assassinada, há quatro anos, por um taxista a serviço de traficantes
Eram 21h de sexta-feira, 30 de outubro de 2009, quando Daniel da Silva Blanco chegou em casa na Rua Urussanga, bairro Guarujá, zona sul de Porto Alegre.
Viciado em cocaína, o jovem de 29 anos olhou para a avó, que assistia à televisão, e ordenou, antes de se trancar no quarto:
– Linda, resolve lá pra mim!
Resignada, Linda Alsira da Silva Blanco, 69 anos, sabia o que tinha de ser feito. Desde que Daniel tornara-se dependente químico, era a aposentada quem sustentava o vício do neto. Mas naquela noite a conversa com o taxista que chegara para cobrar a droga fora diferente. Linda não tinha R$ 80 para pagar – e morreu no colo de uma filha, com um corte profundo na cabeça, após conversar com o motorista.
A morte de Linda era tratada como um acidente, mas, em outubro passado, a telefonista Márcia Rosane Blanco de Moraes, filha de Linda, contou o que sabia ao delegado Lauro Santos, da 10ª Delegacia da Polícia Civil:
– Ela foi morta pelo taxista.
A tragédia vivenciada pelos Blanco expõe o drama de dependentes químicos e de seus familiares.
Conforme o laudo da perícia, Linda morreu em decorrência de hemorragia cerebral.
– Cada vez que batia alguém cobrando lá em casa, ela não deixava a gente sair. Chegou a entregar televisão, som, tudo que tinha. Ele (Daniel) acabou com a vida dela – resume Márcia.
Para delegado, idosa foi morta a coronhada
Com depoimentos e laudos em mãos, o delegado Lauro Santos acredita que o taxista tenha dado uma coronhada em Linda. Identificado em fotografias por Márcia, o motorista pode responder por lesão corporal seguida de morte ou homicídio doloso (quando há intenção de matar).
– Ela gritou “Márcia, socorro, chama a polícia”. Quando corri, já estava caída no chão – afirma a telefonista, que anotou o prefixo do táxi.
Ao reabrir o caso, Santos solicitou à Justiça a autorização para um mandado de busca e apreensão da arma e de prisão temporária – que não foram deferidos pela Justiça.
Na quinta-feira, 26 de dezembro, o homem se apresentou à polícia, e negou a agressão.
A destruição da família, incentivada pela facilidade de acesso à droga, começou ainda na adolescência de Daniel. Criado e registrado pela avó, o jovem, que estudava e trabalhava, chegou a ficar três dias sumido. Foi encontrado com roupas velhas, porque tinha usado a vestimenta como moeda de troca. A tia lembra de um dia de folga em que quis ouvir a coleção de CDs que mantinha e só encontrou as capas.
– Tinha de ter as coisas muito bem escondidas dentro de casa. Cansei de ter de colocar ele embaixo do chuveiro para tomar banho frio. Ele queria sair enlouquecido por causa da droga – conta Márcia.
Depois da morte de Linda, Daniel foi mandado embora pela tia. Perambulou entre residências de parentes. Em 22 de janeiro de 2010, foi de táxi na casa de familiares e de alguns vizinhos na tentativa de conseguir dinheiro emprestado para pagar mais uma “corrida”. Na última chance, recorreu ao endereço onde um tio trabalhava, na Rua Vigário José Ignacio. Na portaria, o taxista esperava o dinheiro, mas o parente do dependente químico estava de férias. Sem encontrar uma solução, Daniel pôs fim à própria vida.
ZERO HORA 05 de janeiro de 2014 | N° 17664
ENTREVISTA
“A dependência química é uma doença crônica"
Autora de uma pesquisa com familiares de dependentes químicos da capital paulista, a psicóloga Fátima Rato Padin salienta que alguns fatores de risco podem levar ao mundo das drogas. Pesquisadora ligada ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a psicóloga concedeu entrevista a Zero Hora. A seguir, os principais trechos da conversa.
Zero Hora – O que leva uma pessoa a se envolver com a droga, mesmo que nenhum familiar seja viciado?
Fátima Rato Padin – A dependência química é uma doença crônica, recidiva e multifatorial. Os fatores de risco e de proteção são predisposição (genética /bioquímica), baixo monitoramento familiar, histórico familiar de doença mental, comportamento agressivo e antissocial, alienação ou rebeldia, baixo rendimento acadêmico, baixo vínculo escolar, pares usuários, atitudes positivas em relação a drogas por parte da comunidade e disponibilidade de drogas. Mesmo não tendo parentes usuários, outros fatores de risco podem levar ao uso e à dependência.
ZH – Como a família pode saber que um membro está se envolvendo com drogas?
Fátima – Percebendo mudanças comportamentais (mesmo que sutis), pernoites fora de casa, amigos usuários, queda no rendimento escolar ou interrupção do mesmo, alienação, falta de cuidados pessoais, fuga de contato com familiares.
ZH – Quais atitudes equivocadas dos familiares podem incentivar o vício?
Fátima – É preciso levar em consideração atitudes permissivas a consumo de qualquer substância lícita ou ilícita, falta de monitoramento, falta de diálogo, demora na busca de ajuda ou orientação.
Mulher de 69 anos que sustentava a dependência de um neto em cocaína teria sido assassinada, há quatro anos, por um taxista a serviço de traficantes
Eram 21h de sexta-feira, 30 de outubro de 2009, quando Daniel da Silva Blanco chegou em casa na Rua Urussanga, bairro Guarujá, zona sul de Porto Alegre.
Viciado em cocaína, o jovem de 29 anos olhou para a avó, que assistia à televisão, e ordenou, antes de se trancar no quarto:
– Linda, resolve lá pra mim!
Resignada, Linda Alsira da Silva Blanco, 69 anos, sabia o que tinha de ser feito. Desde que Daniel tornara-se dependente químico, era a aposentada quem sustentava o vício do neto. Mas naquela noite a conversa com o taxista que chegara para cobrar a droga fora diferente. Linda não tinha R$ 80 para pagar – e morreu no colo de uma filha, com um corte profundo na cabeça, após conversar com o motorista.
A morte de Linda era tratada como um acidente, mas, em outubro passado, a telefonista Márcia Rosane Blanco de Moraes, filha de Linda, contou o que sabia ao delegado Lauro Santos, da 10ª Delegacia da Polícia Civil:
– Ela foi morta pelo taxista.
A tragédia vivenciada pelos Blanco expõe o drama de dependentes químicos e de seus familiares.
Conforme o laudo da perícia, Linda morreu em decorrência de hemorragia cerebral.
– Cada vez que batia alguém cobrando lá em casa, ela não deixava a gente sair. Chegou a entregar televisão, som, tudo que tinha. Ele (Daniel) acabou com a vida dela – resume Márcia.
Para delegado, idosa foi morta a coronhada
Com depoimentos e laudos em mãos, o delegado Lauro Santos acredita que o taxista tenha dado uma coronhada em Linda. Identificado em fotografias por Márcia, o motorista pode responder por lesão corporal seguida de morte ou homicídio doloso (quando há intenção de matar).
– Ela gritou “Márcia, socorro, chama a polícia”. Quando corri, já estava caída no chão – afirma a telefonista, que anotou o prefixo do táxi.
Ao reabrir o caso, Santos solicitou à Justiça a autorização para um mandado de busca e apreensão da arma e de prisão temporária – que não foram deferidos pela Justiça.
Na quinta-feira, 26 de dezembro, o homem se apresentou à polícia, e negou a agressão.
A destruição da família, incentivada pela facilidade de acesso à droga, começou ainda na adolescência de Daniel. Criado e registrado pela avó, o jovem, que estudava e trabalhava, chegou a ficar três dias sumido. Foi encontrado com roupas velhas, porque tinha usado a vestimenta como moeda de troca. A tia lembra de um dia de folga em que quis ouvir a coleção de CDs que mantinha e só encontrou as capas.
– Tinha de ter as coisas muito bem escondidas dentro de casa. Cansei de ter de colocar ele embaixo do chuveiro para tomar banho frio. Ele queria sair enlouquecido por causa da droga – conta Márcia.
Depois da morte de Linda, Daniel foi mandado embora pela tia. Perambulou entre residências de parentes. Em 22 de janeiro de 2010, foi de táxi na casa de familiares e de alguns vizinhos na tentativa de conseguir dinheiro emprestado para pagar mais uma “corrida”. Na última chance, recorreu ao endereço onde um tio trabalhava, na Rua Vigário José Ignacio. Na portaria, o taxista esperava o dinheiro, mas o parente do dependente químico estava de férias. Sem encontrar uma solução, Daniel pôs fim à própria vida.
ZERO HORA 05 de janeiro de 2014 | N° 17664
ENTREVISTA
“A dependência química é uma doença crônica"
Autora de uma pesquisa com familiares de dependentes químicos da capital paulista, a psicóloga Fátima Rato Padin salienta que alguns fatores de risco podem levar ao mundo das drogas. Pesquisadora ligada ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a psicóloga concedeu entrevista a Zero Hora. A seguir, os principais trechos da conversa.
Zero Hora – O que leva uma pessoa a se envolver com a droga, mesmo que nenhum familiar seja viciado?
Fátima Rato Padin – A dependência química é uma doença crônica, recidiva e multifatorial. Os fatores de risco e de proteção são predisposição (genética /bioquímica), baixo monitoramento familiar, histórico familiar de doença mental, comportamento agressivo e antissocial, alienação ou rebeldia, baixo rendimento acadêmico, baixo vínculo escolar, pares usuários, atitudes positivas em relação a drogas por parte da comunidade e disponibilidade de drogas. Mesmo não tendo parentes usuários, outros fatores de risco podem levar ao uso e à dependência.
ZH – Como a família pode saber que um membro está se envolvendo com drogas?
Fátima – Percebendo mudanças comportamentais (mesmo que sutis), pernoites fora de casa, amigos usuários, queda no rendimento escolar ou interrupção do mesmo, alienação, falta de cuidados pessoais, fuga de contato com familiares.
ZH – Quais atitudes equivocadas dos familiares podem incentivar o vício?
Fátima – É preciso levar em consideração atitudes permissivas a consumo de qualquer substância lícita ou ilícita, falta de monitoramento, falta de diálogo, demora na busca de ajuda ou orientação.
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