Além de roubos, frequentadores da Lapa convivem com tráfico e uso de
drogas a céu aberto . Semana passada, o grupo teatral Tá na Rua, do ator
Amir Haddad, teve sua sede na Mem de Sá invadida e seu equipamento de
som roubado
Thiago Jansen
O GLOBO 3/07/12 - 22h45
Movimento intenso numa rua da Lapa no fim de semana: a venda e o consumo
de drogas acontecem a céu aberto, sem repressão da PM ou da Guarda
Municipal Pedro Kirilos / O Globo
RIO - Eram cerca de
22h30m da última sexta-feira quando aproximadamente dez mil pessoas se
reuniam na Praça Cardeal Câmara, em frente aos Arcos da Lapa, para
acompanhar o show gratuito da cantora Daniela Mercury, seguido de um
espetáculo de projeções sobre o símbolo maior da região. Próximo dali,
jovens de diversas idades começavam a lotar a Travessa do Mosqueira, uma
entre as tantas ruas do local com depósitos de bebida e bares. “Vai pó,
vai maconha?”, perguntou um garoto, menor de idade, sem qualquer
inibição, quando o repórter do GLOBO chegou à esquina da Rua Joaquim
Silva, a um quarteirão de distância dos policiais militares e dos
guardas municipais que patrulhavam a Avenida Mem de Sá.
A
situação, corriqueira, de acordo com testemunhas, ilustra o atual estado
da Lapa, berço da boemia e da malandragem cariocas, local de grande
circulação de turistas e onde assaltos, venda e consumo de drogas ainda
são frequentes, apesar do policiamento e das obras de revitalização na
região, transformada oficialmente em bairro há quase dois meses.
Arrastões são outra preocupação
Semana passada, como noticiou a coluna de Ancelmo Gois no GLOBO,
o grupo teatral Tá na Rua, do ator Amir Haddad, teve sua sede na Mem de
Sá invadida e seu equipamento de som roubado. Foi a segunda vez em
menos de dois meses — a aparelhagem tinha sido doada pela atriz Fernanda
Montenegro, sensibilizada pelo primeiro roubo, em maio. “Esses dois
assaltos nos deixaram estarrecidos, nos jogaram na realidade. Lamentamos
viver assim”, disse Haddad, pouco depois do segundo caso, traduzindo a
insatisfação de muitos que se estabeleceram na região.
— A
segurança no bairro não tem melhorado em nada. Apesar de a Mem de Sá
agora estar sendo fechada à noite durante os fins de semana, muitos
pivetes se misturam às pessoas e praticam assaltos. Arrastões também são
frequentes. Durante o dia, é comum ver turistas sendo roubados — afirma
Patrícia Santos, gerente da Pizzaria Guanabara da região.
De
acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), a 5ª DP (Gomes
Freire), delegacia da região, registrou 140 roubos e 479 furtos em maio
deste ano. Em abril, os números foram semelhantes: 131 e 466,
respectivamente. Se comparados com os dados do ano passado, não há
grandes mudanças nos índices: 149 roubos e 427 furtos em maio, contra
187 e 512 em abril. No entanto, o número de casos pode ser ainda maior,
já que muitos ainda preferem não registrar ocorrência por acharem
“natural” a situação.
— A Lapa tem um problema que é a
naturalização da violência. Ou seja, boa parte das pessoas que são
assaltadas não presta queixa e aquelas que assaltam não se intimidam —
afirma o gerente de um bar próximo aos Arcos que preferiu não ser
identificado. — A Lapa está longe de ser uma área segura. Já tive
clientes assaltados após sair daqui e, num caso mais grave, uma menina
foi estuprada, em outubro do ano passado.
Donos de
estabelecimentos comerciais da área dizem acreditar que a situação do
quarteirão da Rua Joaquim Silva é uma das mais problemáticas da região.
De acordo com uma das sócias da casa de shows Semente, que também
preferiu não se identificar, a atual estrutura de policiamento só chega a
determinadas áreas do bairro:
— Todo esse quarteirão da Joaquim
Silva, subindo a ladeirazinha, é terra de ninguém. Tem um povo muito
estranho por aqui, um lugar que é ponto turístico, subida para Santa
Teresa e que leva à escadaria da Lapa. Existe um comércio de drogas 24
horas por aqui. Às vezes, às 15h vem gente oferecer cocaína se você
estiver passando. Já fui assaltada na esquina do Semente e, há uns três
sábados, houve dois arrastões aqui em frente.
Responsável pela
Fundição Progresso, Perfeito Fortuna afirma que o lado oposto ao da
Ladeira Santa Teresa também anda perigoso, já que, com o fechamento do
tráfego por ali, próximo à Praça Monsenhor Francisco Pinto, muitos
moradores de rua e assaltantes estão vivendo na área, debaixo dos Arcos.
—
Na passagem dos Arcos dos Lapa, o policiamento está ótimo, mas o
pequeno morro próximo à Avenida Chile está sendo feito de moradia por
muitos assaltantes. Está bastante perigoso — afirma Perfeito.
Na
noite da última sexta-feira, um grupo com cerca de 30 menores moradores
de rua estava no início da Ladeira Santa Teresa, embaixo dos Arcos, a
menos de 500 metros de uma patrulha da Guarda Municipal, de um posto da
Secretaria da Ordem Pública e de alguns veículos da Secretaria de
Assistência Social. Ao virar a esquina da ladeira com a Joaquim Silva,
era possível encontrar menores consumindo drogas e bebidas alcoólicas a
céu aberto. Na escadaria da Lapa, o consumo de drogas era ainda maior.
Não havia policiamento fixo na área e, ainda que uma patrulha da PM
tenha passado ao menos uma vez pelo local, nenhuma ação foi tomada para
coibir o tráfico.
Mesmo na Mem de Sá, onde o policiamento era
ostensivo, assaltos ocorriam, como o que sofreu Euclydes Magalhães, de
25 anos. Frequentador assíduo da região nos fins de semana, ele estava
com um grupo de amigos embaixo dos Arcos, por volta das 23h30m de
sexta-feira, quando teve o cordão puxado de seu pescoço por dois jovens,
que fugiram. Meia hora depois, quando estava mostrando o local do roubo
a um amigo, presenciou uma tentativa de assalto e, junto com outras
pessoas, conseguiu imobilizar o ladrão e levá-lo até PMs.
— A
região está mais complicada de uns tempos para cá, porque os ladrões,
que antes se concentravam em locais específicos, agora ficam espalhados
pela região — afirmou Euclydes. — Agora só volto na Lapa daqui a um mês,
porque acho que posso ter ficado marcado pelos meus assaltantes.
A
Polícia Civil informou que sabe da venda e do consumo de drogas na
área, acrescentando que tem feito operações para reprimir o tráfico. A
PM, por sua vez, disse que atua na região com quatro viaturas de dia e
12 à noite, além do policiamento montado e de 20 policiais no
patrulhamento a pé — nos fins de semana, ele é reforçado. Após saber,
pela equipe de reportagem, da venda de drogas na Joaquim Silva, a
corporação disse que passará a deixar uma patrulha na rua.
A
Secretaria municipal de Assistência Social admitiu que há uma
concentração de adultos e menores de rua na Lapa que fazem uso de
drogas. O órgão informou que equipes atuam diariamente na abordagem
dessa população, mas que muitas pessoas levadas aos centros de
tratamento os deixam por causa do vício em álcool ou drogas.
COMPROMETIMENTO DOS PODERES
As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.
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