COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

POR QUE DEVEMOS SER CONTRA

ZERO HORA 10 de abril de 2013 | N° 17398 ARTIGOS


 Vinícius Rauber e Souza*


Está em vias de ser aprovado o projeto do deputado Osmar Terra que facilitará a internação involuntária de usuários de drogas e aumentar o tempo permitido de internação dos dependentes químicos, que atualmente é de 30 dias, para até seis meses.

A princípio, a ideia parece boa. Afinal, os usuários de drogas, em especial de crack, precisam de atenção especializada e de espaços para sua recuperação. Tanto que, quando comecei a pesquisar a questão, achava absurdo o fechamento de leitos psiquiátricos que ocorreu no Brasil desde os anos 80, com a reforma psiquiátrica. Ocorre que depois de muitos anos estudando o campo da saúde mental, minha posição se alterou radicalmente.

Nesse meio-tempo, eu descobri – pelos mesmos médicos que querem aumentar o tempo de internação – que a desintoxicação do organismo dos usuários de drogas ocorre em, no máximo, 30 dias. Depois desse período, permanecem sequelas, a fissura, com componentes químicos/neurológicos que dificilmente se alteram (e, por isso mesmo, não justificam uma internação prolongada acima de 30 dias). Após esse período, os componentes mais importantes no processo de desintoxicação são psicológicos e sociais.

No entanto, após mais de 30 dias internado em uma instituição, o paciente passa a ter uma perda justamente nesses dois componentes. A autonomia do paciente passa a ser comprometida, não importa quão “humanizada” seja a instituição. Quando internado, o paciente perde o controle sobre sua vida cotidiana, fica impossibilitado de tomar as decisões mais corriqueiras, como escolher o horário de comer ou tomar banho, que passam a ser determinados pela orientação da equipe da instituição. O paciente se torna dependente da instituição. Ao invés de reaprender a viver em sociedade, ele vai desaprender como fazê-lo.

E além: quando não se trata de uma internação voluntária, as instituições de tratamento agem contra a vontade dos internados e a favor de quem o contratou – seja a família ou o Estado –, tendo uma função muito antes de controle social do que terapêutica.

Por fim, eu descobri que os leitos extintos foram substituídos por serviços especializados, os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). Neles, os pacientes não ficam internados, mas são atendidos na sua comunidade, de modo que aprendam a ter uma vida mais saudável sem serem retirados de suas vidas cotidianas. Os CAPS promovem a autonomia do indivíduo. Deste modo, o usuário de drogas não vai sair da instituição, após seis meses internado, sem saber como lidar para enfrentar a sua vida cotidiana sem o rígido controle da instituição.

Os hospitais são desnecessários? Não. Não é isso que quero dizer. É preciso realizar a desintoxicação química do organismo. No entanto, depois disso, o modelo médico tradicional pouco pode fazer. É preciso o trabalho de assistentes sociais, psicólogos, sociólogos, terapeutas e profissionais de diversas áreas para promover a autonomia do paciente. Dentro de instituições fechadas, é impossível restabelecer os mecanismos autorreguladores da vida cotidiana, tão necessários para os usuários de drogas.

Além disso, já existe uma legislação específica para isso, tanto em nível nacional quanto em nível estadual, que leva em consideração uma rígida e necessária fiscalização e obriga a comunicação ao Ministério Público em até 24 horas para que as internações ocorram dentro de padrões que respeitem os direitos humanos e os direitos de cidadania das pessoas. Por essas razões, a aprovação desse projeto de lei vai ser um retrocesso no tratamento para usuários de drogas e pacientes psiquiátricos em geral.

*PROFESSOR DE SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA DA UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

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