COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

SEXO DROGAS E CADEIA - Quadrilha agenciava viciadas endividadas

SEXO DROGAS E CADEIA - Quadrilha agenciava viciadas endividadas. Mulheres eram obrigadas por traficantes a fazer programas em Alvorada - FRANCISCO AMORIM, ZERO HORA, 17/12/2010

Ao investigar uma quadrilha de tráfico de drogas em Alvorada, agentes da Polícia Civil descobriram o embrião de uma rede de prostituição em que os gerentes das bocas de fumo assumiram também a função de cafetões. Para recuperar dívidas contraídas por viciadas em crack, os traficantes agenciavam programas sexuais por até R$ 150.

Desarticulado ontem com a prisão de nove integrantes durante uma operação que envolveu 50 policiais civis, o bando que vendia cocaína e crack começou a ter os passos monitorados havia dois meses após a execução de um de seus integrantes, que tentava abrir seu próprio ponto de tráfico.

– Começamos a investigar o envolvimento do bando em mortes quando descobrimos que os traficantes agenciavam programas com usuárias de drogas para quitar dívidas com ele – explicou o delegado Leonel Carivali.

O policial ficou surpreso com a estratégia adotada pelos traficantes. Escutas telefônicas revelaram que homens ligavam para os criminosos em busca de garotas, entre elas, possivelmente adolescentes, que estavam devendo dinheiro por drogas adquiridas nas bocas de fumo administradas pelo bando. O valor do programa era acordado por celular e variava de acordo com a idade e a aparência física das jovens, podendo chegar a R$ 150. Alguns clientes buscavam as jovens no ponto de tráfico, outros preferiam encontrá-las em vias públicas movimentadas.

– Foi o jeito encontrado por eles para recuperar o dinheiro que as mulheres deviam na boca de fumo – explicou o delegado.

A intenção inicial da polícia era desbaratar o grupo para reduzir os indicadores criminais da cidade. Atualmente, Alvorada ocupa o terceiro lugar no ranking de homicídios no Estado com 85 mortes, perdendo apenas para Porto Alegre (341) e Caxias do Sul (90). Alvorada passa à primeira colocação em assassinatos a cada 100 mil habitantes.

Conforme a polícia, a quadrilha desarticulada está envolvida em pelo menos duas mortes ocorridas neste ano. Investigações em andamento revelam que o bando pode estar ainda por trás da maior parte dos 18 assassinatos ocorridos na área da 2ª Delegacia da Polícia Civil de Alvorada.

Além da prisão de três pessoas em flagrante por tráfico e porte de armas, outros seis suspeitos foram presos após terem tido a prisão temporária decretada pela Justiça. Na operação foram apreendidos quatro motos, 140 pedras de crack, 22 buchas de cocaína, além de um revólver calibre 38 e uma espingarda.


Escutas telefônicas - As escutas telefônicas dos suspeitos feitas com autorização da Justiça revelam como funcionava o esquema de agenciamento de programas sexuais entre viciadas e outros clientes dos traficantes.

Confira trecho de uma conversa na noite do dia 11, entre o gerente de uma das bocas, uma usuária de drogas e um cliente do esquema:

Cliente – Oh meu, não tem nenhuma guria para fazer um programa comigo?
Traficante – Espera a (dá o nome de uma mulher) chegar.
Cliente – Mas que horas?
Traficante – Oh, tem a (dá o nome de outra mulher)! Onde tu quer pegar ela, lá em casa?
Cliente – Deixa eu falar com ela!
Mulher – Oi. (Em seguida ela começa a conversar com o traficante, que assume o telefone)
Cliente – Oi. Quanto é teu programa?
Traficante – É 150. A guria tem 17 aninhos, o que tu quer mais?
Cliente – 150?
Traficante – 17 aninhos!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

RS - EXEMPLO DA LUTA CONTRA O CRACK

Exemplo da luta contra o crack, por Osmar Terra - Zero Hora, 15/12/2010

O Rio Grande do Sul lidera o combate ao crack, segundo pesquisas da Confederação Nacional dos Municípios. É o Estado brasileiro onde os municípios têm maior volume de ações, basicamente preventivas, em relação ao assunto.

É claro que a competência das nossas administrações municipais é determinante nessa liderança e é notável o reforço dado pela mídia gaúcha, particularmente a campanha da RBS Crack, Nem Pensar, que estimula muito a mobilização comunitária e do setor público.

É bom lembrar que o crack hoje vitima 1% da população gaúcha e brasileira. É o mais grave problema de saúde pública do país.

Mas um fator muito importante e pouco citado na divulgação do assunto é o trabalho feito pelo governo do Estado, pelo Programa de Prevenção da Violência, que em 2007 detectou a gravidade da epidemia, criou um sistema de enfrentamento ao crack, único no país. Ele vai desde a capacitação de todas as equipes de Saúde da Família, equipes do PIM e profissionais de entidades conveniadas, para realizar a prevenção e acompanhamento das famílias.

No atendimento, o Rio Grande do Sul foi o Estado que mais ampliou leitos para atendimento do crack em hospitais gerais. Foram perto de mil leitos novos de 2009 para cá, em 86 hospitais regionais. Também fomos o primeiro Estado a credenciar e pagar comunidades terapêuticas, fazendas de recuperação para manter os dependentes em abstinência por longo perío-do de tempo. Também estimulamos a ampliação dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) numa velocidade e escala muito maiores que a dos outros Estados. Além disso, várias secretarias, em parceria com os municípios, promoveram atividades preventivas. A Secretaria da Segurança promoveu ações focalizadas na repressão ao tráfico de crack.

Assim, o governo estadual investiu nos últimos três anos mais de R$ 100 milhões de seus recursos para enfrentar a pior de todas as epidemias, que é a do crack.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Está de parabéns, o Secretário da Saúde do RS pelas muitas inciativas e vários investimentos neste área. Porém, pecou na falta de construção de Centros Especializados no Tratamento das Dependências e Assistência ao Familiar. Estes centros, distribuídos em todas as micro-regiões do Estado, são imprescindíveis para estabelecer uma solução próxima, fácil e alcançável para o tratamento de uma epidemia que repercute na ordem pública e nos sentimentos de famílias inteiras. Até agora, o RS, apesar de ser exemplo no país, promoveu medidas superficiais e insuficientes para tirar estas pessoas do sofrimento, do aliciamento pelo tráfico e da reincidência ao crime.

RS NA LIDERANÇA CONTRA O CRACK

Liderança contra o crack - Zero Hora Editorial, 15/12/2010

A boa notícia em meio a uma verdadeira tragédia disseminada pelo crack é que, no Rio Grande do Sul, 64,5% dos municípios estão mobilizados contra um problema hoje de características nacionais, colocando o Estado na liderança. O fenômeno, na avaliação da Confederação Nacional de Municípios (CNM), se deve particularmente a ações da mídia, como a campanha Crack, Nem Pensar, do Grupo RBS, que chamaram a atenção para um drama até então considerado tabu entre as famílias. Ainda assim, o fato de 98% das prefeituras do país que responderam ao questionário terem relatado casos de presença da droga dá uma ideia da gravidade do problema, para o qual o poder público só acenou até agora com promessas, não com respostas concretas.

Um aspecto preocupante e inadmissível é que, apesar das redes articuladas por prefeituras, igrejas, ONGs e centros comunitários para evitar que mais pessoas caiam na droga e para tratar das já escravizadas a ela, poucos municípios dispõem de recursos para isso. Além disso, o estrago provocado pelo crack já não se restringe a cidades urbanas de maior porte. O avanço é cada vez maior em direção às pequenas e, inclusive, no meio rural. Mesmo assim, as ações prometidas pelo governo federal foram direcionadas a cidades com mais de 20 mil habitantes e, até hoje, praticamente não saíram do papel.

A sociedade fez a sua parte ao denunciar uma calamidade silenciosa, alertando para a importância de o problema ser encarado sem preconceito por parte dos familiares. Esse tipo de mobilização, porém, precisa ser devidamente respaldado pelo poder público, que tem condições materiais e financeiras de enfrentar um desafio dessa magnitude.

As administrações municipais não podem fechar os olhos para o problema, que afeta as famílias da comunidade. O Rio Grande do Sul mostrou-se pioneiro e o mais ousado nesta luta. É fundamental, porém, que as prefeituras possam articular suas ações com os governos estadual e federal, pois não haverá ganhos nas dimensões necessárias sem um eficiente planejamento estratégico.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

CRACK ATINGE 98% DAS CIDADES BRASILEIRAS.


Droga chega a 98% das cidades brasileiras - Zero Hora, 14/12/2010

O crack, uma droga que se concentrava em grandes centros urbanos, chegou definitivamente aos confins do Brasil. A pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) revelou que 98% das cidades brasileiras que responderam ao levantamento já registraram ocorrência com o entorpecente.

– O problema alcançou uma dimensão nacional. Não está mais nas grandes cidades, mas nas áreas rurais – apontou o presidente da CNM Paulo Ziulkoski.

Para o diretor do Centro de Pesquisa de Drogas e Álcool da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Flavio Pechansky, as características do tráfico facilitaram a expansão do crack para o interior.

– O transporte facilitado e o microvarejo levaram a droga para pequenas cidades – sustenta.

O resultado do estudo, que evidenciou essa interiorização do crack, levou Ziulkoski a criticar o Plano de Enfrentamento do Crack e outras Drogas, lançado em maio pelo governo federal, que limitou as ações somente para as cidades acima dos 20 mil habitantes.

– E não chegou nenhum centavo para os municípios – lamentou.

Sem recursos, as cidades não conseguem investir em estruturas de tratamento e prevenção. Pelo levantamento, somente 14,7% dos municípios brasileiros pesquisados afirmaram ter Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que oferece atendimento aos usuários de drogas. No Estado, esse índice é maior, 17,8%, mas também é considerado tímido pelas autoridades.

Especialista critica falta de coordenação no governo

Todas essas ações (conferir na fonte que o RS lidera ações contra o crack), no entanto, tem seu efeito comprometido pela falta de uma integração dos municípios com o Estado e o governo federal. Ziulkoski ressalta a importância das ações municipais, mas alerta para a falta um planejamento estratégico para enfrentar o problema no país.

– A desarticulação é muito grande ainda. Não há estratégia, um planejamento para combater o crack. Temos de fazer uma mesa federativa e integrada, do contrário será mais dinheiro posto fora – lamenta.

Para o diretor do Centro de Pesquisa de Drogas e Álcool da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Flavio Pechansky, essa falta de integração é explicada pela desarticulação entre os dois sistemas nacionais que deveriam indicar o norte das ações contra os entorpecentes.

– O Ministério da Saúde e a Secretaria Nacional Antidrogas têm leituras historicamente diferentes de como lidar com o assunto. Isso atrasou a integração e os movimentos preventivos – aponta Pechansky.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - E pergunto - Durante a campanha e promessas, quantos centros de saúde para o atendimento das dependências e assistência familiar foram construídos e implementados? Se não chegou "nenhum centavo para os municípios" fica claro que nada mudou. Familiares e dependentes continuam órfão do Estado e refém do tráfico.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

CRACKLANDIA EM PORTO ALEGRE


Reduto da pedra: usuários de crack invadem casas e assustam moradores da zona sul da Capital. Residências da Avenida Pinheiro Borda perderam portas, janelas, móveis, canos, vidros e lâmpadas - Juliano Rodrigues - ZEROHORA.COM, 10/12/2010

Da casa mantida há décadas pela família da empresária Lísia Dias sobraram apenas as paredes. O vício do crack, que tirou a vida do seu irmão de 48 anos em 2009, também transformou a residência comprada pelos pais em fumaça.

Não há mais portas, janelas, móveis, trincos, fios, canos, vidros, lâmpadas e pias na propriedade, localizada no número 561 da Avenida Pinheiro Borda, zona sul de Porto Alegre. Nem mesmo os números de metal que informavam a localização na via foram poupados. Na semana passada, Lísia mandou instalar grades para conter os furtos. Não adiantou. Parte delas também foi vendida e trocada por pedras.

— Meu irmão era usuário, contraiu aids e morreu dentro da casa. Nunca abandonei o imóvel, sempre cuidei. Não tenho mais condições psicológicas e emocionais de ver a minha própria casa. Perdi um imóvel — lamenta.

Todos os dias, contam moradores da região, usuários de crack se revezam no furto de materiais que possam ser trocados pela droga. Além da casa de Lísia, que hoje vive no Rio de Janeiro, uma residência vizinha e outra que fica no lado oposto sofrem com a ação dos criminosos. No número 581, o imóvel de 800 m² também foi vítima de depredações. Na esquina da Pinheiro Borda com a Rua Marcelo Casado de Azevedo, um banco de ferro foi arrancado do chão do pátio de uma propriedade.

— Isso aqui é a zona do crack. Levaram até um relógio medidor de água. Já usaram carrinho de mão para levar os objetos — relata uma empresária que prefere não se identificar.

Além de furtar e depredar as casas, os usuários se alojam nelas para consumir a droga. Na última quarta-feira, um grupo de moradores de rua e travestis teria se reunido em uma das residências e promovido uma festa. Ontem, a Brigada Militar foi até o local e encontrou um grupo de viciados.

— É um problema social. Os moradores de rua acharam um lugar onde eles podem se abrigar e, além disso, consumir drogas. Começou com isso e depois partiu para a depredação dos imóveis. Para podermos dar um fim a isso, precisamos que os donos formalizem ocorrência, até para a Polícia Civil investigar. A falta de cuidado dos proprietários faz com que o evento se repita. Eles pensam: "Bom, se eu quebrei a janela e ninguém arrumou, vou lá de novo" — explica o capitão do 1ºBPM Fabiano Paludo Rieger.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

DROGA EM ALTA. Consumo de LSD avança entre jovens


DROGA EM ALTA. Consumo de LSD avança entre jovens. Apreensões do alucinógeno cresceram 630% no RS desde o ano passado - KAMILA ALMEIDA, Zero Hora, 6/12/2010

Os holofotes passaram os últimos anos voltados para o crack. Enquanto isso, uma droga que ficou famosa nos anos 1960 e 1970 avança entre os jovens: o LSD. A apreensão do alucinógeno subiu 630%, de 118 doses em 2009 para 861 neste ano, segundo dados do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc).

O delegado João Bancolini, diretor do Denarc, explica o crescimento das apreensões pelo cerco intenso que a polícia montou nos últimos meses em festas rave – onde também é alto o consumo de ecstasy.

– O combate foi tão forte em cima do ecstasy, usado nesses eventos, que eles acabaram passando para o LSD – diz Bancolini.

Essa mudança apontada pelo delegado é fundamentada por um estudo do Centro de Pesquisa de Álcool e Droga (CPAD) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Conforme a psicóloga Lysa Remy, que coordenou a pesquisa Padrões de uso e abuso de drogas na cultura rave brasileira, 91,7% dos 200 frequentadores de festas rave convidados a participar do estudo consomem ecstasy e 80,6%, LSD – a maior parte faz uso de ambas.

– Quando a polícia começou a atuar nos locais dessas festas, os consumidores passaram para o LSD, que é menos visado – afirma a psicóloga.

Disque-denúncia virou aliado da Polícia Civil

O delegado Bancolini também acredita que as apreensões refletem o aumento nas chamadas para o disque-denúncia da Polícia Civil:

– Houve uma procura superior em torno de 50% das ligações neste ano. A sociedade acordou. Dá para dizer que a questão da droga está sob controle no Estado.

Superintendente da Polícia Federal no Estado, o delegado Ildo Gasparetto concorda que as autoridades fecharam o cerco ao tráfico, mas pondera que ainda há com o que se preocupar:

– Não está 100% controlada, pois se estamos apreendendo mais é porque está chegando mais drogas. A diferença é que os grandes depósitos já não existem porque os grandes traficantes foram presos.

O estudo do CPAD mostra ainda que os usuários de drogas sintéticas, em geral, também consomem cocaína e maconha.

O BALANÇO DAS APREENSÕES - Veja o total de drogas apreendidas por PF (até 2 de dezembro de 2010), BM (até 31 de outubro de 2010) e Denarc:

DROGAS - 2008 - 2009 - 2010
Cocaína (quilos) - 358,1 - 536,2 - 1.063,9
Maconha (quilos) - 5.017 - 4.605 - 2.459,2
Crack (quilos) - 73,49 - 329,5 - 530,4
*Ecstasy (comprimidos) - 848 - 933 - 276
*LSD (doses) - 348 - 118 - 861
Outras drogas (quilos) - 75 - 74 - 8,7

O PERFIL DOS USUÁRIOS DE ECSTASY E LSD - Confira o que revela a pesquisa Padrões de uso e abuso de drogas na cultura rave brasileira, realizada pelo Centro de Pesquisa de Álcool e Droga (CPAD) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)- Fonte: *Somente o Denarc tem registro de apreensão da droga

- 22 anos é a idade média
- R$ 1.020 é a renda mensal
- 69,5% são homens
- 30,5% são mulheres
- 72% tem Ensino Médio
- 20% cursaram o Ensino Superior
- 20% trabalham e estudam
- 41,5% trabalham com carteira assinada
- 32% são estudante
- 100% já usaram álcool
- 94,4% usam maconha frequentemente
- 91,7% usam ecstasy
- 80,6% consomem LSD
- 70% usam cocaína

sábado, 4 de dezembro de 2010

TRÁFICO DE DROGAS - O papel do consumidor


O papel do consumidor. Quem cheira cocaína e fuma maconha é parte da engrenagem que move o tráfico de drogas. É preciso que a sociedade assuma a responsabilidade de discutir e enfrentar com firmeza esta questão - Francisco Alves Filho e Débora Rubin, Revista Isto É N° Edição: 2143 | 03.Dez.10 - 21:00 | Atualizado em 04.Dez.10 - 13:59.

Enquanto emissoras de tevê exibiam na quarta-feira 1º as toneladas de drogas apreendidas no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, o escritor J., 57 anos, assistia às imagens envolto em fumaça. Sentado na poltrona de seu confortável apartamento no Leblon, na zona sul, ele fumava mais um dos cigarros de maconha que volta e meia costuma acender. “Uso desde os 19 anos”, conta. Apesar da distância que o separa das favelas de onde a polícia expulsou os traficantes, J., assim como outros usuários, é apontado pelas autoridades como um dos financiadores da gigantesca engrenagem das facções criminosas. Eles estão longe geograficamente, mas conectados pela velha lógica de mercado: um não existe sem o outro. Não tem fornecedor se não tiver consumidor. Simples assim. “O dinheiro que o tráfico busca sai de quem consome”, define o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame. Por seu lado, J. culpa a lei que proíbe a droga. “Se a venda fosse liberada, não haveria traficantes”, diz, repetindo o mantra dos movimentos pela descriminalização das drogas. Não é tão simples, uma vez que se sabe que todas as drogas são nocivas à saúde. Combater o consumo é a parte mais difícil da luta contra os entorpecentes. Por isso, é preciso que a sociedade olhe para si própria e decida encarar esta questão.

A coletividade ainda se ressente do folclore que por anos a fio conferiu uma certa aura de heroísmo aos bandidos e algum glamour a essas substâncias. “A cultura do crime e a cultura da droga ainda não estão sendo adequadamente combatidas”, acredita o cientista político Murillo de Aragão, da Universidade de Brasília. “Muitos bacanas continuam a cheirar cocaína e fumar maconha sem se importar com o que está por trás disso.” A balada regada a pó e o pôr do sol na praia embalado pela erva são formas de viver que turbinam o consumo de entorpecentes desde as décadas de 1960 e 1970, quando os ativistas hippies acreditavam que os psicotrópicos eram uma alternativa ao sistema opressor. Muitos dos músicos, cantores e poetas que viveram essa época, porém, têm hoje uma avaliação diferente. É o caso do compositor e escritor Jorge Mautner. Parceiro de Gilberto Gil em sucessos como “Maracatu Atômico”, ele fez com o amigo a música “Coisa Assassina” cuja letra classifica os entorpecentes de “doença, monotonia da loucura e morte”. Mautner não acha viável liberar as drogas, algo, segundo ele, capaz de criar muita tristeza para quem usa e para quem está no entorno. Ele acredita que o usuário deve, sim, pesar as consequências de seu ato quando compra a erva ou o pó. Ao definir a experiência com entorpecentes, cita John Lennon, que disse: “O álcool e as drogas me deram asas, depois me tiraram o céu.” “É uma ótima definição”, afirma.

Para muitos, esse tipo de alerta é inútil. “Comecei a fumar maconha aos 18 anos e uso semanalmente”, diz a produtora fotográfica paulista I., 23 anos. “Minha mãe também fuma e sempre me disse para usar com responsabilidade.” Ela não se sente nem um pouco responsável pelo tráfico e, como outros usuários, opina que a proibição é que gera o mercado paralelo. “Defendo que legalizem apenas a maconha. Compramos num sistema de entregas e eles trazem aqui em casa, tudo muito profissional”, diz. Na ótica de alguns usuários moradores de bairros de classe média alta, o fato de receberem a droga na residência, sem necessidade de ir à boca de fumo, faz parecer que eles não têm nenhuma ligação com o funcionamento das facções.

Porém, mesmo quem é ativista pró-legalização discorda dessa visão. “Ainda que seja levada por um jovem bem-vestido e morador do mesmo bairro, aquela droga sai do carregamento que está no alto do morro”, analisa o comerciante Matias Maxx, 30 anos, um dos organizadores da Marcha da Maconha. Para evitar financiar o tráfico, ele cultiva num pequeno vaso a canábis que consome. A praticidade de encomendar a droga e recebê-la em casa é uma facilidade a mais para quem pretende seguir consumindo e uma grande dificuldade para quem quer largá-la. “Peço por telefone e não consigo me ver como responsável pelo tráfico”, diz o professor R., 32 anos, consumidor de cocaína há 15 e que hoje se considera um dependente.

No centro dos debates está a definição da forma mais adequada de encarar os usuários. Para o advogado João Mestieri, especializado em direito criminal, o sistema atual é avançado. “O Brasil encontrou um caminho interessante ao não punir o usuário, mas o traficante. Isso livrou o usuário da cadeia, tirou dele o ‘carimbo negativo’.” Especializado no estudo da criminalidade, o sociólogo Gláucio Soares discorda. Ele classifica a legislação atual de hipócrita, pois mostra que a sociedade não quer ser responsabilizada pelos seus atos. “Temos a punição do traficante que vende algo ilegal, mas aquele que compra não sofre nada”, critica. Para resolver esse impasse, Soares sugere uma definição clara. “Ou o usuário é um problema de saúde, e aí o Estado deve providenciar uma rede eficaz de tratamento, ou é financiador da organização criminosa, e então tem que ser punido com rigor”, diz o sociólogo.

Para o governo, é uma questão complicada, pois a droga não pode ser considerada uma mercadoria comum. “Na fase de experimentação, o jovem está sujeito a pressões do grupo, tentativas de lidar com problemas emocionais e até curiosidade”, diz a secretária Nacional de Políticas sobre Drogas-Adjunta, Paulina Soares. “Já o uso regular e a dependência envolvem fatores mais complexos que demandam do governo e da sociedade o compartilhamento de responsabilidades.”

Já se discutiu várias vezes a responsabilidade do consumidor de drogas e a possibilidade de descriminalização. Em nenhuma das ocasiões, porém, o debate foi levado a termo e resultou em ação. No entanto, diante das cenas estarrecedoras transmitidas do Complexo do Alemão, desde que a polícia e as Forças Armadas se uniram para retomar aquele território, pode ser que desta vez a discussão seja mais proveitosa. Para isso, é preciso que os debatedores entendam do que estão falando.

“Não é verdade que a maconha seja inofensiva como dizem, trato de muitos usuários com problemas sérios”, avalia o psiquiatra Jorge Jaber, responsável por uma das mais conceituadas clínicas de recuperação de dependentes do Rio. “Ela leva a outras drogas e acelera os problemas psíquicos de quem tem predisposição a desenvolvê-los”, acrescenta o médico João Maria Correia Filho, do Hospital das Clínicas, especialista no estudo de entorpecentes e álcool. Segundo ele, é preciso conscientizar as famílias. “Há muito que pode ser feito, mas legalizar definitivamente não é a solução”, diz. O caminho do vício começa na adolescência, entre os 14 e 17 anos, quando o garoto ou a garota experimentam maconha, e segue na juventude, até os 25 anos, quando ocorre o primeiro contato com a cocaína, droga ainda predominante nas classes mais altas. Depois vem o crack, cujo contingente de consumidores deve dobrar em dez anos, e tem crescido com força na classe média. Semanas atrás, o então advogado do goleiro Bruno, Ércio Quaresma, foi flagrado, em vídeo, fumando crack.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia que reduzir o uso de drogas é a forma mais eficaz de atacar o problema. “A classe média e a classe alta são responsáveis porque consomem”, diz ele. FHC elogia o modelo adotado em Portugal, no qual o usuário de drogas não vai para a cadeia, mas passa por tratamento médico. “Além disso, é preciso fazer campanhas de redução de consumo como se faz com o tabaco”, diz. O jurista Walter Maierovitch, um dos primeiros a chamar a atenção para a experiência portuguesa, comenta o resultado obtido. “Foi a única nação da União Europeia onde o consumo de drogas não cresceu”, diz ele. Iniciativas como essa poderiam facilmente ser testadas em território brasileiro. Antes, porém, é preciso que a parte privilegiada da sociedade reconheça que a culpa pelo tráfico não recai apenas sobre os ombros dos jovens esquálidos de sandálias que carregam fuzis no alto dos morros. Essa responsabilidade também passa pelos apartamentos de endereços luxuosos, onde os bem-nascidos consomem a droga vendida por eles.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

TU JÁ USOU DROGAS?

A pergunta do menino do Morro da Cruz - “Tu já usou drogas?” - DAVID COIMBRA, 28 de novembro de 2010.

Pergunta objetiva, formulada no português mal conjugado dos gaúchos, saída da boca de um menino de, sei lá, 14 ou 15 anos. Nos olhos dele rebrilhava a luz da malícia, sinal do caráter decisivo da pergunta. Uma espécie de cilada, mas, de alguma forma, parecia ser realmente importante para ele saber se eu já havia usado drogas ou não. Para ele e para os outros, dezenas de meninos e meninas que me ouviam, estava dando uma palestra em uma escola do Morro da Cruz.

E agora? A resposta óbvia seria: “Jamais! Imagina!” Mas seria resposta de candidato a vereador, insatisfatória, insincera. Ali estavam crianças acostumadas com o ambiente das drogas. Sabia disso. Como eles, fui criado na rua. Conheci traficantes, vaporzeiros, drogaditos, alguns de meus companheiros de infância hoje são presidiários.

Mas dizer a adolescentes que já usei drogas não seria uma liberação para que eles também usassem? Não seria um mau exemplo?

Todas as crianças me encaravam, expectantes. Resolvi ser honesto:

– Já experimentei drogas. Não algo violento como o crack, que faz grande mal desde o primeiro contato. Mas experimentei, sim, e foi por fraqueza, levado pela turma. Agora: sabem por que não usei mais?

Produzi uma pausa para causar impacto. Eles esperavam, interessados. O que se deve dizer a um adolescente para fazer com que ele não queira usar drogas? Que a droga é ruim? Balela: se fosse ruim, ninguém consumia. Que faz mal à saúde? Inútil: adolescentes se julgam imortais. Fui honesto de novo:

– Não usei mais drogas por que quem usa drogas é otário. Vocês conhecem algum grande traficante que seja drogado? Claro que não: traficante não se droga. Traficante é espertalhão. Vocês conhecem algum viciado com mais de 40 anos de idade? Claro que não: viciados com mais de 40 anos de idade estão todos mortos. Por isso, quem usa drogas é otário. Eu não sou otário.

Não tenho certeza de ter sido convincente, mas tenho certeza de que eles perceberam que falava a verdade. Que lhes expus a realidade. Porque eles, aqueles meninos do Morro da Cruz, eles sorvem todos os dias a realidade mais dura da vida urbana. Sei que alguns daqueles meninos se tornarão drogados e traficantes. Sei até que um deles, meses depois, se suicidou, na certa por não suportar a tal realidade da vida urbana. Mas sei, também, que muitos serão homens e mulheres decentes e criarão os filhos para que sejam melhores do que eles, como anseiam todos os pais.

O que faz a diferença? O que salva uma criança e o que a torna vítima do mundo-cão?

Uma família bem constituída é a resposta óbvia, mas é igualmente óbvio que famílias bem constituídas são raridade no século 21.

Mas existe algo que pode fazer desses meninos verdadeiros cidadãos: são escolas como a do Morro da Cruz, são professores como aqueles que lá cumprem a sua missão. A Educação, ou seja, o Estado atuante, pode fazer a diferença a favor das crianças do Brasil.

Mas, se o Estado não age para salvar as crianças, o que acontece com elas é o que se viu na TV durante esta semana: elas se transformarão em homens como aqueles bandidos de bermuda e sem camisa, com fuzis no ombro, que se esgueiraram feito ratazanas de um morro para outro, no Rio conflagrado.

A guerra do Rio vem sendo definida como a luta do “bem” contra o “mal”. Os jornais festejaram que o crime foi encurralado, que o “Dia D” do enfrentamento contra os bandidos chegou, que o Rio está se debatendo para “voltar à paz”. E, sobretudo, estão especulando se o Rio poderá sediar a Olimpíada, se a Copa do Mundo brasileira não sofrerá prejuízos com tal situação.

Ingenuidade.

Se todos aqueles milhares de bandidos forem mortos ou presos, todos eles sem exceção, se TODOS forem eliminados, nada mudará. Em seis meses, os níveis de criminalidade retornarão aos atuais patamares. Porque o fornecimento de material humano para a bandidagem não foi interrompido. Só será interrompido quando todos os meninos como aqueles do Morro da Cruz forem atendidos integralmente pelo Estado. Quando nenhum menino sequer tenha curiosidade de saber se um adulto já usou ou não drogas.

A Copa do Mundo brasileira não corre nenhum risco. A Olimpíada brasileira não corre nenhum risco. Tudo continuará igual. O risco, quem corre, são os meninos do Brasil. Que são o próprio Brasil.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

DROGAS - QUEM CONSOME TEM CULPA

PÁGINA 10 | ROSANE DE OLIVEIRA - Quem consome tem culpa, ZERO HORA 26/11/2010

Guerra é o que se conhece de mais parecido com o que está acontecendo no Rio. As imagens de carros e ônibus em chamas correm o mundo com legendas em diferentes idiomas indicando que foram gravadas no país da próxima Copa do Mundo, na cidade da Olimpíada de 2016, no principal destino turístico do Brasil. As autoridades se apressam em garantir que os turistas podem ficar tranquilos, que os confrontos são a prova de que o tráfico está sendo enfrentado e que os ataques são sinais de desespero dos traficantes.

Serão inevitáveis os prejuízos. Quem vai querer comprar pacote turístico para o Rio no próximo verão? Quem se anima a fazer turismo no Afeganistão, no Iraque ou nas regiões do México que se tornaram conhecidas pelas chacinas?

Os brasileiros que se chocam ao assistir ao vivo às cenas desse Tropa de Elite 3 não podem perder de vista que quem sustenta o tráfico de drogas é o cidadão que se considera “de bem” e consome cocaína, maconha, crack e outras drogas como se fosse inocente. As imagens das barricadas, dos blindados da Marinha subindo o morro e dos traficantes fugindo a pé ou pendurados em motos e carros não existiriam se lá na outra ponta, nos bairros nobres, o consumo não fosse tolerado.

É fácil para as classes A e B chamar o governo de incompetente, protestar contra a violência, exigir mais segurança e se esbaldar em festas regadas a cocaína. A tolerância ao consumo torna o trabalho dos policiais uma reprodução moderna do mito de Sísifo, morro acima combatendo bandidos, enquanto os mocinhos da Zona Sul alimentam a indústria do tráfico. A culpa pela situação é, em boa parte, de sucessivos governos que fizeram acordos explícitos ou velados com os traficantes, permitindo que criassem territórios nos quais a polícia não entra. As Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, não são a panaceia que as autoridades apregoam, mas não podem ser tratadas como vilãs. Se há uma esperança, ela passa pela retomada das áreas dominadas pelos criminosos e pela quebra desse círculo vicioso em que os traficantes ocupam o vácuo deixado pela ausência dos serviços públicos.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

ARTICULAÇÃO CONTRA O CRACK


ARTICULAÇÃO CONTRA O CRACK - ZERO HORA EDITORIAL DE 23/11/2010

Prevista para durar um ano, a campanha institucional Crack, Nem Pensar, lançada em 2009, acabou se estendendo ao longo de 2010 e chega ao final de sua segunda etapa colhendo resultados importantes da mobilização da sociedade na luta contra esse derivado da cocaína. Um marco concreto desta luta é o lançamento, hoje, do Instituto Crack Nem Pensar, uma organização de direito privado sem fins lucrativos, viabilizada pela parceria de instituições públicas e privadas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina com objetivos que incluem o incentivo à pesquisa e a disseminação do conhecimento. A campanha deflagrada pelo Grupo RBS cumpre, assim, o seu propósito maior – a mobilização da sociedade como forma de atenuar os efeitos de uma droga que aprisiona tanta gente e, na maioria das vezes, transforma numa calamidade a vida de pessoas mais próximas.

Um dos méritos da iniciativa foi o de alertar para a gravidade do problema, numa época em que amigos e familiares das vítimas sentiam-se constrangidos e atemorizados em lidar com o tema, considerado tabu. Desde então, de forma conjunta ou individualmente, outras organizações e os próprios governantes tomaram consciência dessa verdadeira tragédia, partindo em muitos casos para campanhas de conscientização e para ações concretas de enfrentamento nas várias frentes que o problema envolve. Entre elas, estão providências de caráter preventivo que, em ambientes como o familiar e o da escola, alertem para a importância da resistência à droga, que pode causar dependência já na primeira experimentação. A iniciativa chamou a atenção para a prevenção, o combate ao tráfico e para a necessidade de estruturação de uma rede adequada para atendimento a usuários e familiares, levando em conta a dificuldade de cura do dependente e a desestruturação psicológica que costuma atingir familiares.

Em editorial com o qual marcou o início da primeira fase da campanha, o Grupo RBS ressaltou que “a solução depende de todos nós, da nossa capacidade de enfrentar o problema, do nosso poder de organização, da nossa vontade de lutar pelas pessoas que amamos, da nossa capacidade de dizer ‘não’ a essa droga maldita com toda a força da nossa alma”. Os avanços concretos por parte do poder público sob o ponto de vista da prevenção e da repressão invariavelmente andam num ritmo inferior ao do avanço dessa chaga. A sociedade, porém, percebeu a gravidade de uma droga tão destrutiva e é louvável que passe a contar com o apoio de importantes instituições, de forma permanente, como prevê o protocolo de cooperação a ser assinado hoje.

Um dos pontos frágeis da luta contra o crack é a falta de informações sobre o que é a droga e sobre os seus efeitos devastadores para quem se escraviza a ela. Esta é uma das falhas que a união de esforços entre instituições dos dois Estados mais meridionais do país se propõe a enfrentar, como forma de salvar vidas e preservar o futuro de um número expressivo de pessoas.

CRACK NEM PENSAR - CAMPANHA AJUDA NA REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE



Combate ao crack ajuda a diminuir criminalidade no RS. Estatísticas mostram que as campanhas despertaram a sociedade para a necessidade de cobrar soluções - Zero Hora 23/11/2010 - carack Nem Pensar, Notícias, http://zerohora.clicrbs.com.br/especial/rs/cracknempensar/19,0,3118229,Combate-ao-crack-ajuda-a-diminuir-criminalidade-no-RS.html

A mobilização contra a epidemia de crack no Estado, que teve um reforço por meio de campanhas como a Crack, Nem Pensar, já contabiliza benefícios medidos não só em número de apreensões, mas também na queda na criminalidade.

Estatísticas mostram que as campanhas despertaram a sociedade, a qual, por sua vez, aumentou a pressão por soluções junto às autoridades.

A guerra contra o crack se intensificou justamente nos dois últimos anos, quando foi estimado que a droga já ameaça 50 mil famílias gaúchas. Segundo policiais e especialistas, a captura de traficantes, aliada ao desmantelamento de quadrilhas especializadas e de receptadores, reduz furtos e roubos porque tira das ruas os responsáveis por trocar os produtos dos crimes por droga.

— É perceptível para nós. Sem o tráfico, os elos vão enfraquecendo. Isso acaba diminuindo os casos de roubos e furtos praticados por usuários ou por pequenos traficantes — atesta João Bancolini, diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), um dos principais órgãos gaúchos de repressão a entorpecentes.

Para a coordenadora do Departamento de Álcool e Outras Drogas da Associação de Psiquiatria do Estado, Carla Bicca, as mobilizações têm o mérito de induzir os governos a revigorar as políticas de saúde de tratamento. Mas pondera que o crack não é a única vilã, outras drogas também matam.

A receita da Restinga

Os efeitos positivos da mobilização social podem ser medidos no bairro Restinga, na zona sul da Capital. Articulados para combater o tráfico potencializado pelo crack, policiais e moradores começam a perceber um resultado que o Estado ainda não conseguiu atingir: o número de homicídios está caindo em comparação a anos passados.

Por trás da maior parte das mortes, os traficantes sofrem ataques em três fronts distintos. Além da repressão policial e da troca de informações entre agentes e moradores, escolas, instituições comunitárias e Brigada Militar têm investido na conscientização de crianças e adolescentes. Pelo menos 700 estudantes do Ensino Fundamental participam por ano do Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência (Proerd), da Brigada.

— O que eles aprendem nas palestras é trabalhado durante o resto do ano com os professores — ressalta a diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Nossa Senhora da Conceição, Sandra Schizzi.

O soldado Júlio César Santos de Souza explica que o trabalho desenvolvido na Restinga é diferente do executado em escolas de outros bairros cobertos pelo 21º BPM.

— Na Restinga, muitas crianças e muitos adolescentes vivem o problema dentro de casa. O assédio dos traficantes é maior. Por isso, temos de reforçar a autoestima desses alunos, para que tenham força de driblar as drogas. Não se trata apenas de dizer que faz mal — avalia o PM.

Fora das salas de aula, a aproximação dos moradores com as polícias se dá nos conselhos comunitários e no Programa Polícia Cidadã da BM.

Os números - Dados de janeiro a setembro na Restinga:

Prisões de traficantes pela BM
2008: 34
2009: 71
2010: 81

Homicídios
2008: 28
2009: 24
2010: 19

Campanha embala dois Estados

Lançada em maio de 2009, a campanha Crack, Nem Pensar mobilizou as comunidades do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina contra a droga que transforma jovens em mendigos, arrasa famílias e aciona o gatilho da violência. Teve o mérito de unir sociedade, instituições, especialistas e autoridades no enfrentamento ao que já é qualificado como epidemia pelo seu poder devastador.

A campanha serviu para alertar gaúchos e catarinenses para um quadro assustador: o crack vicia de imediato, liquida a saúde, humilha seus dependentes e apresenta um índice de recuperação quase nulo. A conscientização e as ações concretas nortearam a campanha. As peças publicitárias – criadas pela Agência Matriz, de Porto Alegre – expressam, por meio de imagens impactantes, situações de destruição física e moral.

As ações - Calcula-se que mais de 1 milhão de automóveis, caminhões e motos circularam com o adesivo Crack, Nem Pensar. Cerca de 250 mil cartilhas foram distribuídas em escolas. Comunicadores, comentaristas e colunistas do Grupo RBS foram às ruas para divulgar a campanha. Em 2010, na segunda fase, foram distribuídas pulseiras de silicone emborrachado, nas cores cinza, vermelho e preto, com a inscrição Crack, Nem Pensar. Sob coordenação da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, o Portal Social contempla 20 instituições com projetos antidrogas.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Acredito nesta campanha, porém acho que seus resultados pouco satisfatórios em função da inércia do Estado:

- O Executivo tem sido omisso nas questões de saúde criando poucas vagas e nenhum centro público de tratamento das dependências e desvios mentais que levam uma pessoa morrer pelas drogas e cometer crimes. As pessoas dependentes ficam sem tratamento e as famílias sem orientação ficam a mercê da doença. A educação de crianças e adolescentes é falha ao não inserir nos curriculos escolares este tema de saúde e ordem pública. Só na área policial se vê resultados positivos. Na repressão, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Civil e a Brigada Militar fazem um grande esforço para identificar, prender traficantes e apreender grandes quantidades de drogas. Na prevenção, Brigada Militar trabalha com o PROERD treinando multiplicadores e formando uma rede de crianças e adolescentes para evitar e mostrar os malefícios das drogas. Um papel preventivo que deveria ser desempenhado também por professores e agentes de saúde.

- Os parlamentares e a justiça estão abrandando as leis de tráfico e consumo de drogas, desmotivando o esforço policial e reduzindo o valor das campanhas contra as drogas. Não há obrigatoriedade para o tratamento e as pessoas envolvidas como vapor e intermediário do tráfico recebem o mesmo tratamento que o traficante chefe. Não é a toa que as drogas são consumidas livremente nas festas, parques e ruas das cidades.

- A campanha da RBS tem a importância de mobilizar a sociedade para reagir e exigir dos Poderes de Estado ação e comprometimento com esta questão que estimula a exclusão, as doenças, as desordens, a criminalidade e a violência no Brasil. Pena que a mídia, apesar de todo esforço e investimento, tem dificuldades sérias para acordar o povo e sensibilizar os governantes.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CONSUMO - A LEGALIZAÇÃO EM DEBATE

Legalização do consumo de drogas em debate - Vitor Gomes Pinto, artigo do leitor - O Globo, 9/11/2010

Em um novo round na luta pela aceitação do consumo das chamadas drogas leves, os eleitores da Califórnia rejeitaram nas eleições da última semana a "emenda 19", que autorizaria aos maiores de 21 anos a portar até 28 gramas de maconha para consumo pessoal nas residências e cultivar a planta em casa. Os 46,2% que disseram "sim" representam cerca de 3,5 milhões de californianos, o que dá munição aos promotores da legalização para voltarem à carga nas eleições de 2012. O presidente Barack Obama, que levou uma sova eleitoral histórica perdendo o controle da Casa dos Representantes e mantendo a maioria do Senado pela diferença mínima, declarou (em 2004, como candidato a senador) que "a guerra contra as drogas tem sido um completo fracasso, pelo que devemos repensar e descriminalizar as leis sobre a maconha". Agora, porém, ele alertou que, caso a emenda 19 passasse, continuaria a processar pessoas na Califórnia por posse e cultivo da erva, com base na Lei Federal.

Enquanto o Nobel de Economia Milton Friedman afirmou estar a favor da legalização das drogas porque a maior parte dos problemas que elas provocam se deve ao fato de serem ilegais, o megainvestidor George Soros, que financiou boa parte desta campanha pró-legalização, disse que "a penalização da maconha não impediu que se tornasse a substância ilegal mais consumida nos Estados Unidos".

A Organização das Nações Unidas para a Droga e o Crime (UNODC) informa que até 250 milhões de pessoas fazem uso de drogas ilícitas no mundo e que a maconha tem o maior número de usuários, com algo entre 130 e 190 milhões. Seguem-se os consumidores de estimulantes do tipo anfetamina, de opiáceos como a heroína e de cocaína. A política oficial praticada pela ONU e pela grande maioria dos países favorece campanhas públicas para impedir ou reduzir o consumo associadas à forte penalização de traficantes, intermediários ou consumidores, e a estratégias de substituição dos cultivos e bloqueio das fontes de lavagem de dinheiro. Luis Inácio Lula da Silva estava entre os signatários do famoso manifesto de intelectuais e celebridades entregue ao Secretário-Geral da ONU, no qual se afirma que a guerra global contra o narcotráfico está causando mais danos que o consumo.

Os que se opõem à idéia consideram que os mafiosos italianos e norte-americanos não desapareceram quando caiu a proibição à ingestão de álcool na década dos anos 1930, transformando-se em empresários, e o número de consumidores desde então cresceu exponencialmente no mundo. Mesmo a legalização só para os adultos manteria os menores comprando drogas não legalizadas no mercado negro. Além disso, os contrários à legalização rebatem o argumento de que o fornecimento de drogas controladas garantiria uma melhor qualidade, pois isso não protegeria os mais pobres, que permaneceriam clientes de drogas adulteradas e mais baratas.

Ao mesmo tempo, o raciocínio do ex 1º ministro espanhol, Felipe González, de que é necessário eliminar a proibição, mas para isso seria preciso um acordo internacional a ser cumprido entre todos, foi esta semana repetido na Colômbia, país que teme um aumento da demanda pela maconha (e pela coca) lá produzida e uma concentração ainda maior da guerra contra o tráfico apenas dentro de suas fronteiras, enquanto fora delas os usuários seguiriam multiplicando-se agora sob a proteção da lei.

Considerando os milhões de dólares gastos na repressão ao narcotráfico e os magros resultados obtidos, não há dúvida de que este é um caso típico de desastrosa relação custo-benefício. Uma vez que a quantidade de traficantes e de usuários segue estável ou aumentando, a solução está em tirar o assunto do âmbito policial e judicial para transformá-lo em um problema de saúde pública, possibilitando uma atenção regular aos viciados, junto com a plena responsabilização dos consumidores de drogas por atos criminosos cometidos sob sua influência.

Por fim, para limitar os danos provocados especialmente pelas drogas "duras", entre as quais hoje o crack causa os mais sérios problemas às famílias, é preferível concentrar a atenção no combate aos elos intermediários da cadeia (fornecimento de insumos e precursores, foco nas rotas de tráfico nas estruturas de distribuição no atacado e de lavagem de dinheiro), por se tratarem de atividades sob controle de poucas pessoas. Assim, haveria menor ênfase nos extremos da cadeia - plantação e consumo final -, em que há uma grande dispersão de pequenos agentes.

* Vitor Gomes Pinto é escritor e analista internacional

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

VIZINHOS DA MORTE


Vizinhos da morte ( A epidemia das Drogas )- Ariane Rebellato - Leitora passo-fundense indignada - publicada em O Nacional de Passo Fundo, 7.7.2008.

Imagine uma doença que degenera o caráter, a saúde e a família de uma pessoa. Uma doença que ataca do mais pobre ao mais rico. Negros, brancos, asiáticos. Mulheres e homens de variadas idades e nacionalidades. Estudantes, advogados, cabeleireiros, frentistas, professores, artistas. Ninguém é imune. Se fosse uma doença contagiosa, poderia ser chamada de epidemia. Felizmente não é. Mas assim como uma enfermidade, atinge rapidamente várias pessoas de uma mesma região. Então agora imagine que adoecer é opcional. Só fica doente quem por isso optar. E mesmo assim milhares de pessoas falecem sem cura. Mas seria essa doença transmitida através de um vírus? Talvez uma bactéria. Penso que não seria tão grave se assim fosse, porque geralmente pessoas contaminadas por microorganismos lutam pelas suas vidas, buscando sempre a cura e a recuperação. Mas esse mal de que falo transforma o enfermo em um dependente, em uma pessoa que não se dá conta da gravidade das conseqüências da doença, que rapidamente destrói neurônios, degenera os músculos do corpo, dando ao indivíduo uma aparência esquelética; os ossos da face ficam salientes, os braços e as pernas afinam, as costelas tornam-se aparentes e, posteriormente, há a morte, por sua terrível ação sobre o sistema nervoso central e cardíaco.

Por incrível que pareça, apesar de ser do conhecimento de muitos os males que a doença causa, ela é facilmente contraída por qualquer pessoa, por escolha própria e além disso deve ser paga. Algumas vezes com juros. Ou até mesmo em prestações. E não custa muito caro. Algumas pessoas não usam nem de dinheiro para adoecer. Trocam roupas, móveis, alimentos, favores ou qualquer coisa que estiver ao seu alcance.

O ponto de vista do portador desse mal, cego pelos sintomas, não passa de um meio de alívio e de fuga da sensação de desconforto causados pela depressão, ansiedade e agressividade a que ficam expostos. Assim sendo, não procuram ajuda e não se interessam pela cura.

Poderá mesmo existir mal tão grande? Doença tão grave? Com sintomas e conseqüências tão profundas que levariam as pessoas adoecidas à imensa burrice? A tal inconseqüência? A tamanha loucura, que faria indivíduos pagarem para adoecer? Pagarem para ter suas vidas e famílias destruídas? Com certeza seria o mal do século se semelhante doença existisse.

E se pensarmos que todos os sintomas e conseqüências descritos até agora são reais. E que a única informação fantasiada é que não se trata de doença nenhuma. O que foi descrito é o que vem acontecendo com muitas pessoas diariamente, e não é causado por nenhum vírus ou bactéria. É causada por uma poderosa droga chamada crack, que eu trataria como o primo pobre da cocaína; mais barato, com efeitos menos duradouros e altamente viciante.

O dependente do crack eu classificaria como doente. O vício é a doença. E a transmissão se dá através dos traficantes que livremente espalham esse mal diante dos olhos de quem quiser enxergar, pois eles não mais se escondem, dominando territórios que antes pertenciam à tranqüilidade das famílias, à decência dos cidadãos. Sem ter outra opção, estamos cercados pela escória que faz parte desse meio. Estamos sendo ameaçados pelas pessoas que estão tranqüilamente adoentando o mundo a nossa volta e enriquecendo-se às custas dos tolos que a eles recorrem para alimentar seus vícios.

Passo Fundo possui muitas dessas pessoas desprezíveis, andando livremente entre os moradores decentes, circulando em mercados, lojas, escolas, em festas. Como se merecessem o mesmo tratamento do que aqueles que, com muito esforço, conseguem ter uma boa vida através de trabalho honesto, com suor, muito estudo e anos de sacrifício. Os traficantes de crack, que na minha opinião não passam de lixo que polui nossas cidades, habitam casas melhores que a de muitos – sem merecer – dirigem carros atuais, comem, bebem, vestem e festejam a ignorância, a burrice e a morte lenta dos viciados.

Não raramente nos deparamos com pessoas que tapam os olhos diante dessa situação. Como se estivessem livres, vacinados contra a contaminação. Como disse antes, ninguém é imune. Basta uma má companhia, uma má informação, um pouco de curiosidade, um pouco de insanidade e qualquer um pode se tornar um viciado. O que não faltam são os pontos de venda de drogas e traficantes a postos, prontos para aceitar qualquer negócio, contando que ali vejam um cliente em potencial, disposto a contrair a doença que é comercializada quase livremente por eles, que deveriam ser vistos como inimigos. Hoje você tem uma família feliz, uma situação confortável, um filho saudável e tranqüilidade. Amanhã pode ser o início de uma jornada longa e sofrida, com noites em claro, dividas com bandidos, pedidos de ajuda sem resposta.

Acredito que a maioria dos traficantes já deve estar sendo investigada pela polícia. Enquanto isso estamos todos intimidados pelos criminosos. Isso porque muitas vezes mesmo quando as autoridades são acionadas, mesmo com o ponto de drogas sendo denunciado, a Brigada Militar ou a Polícia Civil não comparecem no local. De que adiante existir um disque-denúncia que seja ineficaz? Com pessoas despreparadas que atendem ás ligações sem a menor idéia de como lidar com uma mãe em desespero na porta de uma “boca”, onde seu filho não só compra a droga, mas também encontra apoio e esconderijo para fumar o que adquiriu. Como agir sabendo que um parente querido se encontra sob o mesmo teto do inimigo? Se um médico sabe a causa da doença, conhece o tratamento, por que não tratá-la logo? Se a policia sabe onde está o traficante e o consumo por que a demora para combater? Não estou querendo dizer que as autoridades lavem as mãos diante do tráfico. Sabe-se que a batalha contra o crime é como enxugar gelo. Mas se alguma alternativa não for logo encontrada (porque solução acredito que ainda não exista), não haverão toalhas suficiente para enxugar todo o gelo e estaremos diante de uma perigosa inundação.

A guerra ao tráfico precisa ser declarada. Por destruir famílias e por ser responsável pela grande proporção dos crimes e homicídios registrados diariamente. Um traficante que vende 5 g de crack pode ficar até 20 anos na cadeia. Vender 50 g ou mais pode resultar em prisão perpétua. A pena para prisões relacionadas ao crack é em média nove anos mais longa que outras sentenças por venda de drogas. E não é à toa. E mesmo assim, somos nós, as pessoas honestas, que sentimos medo e insegurança. Quem realmente deveria estar intimidado? O traficante, no egoísmo e na ignorância de sua consciência, pensa que isso tudo não passa de mero detalhe.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Este artigo, publicado no site "www.bengochea.com.br", está sendo postado neste blog por ter sido lembrado pela autora. É que recebi um email dela dizendo que havia perdido o texto e que na web foi reencontrá-lo no meu site.

"Acabei de ter a mesma sensação de quando encontra-se um velho amigo que não se via a muito tempo, ehehe... através do Google (bendito Google!) acabei caindo no site http://www.bengochea.com.br e dei de cara com um artigo que escrevi algum tempo atrás num momento de muita tristeza...eu tinha guardado a cópia do jornal onde foi publicado o texto mas acabei perdendo....nem o arquivo salvo eu tenho mais, pois troquei de computador e alguns documentos ficaram pra trás...o artigo é "Vizinhos da morte ( A epidemia das Drogas )" e eu lembro de na época ter ficado muito orgulhosa por saber que muitas pessoas leriam o jornal...mesmo sem saber quem eu sou, apenas pelo fato de saber que muitas familias passo-fundenses se identificariam...lembro tbm de ter rido com o "Ariane Rebellato - Leitora passo-fundense indignada"...ehehe...e como eu estava indignada... tínhamos uma pessoa querida envolvida com o crack e muitas bocas de fumo na região próxima a nossas casas....cansamos de ligar denunciando o endereço....dando o nome completo de quem vendia e "acolhia" os menores usuários e não víamos nenhuma atitude das autoridades...dessa revolta resultou o texto...algum tempo depois estes traficantes foram presos.... ouviu-se até aplausos...Mas aqui em Passo Fundo é difícil...no momento que se fecha uma boca abrem-se 3 ao mesmo tempo...Em todo lugar deve ser assim...Gostaria só de agradecer pelo momento de alegria que me foi proporcionado ao poder ler novamente o que escrevi algum tempo atrás...O site já faz parte dos meus favoritos!! Parabéns! Abraços Ariane Rebellato."

Ariane. Eu fiquei muito orgulhoso com tua manifestação. Teu texto é sincero, dolorido e questionador. São manifestações como esta que buscamos na web para provar que vivemos num estado de desordem pública, de insegurança jurídica, de omissão dos Poderes de Estado e de adormecimento do povo brasileiro.

No tocante às drogas, é lamentável o modo de agir dos nossos governantes. Há muita benevolência e negligência no tratamento das dependências. As pessoas dependentes são tratadas como lixo, os grandes traficantes continuam mandando nos negócios e até de dentro das cadeias, e a bandidagem age livre e impunemente fora do alcance da leis, da ordem e da justiça. Todos os dias, pessoas são executadas a bala, por tortura ou pela própria droga, morrendo e sacrificando seus familiares.

O Estado promete centros de saude, mas não investe em saúde, deixando esta questão na vontade dos hospitais e na solidariedade (ou interesses escusos) das ONGs e Centros Privados. A recuperação é rara, o vapozeiro atua livremente e o dependente em tratamento fica a mercê dos traficantes, transformando-se muitas vezes em vapozeiro, soldado do tráfico e até em bandido avulso colocando em perigo o cidadão nas ruas e nos lares.

Um dia, isto deverá acabar. Até lá, nós não podemos calar.

domingo, 17 de outubro de 2010

DROGAS PELA INTERNET - O QUE OS PAIS DEVEM SABER



O QUE OS PAIS DEVEM SABER - Zero Hora, 17/10/2010

Pais de adolescentes e jovens, que costumam passar muito tempo na internet, devem prestar atenção aos filhos para evitar o mau uso do computador. Conforme o psiquiatra e psicanalista Sérgio de Paula Ramos, coordenador da unidade de dependência química do Hospital Mãe de Deus, pais presentes reduzem em até 12 vezes o risco de drogadição na família. Confira algumas dicas:

PROXIMIDADE PATERNA - Um fator fundamental de prevenção ao uso de drogas juvenil é a proximidade da figura paterna que, na ausência do pai real, pode ser exercida por outro adulto. Estudos indicam melhor resultado quando se trata de um homem.

ATENÇÃO AO USO DO COMPUTADOR - Sempre que um jovem dedicar mais tempo e atenção à internet do que a sua vida real, os pais devem entrar em alerta e procurar saber o que há de errado.

EVITAR POSTURA POLICIALESCA - Não adianta estabelecer um excesso de restrições e proibições ao uso do computador. O diálogo deve ser sempre buscado.

CUIDADO PROLONGADO - Alguns pais, quando os filhos chegam à juventude, tendem a repetir para si mesmos que eles já sabem se cuidar e diminuem o monitoramento. É um erro.

– Os adolescentes ainda não têm o cérebro plenamente desenvolvido para se cuidarem sozinhos. Embora deselegante, é um imperativo de saúde dizer que muitos pais estão mais preocupados com seus umbigos do que com os seus filhos. No Brasil, tratamos mal os nossos jovens – afirma Sérgio de Paula Ramos.

Droga pedida via e-mail, pronta-entrega pelo correio. Comunidades em redes sociais, fóruns de discussão e até mesmo sites oficiais, registrados em outros países, popularizam a venda ilegal de drogas na internet e disparam alerta nas autoridades, que procuram alternativas para frear o tráfico online - reportagem de MARCELO GONZATTO, Zero Hora, 17/10/2010 (resumo)

Traficantes estão ampliando a oferta de drogas das bocas de fumo para o interior de qualquer casa com acesso à internet. Por meio de sites de classificados, fóruns de discussão e redes sociais como o Orkut e o MSN, os criminosos assediam possíveis clientes, recebem encomendas e prometem a entrega em prazos de até um dia usando serviços como o Sedex. Como resultado do crescente mercado virtual, investigações e prisões relacionadas a esse tipo de crime se somam em várias regiões do país.(...)

Alguns casos recentes de prisões e inquéritos envolvendo a venda de entorpecentes pela rede:

- Setembro de 2010 – No Rio de Janeiro, um professor universitário de 67 anos e seu filho, um jornalista de 31 anos, são presos por cultivar 108 pés de maconha em seu apartamento de cobertura na zona oeste da capital fluminense. As sementes foram compradas por meio de um site da internet que também está sob investigação. Por cultivar plantas que podem ser usadas como entorpecentes, eles ficaram sujeitos a uma pena de cinco a 15 anos de prisão.

- Maio de 2010 – Um estudante de Direito de 21 anos foi preso por vender LSD e ecstasy com auxílio da internet em Campinas, São Paulo. Depois de combinar a transação pelo computador, ele entregava o produto pessoalmente. Ao vasculharem o computador do rapaz, descobriram indícios de negociações feitas pelo programa de bate-papo MSN. Ele foi detido quando ia entregar a encomenda para um adolescente.

- Março de 2010 – O Denarc gaúcho apreendeu duas doses de uma substância, que se encontrava em posse de uma mulher, por meio de uma denúncia anônima. No mês passado, após uma longa espera pelo laudo técnico, descobriu-se que a substância é uma droga rara chamada DMT. As doses haviam sido encomendadas pela internet. As investigações estão em andamento.

- Setembro de 2009 – Um jovem de 21 anos foi preso pela Polícia Federal, em Ribeirão Preto (SP), por vender ecstasy pela internet e entregar por Sedex. No momento da prisão, ele tentava fazer a remessa de 400 comprimidos da droga para Belo Horizonte (MG), em uma agência dos Correios. A polícia também encontrou mais 4,6 mil comprimidos na casa do rapaz.

sábado, 9 de outubro de 2010

ALCOOLISMO - Porque adiar o primeiro gole.



Porque adiar o primeiro gole. Pesquisas mostram que beber no início da adolescência aumenta em cinco vezes o risco de alcoolismo - Claudia Jordão - Revista Isto É, N° Edição: 2135 | 08.Out.10 - 21:00 | Atualizado em 09.Out.10 - 13:59

EXAGERO - No Brasil, a maioria dos jovens bebe entre quatro e cinco doses em duas horas

Sabe aquele hábito de alguns brasileiros de deixar o bebê molhar a chupeta no chope do pai? E aquele outro de permitir que crianças de 10, 12 anos bebam uma taça de espumante nas festas de fim de ano? São muito menos inofensivos do que parecem. De acordo com a American Association for the Advancement of Science, a AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), práticas como essas podem ter consequências nefastas no futuro. Baseada em dois trabalhos recentes – a Pesquisa Nacional sobre o Uso de Drogas e Saúde e um estudo realizado pela Universidade de Boston –, a entidade concluiu que quem trava o primeiro contato com a bebida antes dos 15 anos tem cinco vezes mais chance de se tornar um adulto alcoólatra, em comparação com quem prova bebida aos 21. Apoiada nisso, a AAAS está encampando um movimento para que o primeiro gole seja postergado ao máximo e acaba de lançar o livro “Delaying That First Drink: a Parent’s Guide” (Adiando o Primeiro Drinque: um Guia para os Pais). “Começar a consumir bebidas alcoólicas mais tarde pode fazer a diferença no resto da vida”, diz Aimee L. Stern, autora do livro.

O fato de o primeiro drinque acontecer cada vez mais cedo é um fenômeno mundial. E quase sempre os pais, mesmo inconscientemente, são os responsáveis por despertar o hábito na criança e no adolescente. No Brasil, dados deste ano do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), revelam que a idade média do primeiro gole em estudantes do ensino fundamental (8º e 9º ano) e ensino médio (1º a 3º ano) de escolas particulares é 12 anos. Nos Estados Unidos, os meninos começam a beber aos 13 e as meninas, ainda mais jovens, aos 11. Segundo o Cebrid, 46% dos estudantes declararam ter recebido a primeira oferta de álcool de um familiar em sua própria casa. “A criança que molha a chupeta no chope pode não se embriagar, mas reconhecerá o gostinho e se acostumará ao sabor de algo que não lhe fará bem nos anos que virão”, esclarece a psi­quiatra Camila Magalhães Silveira, coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).

A AAAS defende que os pais mudem de postura em prol da saúde dos filhos. “É preciso dar o exemplo, não deixar bebidas expostas em casa e conversar muito”, diz Shirley Malcom, diretora de pesquisas do órgão. “Geralmente, os pais passam a se preocupar com o filho que consome álcool quando ele começa a dirigir, mas deveriam começar a conversar sobre o assunto quando ele está no quinto ano e continuar discutindo até que ele os ouça”, diz. O desenvolvimento físico e mental do bebedor precoce é prejudicado. Como parte de seu cérebro ainda está em formação, tem mais chance de desenvolver tolerância ao álcool e de beber cada vez mais com o tempo. Estudos também mostram que o jovem que bebe, mesmo pequenas quantidades, apresenta dificuldade em aprender ou memorizar fatos. Um dos maiores especialistas em dependência química do Brasil, o psiquiatra Arthur Guerra afirma que o álcool abre as portas para os entorpecentes. “Quem começa a beber aos 12 anos tende a experimentar maconha e outras drogas anos depois”, diz ele.

Se tomar o primeiro gole antes dos 15 anos é prejudicial, o que dizer do adolescente que invariavelmente fica bêbado quando bebe? “No Brasil, o jovem bebe no padrão binge”, diz Camila. O padrão binge é quando a pessoa ingere grandes quantidades de álcool num curto período de tempo com o objetivo de se embriagar. Isso significa cinco ou mais doses, no caso dos homens, e quatro ou mais doses, no caso das mulheres, em duas horas. Quando o corpo absorve grandes quantidades de álcool, a pessoa entra em coma e pode morrer. “Quem é jovem e segue esse padrão tem 15 vezes mais chance de se tornar um adulto alcoólatra”, alerta Camila. Na opinião da psiquiatra, o jovem que bebe no padrão binge deve buscar tratamento.

Quando os pais estão conscientes do problema, a maior dificuldade talvez seja conversar com o adolescente. O livro “Delaying That First Drink” – disponível na internet – propõe uma abordagem científica, sobretudo quando as clássicas proibições e ameaças não funcionam. “O jovem precisa saber como o álcool é prejudicial ao seu corpo, do sistema digestivo aos sistemas nervoso central e reprodutivo”, diz Shirley. Camila também deixa a sua dica: “A melhor hora para conversar não é quando o filho chega embriagado em casa, mas no dia seguinte”, diz ela. Um estudo americano mostra que, quando pais e filhos conversam sobre álcool, a porcentagem daqueles que consomem bebidas cai entre 18,8% e 16,2%.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

PRINCIPIO FEDERATIVO - AÇÃO LOCAL NO COMBATE ÀS DROGAS

Ação local no combate às drogas, por Vilmar Perin Zanchin, PRESIDENTE DA FAMURS E PREFEITO DE MARAU - Zero Hora 07/10/2010

A epidemia das drogas, seja no âmbito da saúde ou da segurança pública, é um exemplo de problema cuja resolução deve considerar a perspectiva municipal. Afinal, é na realidade cotidiana dos nossos bairros e ruas que cresce a alarmante propagação do vício. Também é ali que são sentidas as consequências mais diretas em termos de violência e de vulnerabilidade social. Saber lidar corretamente com a situação requer uma visão capaz de envolver as características de cada comunidade.

Também nesse campo, as soluções administrativas mágicas e aparentemente fáceis, criadas a partir de gabinetes distantes e desconexos da realidade, estão cada vez mais mostrando sua total ineficiência. Claro que a União e os Estados precisam ter iniciativas de abrangência geral. Porém, sempre que a realidade local for desconsiderada, toda e qualquer política pública – por melhor que seja sua intenção – tende a resultar num retumbante fracasso.

Tal fenômeno é mundial. As nações que assimilaram esse viés são as que mais avançaram política, econômica, cultural e socialmente nas últimas décadas. E esse viés significa legitimar e fortalecer o papel das comunidades e dos gestores locais. A proximidade dos prefeitos com o cidadão confere ao mandatário municipal, necessariamente, maior capacidade de diagnosticar, compreender e resolver as dificuldades da sua população.

Os municípios gaúchos, atentos a isso, estão criando mecanismos para operar com ainda mais força na prevenção e combate aos entorpecentes. A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), em parceria com diversas entidades, montou o Grupo de Gestão Sistêmica, uma iniciativa que tem por objetivo dar continuidade e ampliar medidas que previnem, tratam e reprimem o consumo de drogas em nosso Estado, com foco prioritário no crack.

Essa mobilização atende a um anseio real das nossas famílias e comunidades. Porém, a capacidade de atuação dos municípios está comprometida em virtude da velha e superada concentração de poder e recursos no Estado e especialmente na União. Os prefeitos querem e estão ajudando na prevenção e no combate a esse problema, mas reivindicam uma atuação mais incisiva – com mais recursos e com políticas mais eficientes no plano local – por parte daqueles entes federados que têm condições para isso.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A Constituição prevê que o Brasil é uma república federativa, mas como esta lei não é respeitada, a União insiste em centralizar o máximo de impostos de suas unidades federativas. O resultado é o empobrecimento e incapacidade administrativa e operacional destas unidades.

sábado, 25 de setembro de 2010

MAIS LEITOS - Ofensiva contra o crack ganha reforço

Ofensiva contra o crack ganha reforço. Ministério da Saúde anuncia 73 novos leitos para dependentes no Estado - Zero Hora, 25/09/2010

Quatro dias depois de ter anunciado investimentos para saúde do Programa Integrado de Enfrentamento ao Crack – criado em maio, – o Ministério da Saúde assinou ontem medidas práticas para o Rio Grande do Sul, que possibilitarão a abertura de 73 novos leitos para o tratamento de dependentes de álcool e drogas, especialmente o crack. Hospitais de 14 municípios serão os primeiros a disponibilizar espaços exclusivos para recuperar os usuários da pedra a partir de investimento direto do governo federal, num total de R$ 2,9 milhões por ano.

A medida, no entanto, é ainda incipiente perto do número atual de leitos abertos pelo governo gaúcho, que já mantém 617 vagas.

– Somos o único Estado do país que põe recursos em leitos para o crack. Esse anúncio será um plus e esperamos que mais hospitais possam oferecer espaços para o tratamento – afirmou a diretora do departamento de assistência ambulatorial e hospitalar da Secretaria Estadual de Saúde, Aglaé Regina da Silva.

Segundo o secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Alberto Beltrame, que assinou as portarias dos novos leitos ontem, em cerimônia no Hospital Parque Belém, na Capital, esse é o primeiro passo.

– A partir da semana que vem, esses leitos estarão disponíveis. Mais hospitais e municípios poderão se credenciar – afirmou Beltrame, ressaltando que o ministério repassará R$ 3.360 por mês para cada vaga ocupada.

O secretário também adiantou que mais 24 leitos deverão ser liberados até novembro na Capital. O Grupo Hospitalar Conceição (GHC) disponibilizará 12 vagas em um novo Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) III, um dos primeiros a funcionar 24 horas, sete dias por semana. O Caps AD III deverá ser aberto no dia 4 de novembro. Há previsão de mais 12 espaços no Hospital Conceição, destinados a meninas e gestantes usuárias de crack.

– Existem mais 50 Caps 24 horas no plano de enfrentamento. Se o Rio Grande do Sul for ágil e os municípios apresentarem propostas, poderemos habilitar mais centros aqui – disse Beltrame.

Durante o ato, o GHC e o Parque Belém assinaram um termo de cooperação para iniciar tratativas de ações em conjunto de enfrentamento do crack e outras drogas. O hospital da Zona Sul deverá ceder local para uma comunidade terapêutica com 90 internos e mais 30 leitos para tratamento de usuários.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não acredito nesta politica de leitos para o tratamento das dependências. É muito impessoal. Defendo a criação de Centros ou Unidades de Tratamento das Dependências e Assistência Familiar, pelo fato de que é necessário que haja agentes com preparação técnica e psicológica para prevenir, tratar e curar o dependente e dar uma assistência psicológica à família, afim de evitar que este paciente retorne às drogas e ao aliciamento pelo crime. As drogas são casos de saúde e de ordem pública.

O SOFRIMENTO DA FAMÍLIA DO USUÁRIO DE CRACK

A família do usuário de crack, por Anissis Moura Ramos, Psicanalista - Zero Hora, 25/09/2010

A família do adicto é uma família adoecida. A mãe é uma mãe tóxica, que estabelece uma relação simbiótica com o filho, mostrando-se como uma mãe boa, continente, protetora, que lhe faz todas as vontades, sendo bastante permissiva, não interferindo na vida dos filhos, pois é a maneira que tem de mantê-los perto dela. Já o pai é uma figura periférica, que não interfere nesta díade mãe/filho e que refere estar sempre muito ocupado com problemas profissionais, não dispondo de tempo para dedicar à família. Quando está em casa, não quer ser incomodado, tem que descansar.

A relação familiar é estabelecida num faz de conta. Quando os problemas aparecem, são negados pelos pais, que encontram uma solução mágica para resolvê-los, usando o álcool ou algum calmante. Assim, ensinam ao filho a fórmula ilusionista de resolver qualquer conflito, convidando-o a participar desse mundo “colorido” oferecido pelas drogas lícitas ou ilícitas. A correria do dia a dia, a necessidade incessante de manter um status que muitas vezes não é o seu, faz com que os pais esqueçam-se de olhar para os filhos. Responsabilizam e projetam os seus problemas para aquele elemento da família que tem uma estrutura de ego mais fragilizada. Este, por sua vez, assume o papel de “bode expiatório” que lhe foi dado, passando a acreditar que é o responsável por tudo o que acontece no seio familiar. Busca na droga o alívio para o seu sofrimento e no traficante a figura do pai que se faz ausente.

Não temos como negar que o usuário de crack é um doente, mas não podemos entrar no faz de conta de sua família, esquecendo que esta também é uma família tóxica, que precisa ser acolhida e tratada. Apesar dos novos modelos de família que vêm se construindo, as famílias são o eixo estruturante do ser humano. Daí a necessidade de resgatá-las, convidando-as a refletir sobre suas vidas, sobre a forma como estruturaram as relações familiares. Fazendo com que o sentimento de culpa não sirva apenas para gerar sofrimento, mas como forma de entender as falhas que ocorreram. Se ficarmos com o nosso olhar preso apenas no usuário, todo o investimento feito no tratamento deste será em vão, no momento em que ele for devolvido para a família. Daí a importância de a mídia e os profissionais da saúde, que estão tão engajados nesta campanha contra o crack, incentivarem o tratamento das famílias, mostrando-lhes a importância deste.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

AÇÃO CONTRA O CRACK

Ação contra o crack - Editorial Zero Hora, 21/09/2010

Quatro meses depois de anunciar o mais amplo projeto nacional de combate ao crack, com ênfase desde a repressão ao tráfico até o tratamento de dependentes, o governo federal deu ontem mais um passo para transformar as intenções nessa área em realidade. Em solenidade no Palácio do Planalto, em Brasília, foram abertos os editais do Plano de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. A particularidade de o ato ocorrer em meio à campanha eleitoral reforça a importância de a sociedade redobrar a atenção sobre a necessidade de cobrar a concretização de promessas das quais depende em muito a solução para o drama das drogas, especialmente do crack.

Lançado em maio, na presença de prefeitos de todo o país, o projeto acena com investimentos de R$ 140 milhões, capazes de permitir a criação de 6 mil leitos, a ampliação dos serviços de atenção e maior qualificação da rede. Mais do que pelos recursos e pelos objetivos, porém, o plano é importante por integrar esforços, somando os da União aos dos Estados e dos municípios, além dos empreendidos pela sociedade de maneira geral. Por isso, a eficácia da intenção vai depender da confiança de representantes do poder público nas diferentes instâncias da federação e da sociedade de que o desafio pode ser encarado, e de forma bem-sucedida.

Certamente, o flagelo das drogas e, sobretudo, a verdadeira epidemia que a dependência do crack provocou no país precisam ser enfrentados acima de tudo com medidas preventivas. No caso específico desse derivado da cocaína, a preocupação faz ainda mais sentido pelo fato de a dependência ser de difícil tratamento e de envolver intensamente familiares e pessoas mais próximas.

A entrada em cena do governo federal, por isso, reforça uma perspectiva positiva no combate ao problema, com a vantagem de ampliar os recursos disponíveis. Ainda assim, os avanços esperados vão depender sobretudo da pressão por parte da sociedade, que é a mais afetada diretamente pelo problema.

UNIÃO CONTRA A PEDRA. Largada para o plano anticrack. Quatro meses depois de anúncio oficial, Planalto começa a distribuir verbas para criação de 6.120 leitos a dependentes - ZERO HORA, 21/09/2010, LETÍCIA DE OLIVEIRA | Brasília

Quatro meses depois de lançar o Plano Integrado de Enfrentamento do Crack, o governo federal parece ter tirado do caminho ontem uma das pedras que atrasavam o avanço da ofensiva contra a epidemia da droga no Brasil. O anúncio de R$ 140 milhões para criar 6,1 mil novos leitos de atendimento a usuários de entorpecentes é o primeiro passo efetivo para dar a largada ao chamado PAC do Crack.

Em maio, o presidente Lula anunciou um conjunto de medidas contra a droga. Em junho de 2009, o Ministério da Saúde havia prometido abrir 2.325 novos leitos psiquiátricos em hospitais pelo país, 122 no Rio Grande do Sul. Mais de 15 meses depois, nenhum centavo foi encaminhado para o Estado, segundo a diretora do departamento de ação em saúde da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Sandra Sperotto.

– Nenhum incentivo chegou até agora. Abrimos em três anos mais de 2 mil leitos que podem atender usuários de drogas, tudo com recurso do tesouro estadual, sem qualquer ajuda federal. Estamos esperando – afirma.

Outra medida destacada pelo governo foi a instalação e 50 Centros de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) 24 horas em municípios com mais de 200 mil habitantes, um modelo especial e mais completo das atuais estruturas criadas para substituir os hospitais psiquiátricos. Os Caps também foram alvo de promessas. Em novembro de 2009, o ministro José Gomes Temporão projetava 19 Caps para o Estado ainda em 2010. Parte desses centros, porém, já existia.

Boa parte das vagas serão em hospitais

O governo só teria começado a pagar o convênio para que as unidades, que dependiam de recursos dos municípios, mantivessem o funcionamento. Os outros 11 são uma incógnita. A SES não soube dizer ontem se os Caps saíram do papel ou não. Zero Hora tentou a confirmação com o Ministério da Saúde, mas até as 22h de ontem não obteve retorno.

As medidas de saúde, que dão visibilidade ao plano integrado, deixaram o campo dos projetos e poderão ajudar a construir um novo panorama do tratamento do crack no país. Do total de leitos anunciados ontem, 3.620 serão criados nos hospitais, Caps AD e nas Casas de Acolhimento Transitório. Além disso, o governo vai oferecer mais 2,5 mil vagas em comunidades terapêuticas.

Segundo o secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Roberto Beltrame, a demora em dar a largada na criação dos leitos ocorreu pela negociação com as entidades especializadas no tratamento de viciados.

– As comunidades terapêuticas trabalham de formas diferentes, então tivemos de conversar para definir critérios de seleção para a distribuição das verbas – justifica Beltrame.

Essa distribuição das novas vagas em hospitais e centros especializados vai depender do interesse dos municípios. Até o lançamento dos editais, apenas Porto Alegre e Pelotas, no Estado, haviam manifestado interesse em ampliar o número de leitos. Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, as prefeituras não têm estrutura para arcar com as novas responsabilidades.

– Como é que os municípios vão fazer concurso para médicos, psiquiatras e enfermeiros para atender? Onde estão os recursos para estas contratações? – questionou Ziulkoski.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ATLETISMO PARA VENCER AS DROGAS


Atletismo para vencer as drogas. Projeto tem como meta incentivar a paixão pelo esporte entre crianças e adolescentes de Erechim - JOSÉ QUINTANA JR. | RBS TV Erechim

Na luta contra as drogas e a violência, uma das alternativas para os jovens é o esporte. Em Erechim, um projeto social está apresentando aos adolescentes os primeiros passos do atletismo.

Alguns dos jovens ainda tropeçam na pista, mas isso é apenas um detalhe para quem sonha com um futuro melhor por meio da corrida. Eles lançam olhares atentos, tímidos e curiosos para cada movimento do atletismo. Com uma rotina de quatro horas de treinamento por semana, os estudantes se empolgam com a descoberta do esporte:

– O exercício de salto era difícil, mas agora está melhorando – relata Abiel dos Santos Rodrigues, 10 anos.

De acordo com o professor de Educação Física Andrigo Zaari, as atividades do projetam abrem novos caminhos para os participantes:

– Fomentar o esporte por meio da disciplina, da cooperação e respeito mútuo forma cidadãos e, muitas vezes, retira os jovens das margens de risco, como drogas e dos problemas sociais que enfrentamos.

Além do resgate social, o projeto pretende incentivar a paixão pelo atletismo e formar futuros campeões no esporte. Alguns alunos, como Rafael Muniz, 15 anos, imaginam seguir o caminho do recordista mundial nos 100 e 200 metros rasos, Usain Bolt.

– Vendo o Bolt correr, me dá muita ansiedade. Quero fazer o mesmo – comenta Muniz.

Esse mesmo sentimento despertado em Rafael já trouxe resultados para Luciana Vettori, 13 anos. A menina que foi campeã na categoria sub-12 e sub-13 na região do Alto Uruguai, disputa, agora o campeonato estadual de atletismo. Ela tem como objetivo ir ainda mais longe: competir nas Olimpíadas.

– Seria muito legal aparecer na TV e ouvir o pessoal dizer: olha lá, a Luciana, minha amiga – empolga-se.

O preparador físico Diego Telles inclui nos treinos o estímulo aos sonhos olímpicos dos alunos:

– O Brasil não traz o número esperado de medalhas porque não investe na base. Aqui, pensamos lá na frente: 2016, 2020, até 2024, talvez.

domingo, 15 de agosto de 2010

ABANDONO DO ESTADO - MEDIDAS ANÚNCIADAS


As primeiras decisões - Zero Hora, 15/08/2010

Em três semanas de trabalho, a equipe coordenada pelo juiz Cleber Augusto Tonial visitou 133 crianças e adolescentes, conheceu 12 instituições, desligou sete crianças de abrigos, identificou 48 filhos de usuários de drogas e levou a prefeitura a anunciar um programa de moradias para famílias em risco social.

As decisões, que dizem respeito a centenas de crianças abandonadas pelos pais, levariam meses para serem tomadas não fosse a mobilização proposta pelo CNJ.

– Algumas decisões talvez demorassem mais de ano – diz José Antônio Daltoé Cezar, juiz da 2ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre.

É provável que quem desconhece a rotina da Justiça e de meninos e meninas encontre dificuldades em visualizar pequenas revoluções provocadas por decisões céleres. Desligamentos, por exemplo, acertados em alguns casos por conselheiros tutelares, assistentes sociais e a equipe que visita instituições, seguem trâmites burocráticos no Foro Central.

Veja os procedimentos necessários até que um desligamento seja autorizado: primeiro, um técnico enviaria para a Justiça um laudo sugerindo o desligamento, que seria anexado ao processo (há 1,4 mil deles na Capital). Depois, um juiz se manifestaria e enviaria o caso para o Ministério Público. Com o documento em mãos, promotores emitiriam um parecer e mandariam de novo o processo para o juiz.

Com anos de experiência na magistratura, Daltoé garante:

– Dando tudo certo, demoraria no mínimo 90 dias para que estas decisões fossem tomadas.

Moradias para famílias em risco

A rapidez não se limita ao campo judicial. Após receber um pedido de reunião para discutir um programa de moradias para famílias em risco social, a prefeitura de Porto Alegre decidiu aplicar uma decisão do orçamento participativo – com uma década de atraso.

De acordo com o Departamento Municipal de Habitação (Demhab), 3% dos conjuntos habitacionais entregues pelo município serão destinados a famílias em risco – entre elas, parentes de crianças como os irmãos Dani, dois anos, Mariana, cinco, Mateus, oito, e Alexandre, 13, negligenciadas pelos pais, que não deixam a instituição porque a casa da avó, interessada em recebê-los, é incapaz de acomodá-las (leia texto nesta página).

Os primeiros beneficiados receberão 10 das 333 residências do Recanto do Guerreiro, um conjunto habitacional financiado pelo programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida, em fase final de construção, na zona sul da Capital.

Resultados parciais - Em três semanas, a equipe que visitou 133 abrigados tomou as seguintes decisões:

- Proibiram dois pais de visitarem seus filhos
- Desligaram sete crianças
- Concederam guarda provisória a duas famílias (avó, tios, primos)
- Obtiveram o compromisso de um pai de custear o tratamento psicoterápico do filho
- Decidiram pela guarda provisória para um padrinho afetivo
- Identificaram 48 abrigados filhos de pais usuários de drogas
- Identificaram 15 filhos de pais com transtornos mentais
- Requisição de atendimento na área da saúde para 10 acolhidos
- Localizaram familiares de três crianças
- Requisitaram moradias para familiares de 10 abrigados

ABANDONO DO ESTADO - OS APELOS VÊM DOS ABRIGOS



Os apelos que vêm dos abrigos. Zero Hora acompanha uma iniciativa inédita do Conselho Nacional de Justiça: equipes visitam entidades para ouvir crianças e adolescentes, saber como vivem e acelerar processos sobre o destino de 1,4 mil pessoas com menos de 18 anos na Capital - CARLOS ETCHICHURY, ZERO HORA, 15/08/2010

Diante de um notebook acomodado sobre as pernas, o juiz Cleber Augusto Tonial sorri quando uma criança se surpreende ao vê-lo na audiência:

– É ele? Achei que o juiz era mais velho, tivesse cabelos brancos...

Aos 40 anos, Tonial, cabelos pretos, calça jeans estonada, jaqueta de couro bege, personifica a Justiça naquela confortável casa de dois pisos, na Vila Ipiranga, zona norte de Porto Alegre, onde oito crianças seriam pela primeira vez ouvidas por um juiz.

Natural de Passo Fundo, Tonial é o escolhido pela Justiça para levar adiante um desafio: visitar 130 casas lares e abrigos, em 90 dias, para conhecer 1,4 mil crianças e adolescentes protegidos pelo Estado na Capital.

Além dele, a promotora de Justiça Veleda Maria Dobke e a assistente social Angelita Rebelo de Camargo, da equipe do 2° Juizado da Infância e da Adolescência de Porto Alegre, participam das reuniões.

Idealizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Mobilização Nacional para Reavaliação Processual das Crianças e Adolescentes pretende dar mais rapidez a decisões judiciais. Com o mutirão, será possível acelerar movimentações processuais, que, em função de trâmites obrigatórios, podem atrasar sentenças em até um ano – período em que os abandonados permanecem abrigados.

– A ideia é transformar esta mobilização em algo permanente – diz José Antônio Daltoé Cezar, juiz da 2ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre.

Na frente de um juiz pela primeira vez

Na prática, a iniciativa tenta corrigir uma distorção. Um adolescente envolvido em crimes bárbaros, por exemplo, tem o direito de apresentar sua versão a juízes e promotores. Seus argumentos serão considerados quando seus destinos forem traçados pelo juiz. O mesmo direito é assegurado ao mais cruel dos bandidos, que terá a chance de levar a sua versão à Justiça.

Curiosamente, os direitos garantidos a criminosos e a infratores eram sonegados a crianças e adolescentes abandonados pelos pais, condenados pelo Estado a viverem em abrigos até retornarem ao convívio de familiares ou serem adotados – o que nem sempre ocorre. Com exceções, a Justiça definia suas vidas sem consultá-los.

– É levado em consideração o parecer dos técnicos sobre as crianças quando se toma alguma decisão. Dificilmente uma criança protegida é ouvida. Agora pretendemos conversar ou ver todos os abrigados – conta Tonial.

Muitos dos meninos e meninas ficarão diante de um juiz pela primeira vez.

– O simples esclarecimento que se presta a eles já faz o trabalho valer a pena – resume.

Em todo o país, pretende-se checar a situação de 15 mil acolhidos em 1.490 instituições. Nas últimas duas semanas, Zero Hora acompanhou o trabalho da equipe na Capital.

A reportagem visitou casas lares aconchegantes, administradas por organizações não governamentais com recursos da prefeitura, e entidades mantidas pelo Estado.

Ouviu a aflição de quem se aproxima dos 18 anos, deparou com a falta de habitações para famílias em risco, viu crianças abusadas afastadas de seus familiares – enquanto abusadores permanecem em suas residências, sem punição –, conheceu a realidade de quem espera seis meses por uma consulta médica especializada e presenciou o boom de bebês filhos do crack destinados à adoção.

ENTIDADES DE ACOLHIMENTO - A Capital conta com entidades de acolhimento (abrigos oficiais) mantidos pelo poder público, tanto pelo governo do Estado quanto pela prefeitura. Reorganizados desde 1990, data do lançamento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), contam com educadores/cuidadores e procuram manter unidades que não superem 15 crianças/adolescentes.

CASAS LARES - São instituições não oficiais com educadores e cuidadores residentes. Em parceria com a prefeitura de Porto Alegre, atendem, em média, oito crianças ou adolescentes em cada unidade. São programas executados por organizações não governamentais, que mantêm convênio com o município.

INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO DE GRANDE PORTE - Casas de passagem, raras em Porto Alegre, atendem mais de 20 crianças e adolescentes, cada unidade. São modelos superados. Alguns, superlotados, abrigam mais de 60. São mantidos pela prefeitura, que projeta a sua desativação. Modelo praticamente extinto.

ENTIDADES PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ESPECIAIS - Abrigam crianças com necessidades especiais, que raramente são adotadas. São mantidos pelo Estado (Cônego de Nadal, Nehita Martins Ramos e José Leandro de Souza Leite), ou pela iniciativa privada, que os gerencia com recursos próprios. Algumas dessas instituições particulares são conveniadas com o município de Porto Alegre.

TEMOR E ANGÚSTIA - “Onde eu vou morar quando completar 18 anos?”

– Boa tarde, meu nome é Cleber Tonial, eu sou o juiz.

– Eu sou a promotora, meu nome é Veleda.

– E eu sou a Angelita, assistente social.

A apresentação segue um ritual reproduzido em todos os abrigos e casas visitados pelo juiz Cleber Augusto Tonial, pela promotora de Justiça Veleda Dobke e pela assistente social Angelita Rebelo de Camargo, que formam uma equipe destinada a revisar processos judiciais, conhecer estabelecimentos e, principalmente, ouvir crianças e adolescentes abandonados.

– Tem regras aqui? – quer saber Tonial.

– Tem – diz Vitória, 10 anos, sentada na ponta de uma cadeira.

– Quais são?– prossegue Angelita.

– Não pode sentar aí onde tu tá (no braço do sofá) – continua Vitória, quebrando o gelo da primeira audiência do dia, às 14h5min de uma terça-feira de agosto.

Angelita vai logo ao ponto:

– Querem continuar morando aqui ou com o pai de vocês?

Silêncio.

Lucas está concentrado. Parece criar coragem para dizer algo que atormenta a todos os órfãos na adolescência. Angelita percebe e o estimula:

– Fala, Lucas!

E Lucas desabafa:

– Onde eu vou morar quando completar 18 anos?

Antes de alguém encontrar uma resposta adequada, ele avisa:

– Eu queria que a tia Duda me adotasse.

Duda é o nome de uma “tia afetiva” que o visita, mas não pretende adotá-lo.

– Quantos anos tu tens, Lucas?

– 13.

– Tem bastante tempo... Tu não vais sair sem ter para onde ir – tranquiliza Tonial.

O tempo conspira contra crianças institucionalizadas. Os irmãos Priscila, 14 anos, Lucas, 13, Vitória, 10 , Luís Henrique, nove, Luiz Felipe, oito, e Maria Eduarda, seis, vivem desde os primeiros anos de vida em abrigos.

– Ninguém vai te tirar daqui antes de completar 18 anos. Tu não precisas te sacrificar ficando longe dos teus irmãos. Vocês são uma família – consola Tonial.

As palavras parecem fazer pouco sentido para um adolescente abandonado.

– Daqui a pouco vou ter 18 anos, doutor – resigna-se Lucas.

A audiência se encerra às 14h40min. As chances de que Lucas e os cinco irmãos sejam adotados são pequenas.

ABANDONO MATERNO - “Ela não vai aparecer”

Paula, 11 anos, e Kerolyn, 14 anos, acomodam-se lado a lado no sofá. Na frente, senta-se Katlyn, 13 anos. Tonial vai direto ao ponto:

– Vocês pensam em ser adotadas?

– Quero voltar a morar com a minha mãe – diz Paula.

Afastadas do convívio da família, elas ainda sonham em reatar laços com uma mãe usuária de drogas. Katlyn, descrente, avisa:

– Há dois anos, a mãe sabe disso (que eles querem voltar a conviver), mas não toma providência (parar de usar drogas).

Tonial pergunta o óbvio:

– Vocês querem que eu chame ela para conversar?

– Sim! – respondem Paula e Kerolyn.

Os conselheiros são encarregados de intimar a mãe para uma audiência. Katlyn avisa:

– Não adianta marcar de manhã. Ela toma café às 11h, almoça às 14h, dorme depois do almoço...

O encontro é marcado para as 14h da sexta-feira, 6. Antes de deixar a sala, Paula profetiza:

– Ela não vai aparecer.

Estava certa. A mulher não compareceu à audiência.


IMPUNIDADE - “O abusador permanece em casa”


Com suspeita de ser abusada pelo padrasto e pelo filho do padrasto, um adolescente de 15 anos, uma garota de seis anos foi abrigada em janeiro passado. A mãe, de 26 anos, procurou a polícia ao saber do suposto abuso, mas, como é comum em situações semelhantes, manteve o relacionamento com o marido, 19 anos mais velho.

A situação agora é a seguinte: a menina mora num abrigo, e o padrasto continua em casa. Tonial se surpreendeu:

– Acho curioso o abusador permanecer em casa, com os irmãos dela, e a criança abusada ficar num abrigo. A menina, obviamente, se acha culpada pelo que aconteceu.

Ninguém fala sobre o suposto abuso quando a garota se apresenta para a audiência. A conversa se encerra sem que uma decisão seja tomada.

“É muito pequena a casa dela”

Ao ouvir a história de Dani, dois anos, Mariana, cinco, Mateus, oito, e Alexandre, 13, Tonial e Veleda deparam com um problema crônico: a falta de política de habitação para famílias em situação de risco social. O pai dos quatro irmãos, usuário de crack, foi assassinado ano passado.

Eles são próximos da avó, que mora com outras duas netas num casebre invadido, na Vila Cefer-2. A mãe dos meninos, também viciada na pedra, desapareceu. Olhando para o conselheiro tutelar Rodrigo Farias dos Reis, Tonial orienta:

– Vocês têm de ver uma nova casa para esta avó.

Calejado, Reis avisa:

– O Demhab (Departamento Municipal de Habitação) nunca responde às nossas manifestações.

– Não é possível a gente estar aqui, reunido, e não ter satisfação dos outros envolvidos – surpreende-se Veleda.

São 10h30min quando Mariana, Mateus, Alexandre e Dani começam a ser ouvidos. Mariana, a mais traquina, reforça o drama detectado pela equipe técnica:

– Eu quero ir morar com a minha avó, mas é muito pequeninha a casa dela.

– Se fosse uma casa maior, eu queria ficar com ela – complementa Alexandre.

Ao final da audiência, o magistrado e a promotora decidem procurar o Demhab para discutir a situação de famílias que não podem receber netos, sobrinhos ou irmãos porque não dispõem de casas.

– Precisamos de uma política. Não adianta discutir caso a caso – avisa Tonial.

Após essa audiência, o Demhab revelou a ZH que pretende colocar em prática um programa de moradias para famílias em risco.

“O teu pai está preso. Vocês sabem disso?”

Minutos antes de começar a segunda audiência da tarde, a assistente social Kenia Witeckoski, que também acompanha os encontros, narra a trajetória dos gêmeos Roger e Richard, nascidos 12 anos atrás na Restinga, em Porto Alegre:

– O pai deles é traficante. A mãe, usuária de drogas. Um dia antes da audiência, uma assistente social visitou a mãe dos gêmeos. Ao abrir a porta de casa, a filha dela, de dois anos, apareceu com um cigarro apagado no canto da boca.

A conselheira tutelar Salete Basso de Lima Alminhana comenta:

– Conheço bem o caso. A avó queria ficar com as crianças, mas não tinha condições. Mora numa peça com outras duas crianças...

Às 15h05min, no segundo piso da residência no bairro Ipiranga, os gêmeos começam a ser ouvidos.

– Gostaram que o juiz veio vê-los? – pergunta a promotora Veleda.

– Sim – diz Richard. E complementa: – Fiz um rap pra ele: “Vamos indo bem depressa, antes que o juiz nos bote numa prisão depressa”.

Todos sorriem dos versos improvisados. Veleda quer saber:

– Alguma pergunta?

– Só uma – diz o sorridente Richard, levantando o indicador direito. – Posso visitar meu pai?

Todos se olham. Tonial, comprometido com a transparência, é direto:

– O teu pai está preso. Vocês sabem disso?

A alegria desaparece do rosto de ambos.

– Eu não sabia – diz Richard.

– Por que ele está preso? – quer saber Roger.

– Parece que é por tráfico – responde Cleber, constrangido.

– Maconha? – questiona Richard.

Quando moravam juntos, o pai consumia a erva na frente das crianças. Hoje, a mãe, usuária de crack, não os procura. Tonial aproveita a deixa:

– Vocês entendem agora por que não podem usar drogas? Vocês, de certa forma, estão aqui por causa das drogas.

Às 15h35min, a audiência se encerra. Eles deixam o segundo piso da casa lar onde vivem com outras seis crianças de cabeça baixa, sem se despedir.

Crack dobra número de bebês abandonados

Nada incomoda mais a assistente social Tatiane Tonetto Pacheco do que fazer lembrancinhas de aniversário de um ano de crianças mantidas em abrigos – uma celebração cada vez mais comum na Fundação de Proteção Especial do Estado. Nos últimos cinco anos, a epidemia de crack no Rio Grande do Sul fez com que dobrasse o número de crianças menores de três anos nas instituições mantidas pela fundação.

O quadro é desolador. Vitimadas pela pedra, as mães, incapazes de criar seus rebentos, se desfazem dos filhos. Sem interessados em recebê-los na família, os bebês acabam nos braços de profissionais como Tatiane.

– A gente promove as festinhas, mas no fundo são festas tristes – conta a assistente social ao juiz Cleber Augusto Tonial, que visitou a instituição na última segunda-feira.

Crianças sofrem com abstinência

Os números ajudam a dimensionar o problema. Do total de 809 crianças e adolescentes protegidos pela fundação, em 2005, 51 (6,91%) tinham menos de três anos. Hoje, os pequenos somam 97 (15,8%) dos 695 – em outras palavras, a fundação presencia o aumento do número de bebês ante a redução do total de abrigados.

Diante da tragédia que se anuncia desde a metade da década, técnicos se estarreceram com recém-nascidos em crise de abstinência.

– Quando eles chegam, apresentam tremedeiras repentinas, um sintoma que os nossos servidores desconheciam. Depois ficamos sabendo que são pequenas convulsões, provocadas por crises de abstinência que as mães tinham quando eles estavam no ventre – descreve Marlene Sauer Wiechoreki, presidente da fundação.

Recentemente, 200 profissionais foram qualificados por psiquiatras para lidar com um público delicado, que precisa de cuidados especiais para superar traumas e agressões sofridas antes mesmo de nascer.

Tatiane destaca um detalhe que agrava a situação dos filhos do crack. Como as famílias são, quase sempre, desestruturadas, torna-se difícil localizar a mãe ou o pai da criança. Sem eles, o processo de destituição familiar, requisito indispensável para que alguém possa adotá-los, leva anos na Justiça.

– Mês que vem, teremos mais uma festinha de um ano – lamenta a assistente social.