VIZINHANÇA PERIGOSA. Em busca de clientes ou de alvos fáceis para assaltos, viciados e traficantes se aproximam de colégios da Região Metropolitana - RENATO GAVA, ZERO HORA 17/05/2011
De um lado do muro, crianças jogando futebol no pátio da escola municipal. Do outro, a 20 metros do recreio, três viciados. Mães e filhos passam pela rua quando o trio puxa dos bolsos cachimbos improvisados e começa a tragar o crack. As mulheres só aceleram o passo.
Acena testemunhada pela reportagem do jornal Diário Gaúcho no Colégio Liberato Salzano Vieira da Cunha, no bairro Sarandi, zona norte da Capital, é comum em escolas públicas da Região Metropolitana, principais alvos dos traficantes atualmente. Dos alunos, os traficantes aproveitam tudo. São clientes para as drogas e, ainda, presas fáceis para viciados, de quem roubam seus celulares, tênis e material escolar para trocar por crack.
Diretora do colégio, Cleusa Leppa assegura que o Liberato é um colégio sem grande problemas de violência. Mas reconhece que a presença de usuários ao redor tem sido constante:
– Desde janeiro esses (viciados) ficam ali, no muro. A Brigada Militar já os prendeu, mas eles foram soltos e voltaram. Ficamos de olho neles.
– Isso não é nada. No intervalo das aulas, sobretudo à noite, tem traficante que pula o muro, oferece droga a quem quiser pegar – relata uma aluna de 16 anos.
Cleusa admite que o problema ocorreu, mas poucas vezes:
– Não temos problema de invasão. Alguns eram ex-alunos e foram retirados. É o que fazemos sempre que percebemos que há, no pátio, alguém que não é aluno.
O convívio perigoso entre traficantes, viciados e estudantes se repete na Zona Sul. Há dois anos, a dona de casa Elaine Santos, 36 anos, passou a buscar a filha de 12 anos. Sempre às 18h, ela e outras mães, que tempos atrás esperavam tranquilas pelos filhos em suas residências, hoje se encontram no portão da escola.
Não é o caminho de poucos quarteirões até em casa que as preocupa. Elas não querem é que filhos e filhas sejam abordadas no entorno da escola.
– Eles respeitam quando ela está comigo. Só não sei até quando – lamenta a mãe.
No Escola Municipal Senador Alberto Pasqualini, uma mãe conta que, quando não pode levar a filha de 14 anos à escola, prefere que ela não vá.
– Fico com o coração na mão. Todo mundo aqui sabe dos traficantes, eles desfilam. A escola não deixa eles entrarem, mas eles esperam os guris saírem – conta a doméstica de 33 anos.
Na semana passada, a Brigada Militar prendeu um viciado de 22 anos que admitiu ter realizado 10 assaltos ao redor das escolas Ildo Meneghetti e Alberto Pasqualini, ambas na Restinga. Como não foi pego em flagrante, o rapaz foi solto. O delegado Luciano Coelho está concluindo os inquéritos e poderá pedir sua prisão preventiva.
– Eu disse para ele separar algumas roupas e voltar para cá no dia seguinte, pois o levaríamos a uma clínica. Chegamos a ajeitar as coisas, mas ele não apareceu e, dois dias depois, temos quase certeza que cometeu outro furto, contra um vizinho – relata o chefe de investigações da 16ª Delegacia da Polícia Civil, Sérgio Lopes.
Falta de dados dificulta ações das autoridades
Embora as autoridades reconheçam o problema da proximidade entre escolas e tráfico de drogas, não existe, oficialmente, nenhuma verba ou programa exclusivo para combatê-lo. Os criminosos sabem disso, e estão aproveitando.
A Secretaria Estadual de Educação, por meio de sua assessoria, divulgou que o órgão não sabe a quantidade de drogas e de drogados apreendidos nos estabelecimentos de ensino.
Das 2.554 escolas estaduais gaúchas, apenas 27 (1%) têm seguranças armados, contratados pela gestão anterior do governo e que só estão em atividade porque seus contratos seguem em vigor. Quando o prazo terminar, o serviço não será renovado.
Na Capital, dos 986 estabelecimentos de ensino público, 68 (6%) têm o projeto PM residente – policiais que moram na escola. Em outros 32, militares da reserva, voluntários, participam de rondas. Os demais colégios dependem de rondas esporádicas de policiais pela vizinhança.
– A segurança dos colégios é uma de nossas prioridades. Mas o ambiente escolar é um alvo de traficantes, que querem esse público para vender as drogas – admite o responsável pelo Comando de Policiamento da Capital, coronel Atamar Cabreira.
Conforme dados da Brigada, 26% dos presos por furto têm antecedentes por posse de drogas. Um crime leva ao outro.
– Quem usa seis pedras ao dia precisa de R$ 1,8 mil para sustentar o vício. Ele vai a campo, começa a fazer pequenos furtos – raciocina o coronel.
Ontem, policiais civis da 2ª Delegacia de Investigações do Narcotráfico do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) prenderam dois homens que vendiam drogas em frente a uma escola no centro de São Leopoldo.
De acordo com o delegado Rodrigo Zucco, trata-se de uma nova ação do departamento chamada Anjos da Lei. Em vigor desde a semana passada, ela visa a coibir o tráfico no entorno de locais onde há aglomeração de jovens, como escolas e praças.
COMPROMETIMENTO DOS PODERES
As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.
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