A reportagem sobre a luta da avó contra o crack nos comove e gera indignação. A cada manchete, desfila o cortejo de vidas destruídas pelo flagelo do século 21, cristalizado na dependência às drogas. No drama desta semana, a senhora escravizou-se, submetida ao crack. O filho, na primeira infância, está sob risco, pelo ambiente no qual está imerso desde a concepção. A avó, aposentada, redobra cuidados com filha e neto e se multiplica para sustentar os custos da dependência, com o tráfico e com os tratamentos de resultado relativo, no serviço público ou nas clínicas particulares. A família foi arrastada emocionalmente para um sofrimento sem fim e depreciada financeiramente.
Como se só acontecesse com outros. Apenas mais uma reportagem no noticiá-rio da TV. De repente, desaba o mundo perante a realidade implacável. Aí se percebe que a vigilância valeria a pena. Muitas famílias são flageladas, democraticamente, independentemente de classe social.
A sociedade, infelizmente, não se deu conta do risco. Simplesmente não há cura para a dependência. Complica-se a situação. Autoridades e líderes diversos disseminam mensagens confusas e desorientadoras. É gostoso. Não faz mal. Maconha é leve. Faz mal sim. Comprovadamente causa doenças físicas, psíquicas e sociais. As drogas leves são porta de entrada da dependência pesada.
O governo não consegue definir políticas claras e não dispõe de meios eficazes para agir. Conceitos “politicamente corretos” e a relativização do certo e do errado confundem mais. Quando as famílias decidem enfrentar seu problema, não sabem sequer a quem recorrer. Talvez porque se esteja focando de modo exagerado e equivocado a extremidade visível e dramática da droga: o tráfico e o consumo. Mesmo a imprensa dedica seu espaço noticiando os crimes derivados do tráfico e o seu combate. Falta orientar a prevenção.
Estaria correto o debate de hoje? Seria o controle do tráfico ou a regulamentação do uso da droga o foco adequado? Não estaríamos discutindo a consequência do problema em vez de debater a sua gênese? O uso abusivo e dependente das drogas de qualquer espécie tem uma razão de ser, uma origem.
Precisamos enxergar a razão do uso para atuar sobre ela e não sobre a droga. Agir pela vida, não contra a droga. Em toda situação envolvendo drogas, encontra-se uma causa familiar antecedente. Daí ser justamente este o ponto para atuação da sociedade: reforçar as estruturas de prevenção da família. Dar-lhe a convicção nos valores morais e espirituais. Dar-lhe a certeza de que a virtude existe e vale a pena persegui-la. Valorizar o envolvimento afetivo e a educação familiares. Fortalecer a aceitação e o respeito às regras de convício social.
Governo nenhum terá meios para proteger as famílias do tsunami das drogas. Somente a sociedade, irmanada em redes, em ações conjuntas e permanentes será capaz de mobilizar-se para vencer a dependência. Não é tarefa para ser realizada pelos outros ou quando formos atingidos, mas por nós, cada um, aqui e agora. É hora de acordar, participar, engajar-se.
MARCO ANTÔNIO LONGO, PRESIDENTE DA PASTORAL DE APOIO COMUNITÁRIO AO TOXICÔMANO (PACTO)
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Sou obrigado a discordar da conclusão do autor do artigo. Sem participação efetiva do Governo, a sociedade não "terá meios para proteger as famílias do tsunami das drogas." É preciso sim mobilizar irmandades "em redes, em ações conjuntas e permanentes" para "vencer a dependência", mas com políticas, programas, agentes e vontade do Governo envolvidos. Ocorre que até hoje, os governantes não investem nesta área que considero de importância vital para a saúde e paz social, deixando a solução para a sociedade. Nesta brecha entram as ONGs, os oportunistas, o descaso, as leis absurdas, o tráfico aliciador, a truculência policial e o abandono dos dependentes e seus familiares em apuros.
A sociedade deve sim cobrar do Estado envolvimento, comprometimento e investimento no tratamento dos dependentes, na prevenção às drogas e no combate ao tráfico com leis rigorosas para manter na prisão os traficantes e nos centros de reabilitação as pessoas dependentes de drogas. Entretanto, tanto a sociedade está adormecida, como o Governo continua atuando de forma superficial, benevolente e negligente.
COMPROMETIMENTO DOS PODERES
As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.
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