FLAGELO FAMILIAR. Socióloga e filho reféns do tráfico. Usuária de crack e o menino de dois anos ficaram em poder de traficantes por três dias em um ponto de venda de drogas - CAROLINA ROCHA, 17/06/2011
Durante três dias, um menino de dois anos e a mãe dele, uma socióloga de 34 anos, foram mantidos em cárcere privado em um casebre no Campo da Tuca, na zona leste de Porto Alegre. A mulher, usuária de crack há três anos, saiu com o filho, na noite de segunda-feira, para comprar drogas e acabou refém dos traficantes.
Moradora do bairro Igara, em Canoas, a socióloga estava em abstinência há um ano, desde a última internação. No dia 13, enquanto a mãe, uma professora de 63 anos, dava aulas em uma universidade da Região Metropolitana, a mulher encontrou a chave do carro, um Focus prata. Pegou o filho e saiu.
Sem notícias da filha e do neto, a professora procurou a Polícia Civil. Registros foram feitos na 3ª DP de Canoas e na Delegacia para Criança e Adolescente e Vítima, do Deca. Policiais fizeram buscas durante três dias em vários locais, mas não encontraram pistas.
Na manhã de ontem, o irmão da socióloga decidiu pedir ajuda à imprensa. No final da manhã, o e-mail dele com o apelo por informações da irmã e do sobrinho foi lido pelo comunicador Sérgio Zambiasi, no programa Comando Maior, da Rádio Farroupilha.
Não demorou para que surgissem informações. A primeira delas deu a localização do carro da professora. O veículo estava depenado no Campo da Tuca. Ao mesmo tempo, o Departamento de Investigação do Narcotráfico (Denarc) garante ter recebido pista dando conta de que uma mulher e uma criança estavam trancados em uma casa havia três dias, na mesma vila.
Local era vigiado por um jovem de 21 anos
Segundo o delegado Rodrigo Zucco, a casa em que estavam mãe e filho, na Avenida Veiga, perto do campinho de futebol da Tuca, estava suja e vigiada por um traficante de 21 anos, que foi preso. No local, também foi encontrado material pornográfico.
– Quando vi a criança, lembrei exatamente do meu filho, que tem a mesma idade – contou o delegado.
Colocado no carro, o menino, logo depois de abraçar a avó, fez um pedido: queria bolachinhas.
– Não sei se o alimentaram. Ele estava com fome e cansado – contou a avó, enquanto passava as mãos sobre os cabelos do neto, dormindo em um banco da sala do delegado do Denarc.
O garoto estava vestindo uma blusa e uma calça de moletom e calçava um sapato que não seriam dele. A polícia acredita que as roupas do menino, assim como as da mãe, tenham sido tomadas pelos traficantes e trocadas por drogas.
– Agora, sinto um grande alívio – desabafou a avó, contendo as lágrimas.
Carro foi destruído por bandidos
Muito debilitada, a socióloga contou aos policiais que saiu de casa para comprar drogas. Dirigiu o Focus até o Campo da Tuca, onde trocou R$ 200 por pedras. Depois de usar a droga, na frente do filho, ela dirigia de volta para Canoas quando resolveu voltar ao local para comprar mais droga. Nesse momento, os traficantes a pegaram.
– Ela disse que o menino foi tirado dela e colocado em outra casa. De vez em quando, traziam o garoto para perto dela e já o tiravam em seguida – contou o delegado Zucco.
Durante os três dias de cárcere, a mulher disse ter fumado crack várias vezes. Sempre que pedia para telefonar para algum familiar, os traficantes lhe davam mais droga. O local também seria frequentado por outras pessoas, que deverão ser identificadas na investigação.
O traficante de 21 anos, preso na casa, foi autuado em flagrante por cárcere privado e tráfico. O Focus da professora estava, ao ser encontrado pela polícia, sem os bancos, sem as rodas e o rádio. O carro foi recolhido e deve ser periciado. A polícia acredita que o próximo passo dos traficantes seria exigir dinheiro para libertar os dois.
– A família toda adoece. E precisa se tratar – conta a professora, lembrando dos três anos em que acompanha a filha em tratamentos contra dependência.
Vício também aniquilou carreira de socióloga
A mulher, desde que experimentou pela primeira vez crack, perdeu o emprego e se desfez de bens. Na tentativa de se livrar do vício, passou por internações e, no último ano, além de fazer terapia duas vezes por semana, usava medicamentos.
Ontem à tarde, após prestar depoimento, a socióloga foi levada pela família para uma clínica, onde deverá ficar internada. O garoto voltou para casa.
COMPROMETIMENTO DOS PODERES
As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.
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