COMPROMETIMENTO DOS PODERES
As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
TRÁFICO DE DROGAS DO LADO DE DELEGACIA
Tráfico de crack funciona ao lado de delegacia no centro de SP - DIÓGENES MUNIZ EDITOR-ADJUNTO DA TV FOLHA, 31/01/2012 - 08h35
O 77º Distrito Policial (Santa Cecília), no centro de São Paulo, divide parede com o tráfico de crack. Cerca de 20 pessoas, entre traficantes e usuários, circulam diariamente na área ao lado do DP, vendendo e consumindo a droga dia e noite.
A TV Folha acompanhou a movimentação durante duas semanas e ouviu relatos de moradores e comerciantes. Entre idas e vindas, viciados e criminosos vivem ao lado da delegacia há pelo menos cinco anos.
Reportagem de 2007 publicada pela Folha, sob o título "Garotos usam droga ao lado de delegacia", já expunha "consumo de crack e até a tentativa de roubo a transeuntes" no local. O DP está localizado a cerca de 900 m do hoje vazio epicentro da cracolândia.
"A polícia já foi lá [ao lado do DP] fazer batida, mas, depois de alguns dias, os craqueiros estão de volta, porque ninguém ocupa aquele espaço", diz V., moradora do bairro que não se identifica por motivos de segurança.
"Eles [traficantes] abastecem principalmente as pessoas que passam de carro ou param de táxi na av. São João. É bem parecido com drive-thru" afirma a moradora.
O tráfico se instalou nos espaços vazios sob uma alça de acesso ao Minhocão. É possível ver onde fica a "boca" dos andares de cima da delegacia.
O distrito policial da Santa Cecília é um dos mais famosos da cidade. É usado pela polícia para abrigar presos com curso superior ou que correriam risco em celas de cadeias normais.
VIZINHOS
A maioria dos dependentes que recorre ao tráfico naquele ponto (alguns bem vestidos e de carro) apenas compra as pedras e parte sem demora. À noite, quando o Minhocão fecha para automóveis, o movimento fica mais intenso.
Quem escolhe usar a droga ao lado do prédio da polícia (geralmente moradores de rua) faz o que pode para se esconder --seja debaixo de pedaços de madeira, guarda-chuvas ou em tendas de plástico improvisadas.
Para evitar serem vistos, os traficantes cavaram um buraco ao lado da alça do Minhocão. Até cinco pessoas chegam a entrar ao mesmo tempo no esconderijo.
Uma cerca de arame instalada recentemente no muro que divide a delegacia da "boca" revoltou os moradores da região.
"Até eles [policiais] têm medo, até a própria delegacia está tentando se proteger", diz José Ricardo Campelo, presidente da Associação Santa Cecília Viva.
O delegado Kleber Altale, titular da 1ª Delegacia Seccional Centro, admitiu que a polícia precisou colocar uma proteção ali. Altale informou ontem (30), por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, que a medida foi tomada após um morador de rua ser flagrado no pátio da unidade, no mês passado.
"O delegado ressalta que não serão toleradas ações criminosas não só no entorno da delegacia, mas, também, em toda a região da circunscrição do 77º Distrito Policial", informa a nota.
Procurada pela reportagem, a Subprefeitura da Sé disse que faz a limpeza mensal do espaço. De acordo com o órgão, uma equipe deve voltar ao local ainda nesta semana para desarmar tendas improvisadas que estejam sendo usadas por traficantes e dependentes do crack.
CENTRO LEGAL
Divulgada como um esforço do poder público para sufocar o tráfico que abastece a cracolândia, a Ação Integrada Centro Legal completa um mês nesta semana. Segundo a PM, além das abordagens na Luz, haveria segurança reforçada em bairros como Bom Retiro, Higienópolis e Santa Cecília, onde fica o 77º Distrito Policial.
Pesquisa Datafolha publicada na última quarta-feira mostrou que 2% dos brasileiros com mais de 16 anos admitem já ter experimentado crack. Isso significa cerca de 3 milhões de pessoas.
Numa entrevista recente, até o diretor do Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos da Polícia Civil de São Paulo), Wagner Giudice, disse ter um primo viciado na droga.
Segundo a Polícia Civil, cerca de 2.000 frequentavam a cracolândia em busca de drogas, com um giro diário de 600 consumidores.
APREENSÃO DE MACONHA CRESCE 328% NO RS
COMBATE AO TRÁFICO. Apreensão de maconha cresce 328% no Estado - FRANCISCO AMORIM
A escolha do tráfico de drogas como o crime a ser combatido no Estado levou as polícias Civil, Federal e Militar a uma série de apreensões de maconha em 2011 que ampliaram a quantidade de droga recolhida em relação aos anos anteriores. Dados das três corporações indicam que o volume de maconha apreendida ao longo do ano passado é 328% maior do que o registrado em 2010 e 112% superior ao de 2009.
Por trás dos números, está a estratégia das polícias de desarticular grupos responsáveis pelo transporte da droga proveniente, em sua maior parte, do Paraguai. Nas quatro principais ações realizadas no ano, por exemplo, responsáveis pelo recolhimento de 6,5 toneladas de maconha, a droga foi apreendida em veículos na estrada ou escondida em propriedades rurais que serviam de entreposto.
– Quando se apreende uma quantidade maior de droga antes de ela ser distribuída, o impacto financeiro nestes grupos é maior – avalia o delegado Heliomar Franco, coordenador de investigações do Departamento Estadual de Investigação ao Narcotráfico (Denarc).
A tática de interceptar as drogas antes de elas serem revendidas a bandos menores nos grandes centros urbanos do Estado deve ser reforçada ao longo de 2012 pela Polícia Civil. O Denarc deve enviar em março agentes à paisana para as fronteiras com Argentina e Uruguai e para a divisa com Santa Catarina.
Ao tentar cortar o fluxo de entorpecentes que entram no Estado as polícias também aumentaram em 46,6% a quantidade de crack apreendido em relação a 2010. Em 21 de novembro, por exemplo, a PF identificou a rota de entrada no Estado de um caminhão, com placas de Medianeira (PR), onde foram encontrados 95,9 quilos de crack. Em 2011, apenas a cocaína apresentou queda de 44% em relação a 2010. Autoridades lembram, no entanto, que na comparação com 2009, o número foi 14,1% maior.
Fundo falso de carro ocultava cocaína
Dois homens e um mulher foram presos pela Polícia Federal, na madrugada de ontem, com 24,5 quilos de cocaína em Portão. A droga estava escondida em fundo falso de um Gol com placas do Mato Grosso do Sul e seria destinada a laboratórios caseiros para ser transformada em pedras de crack. Grande parte da cocaína era constituída de pasta base, com alto grau de pureza. Entre os presos estaria o principal responsável pelo abastecimento de dezenas de pontos de distribuição de crack na região de Porto Alegre.
A escolha do tráfico de drogas como o crime a ser combatido no Estado levou as polícias Civil, Federal e Militar a uma série de apreensões de maconha em 2011 que ampliaram a quantidade de droga recolhida em relação aos anos anteriores. Dados das três corporações indicam que o volume de maconha apreendida ao longo do ano passado é 328% maior do que o registrado em 2010 e 112% superior ao de 2009.
Por trás dos números, está a estratégia das polícias de desarticular grupos responsáveis pelo transporte da droga proveniente, em sua maior parte, do Paraguai. Nas quatro principais ações realizadas no ano, por exemplo, responsáveis pelo recolhimento de 6,5 toneladas de maconha, a droga foi apreendida em veículos na estrada ou escondida em propriedades rurais que serviam de entreposto.
– Quando se apreende uma quantidade maior de droga antes de ela ser distribuída, o impacto financeiro nestes grupos é maior – avalia o delegado Heliomar Franco, coordenador de investigações do Departamento Estadual de Investigação ao Narcotráfico (Denarc).
A tática de interceptar as drogas antes de elas serem revendidas a bandos menores nos grandes centros urbanos do Estado deve ser reforçada ao longo de 2012 pela Polícia Civil. O Denarc deve enviar em março agentes à paisana para as fronteiras com Argentina e Uruguai e para a divisa com Santa Catarina.
Ao tentar cortar o fluxo de entorpecentes que entram no Estado as polícias também aumentaram em 46,6% a quantidade de crack apreendido em relação a 2010. Em 21 de novembro, por exemplo, a PF identificou a rota de entrada no Estado de um caminhão, com placas de Medianeira (PR), onde foram encontrados 95,9 quilos de crack. Em 2011, apenas a cocaína apresentou queda de 44% em relação a 2010. Autoridades lembram, no entanto, que na comparação com 2009, o número foi 14,1% maior.
Fundo falso de carro ocultava cocaína
Dois homens e um mulher foram presos pela Polícia Federal, na madrugada de ontem, com 24,5 quilos de cocaína em Portão. A droga estava escondida em fundo falso de um Gol com placas do Mato Grosso do Sul e seria destinada a laboratórios caseiros para ser transformada em pedras de crack. Grande parte da cocaína era constituída de pasta base, com alto grau de pureza. Entre os presos estaria o principal responsável pelo abastecimento de dezenas de pontos de distribuição de crack na região de Porto Alegre.
domingo, 29 de janeiro de 2012
TRAFICANTE PAGAVA R$ 18 MIL POR ALUGUEL DE CASA
FB pagava R$ 18 mil por aluguel de casa em São Paulo. Traficante ainda tinha na garagem um automóvel BMW e uma moto - BRUNA TALARICO, O GLOBO, 29/01/12 - 8h43
RIO - Cerca de R$ 18 mil foram pagos pelo traficante Fabiano Atanázio da Silva, o FB, por um mês de aluguel da casa em que foi preso na sexta-feira, em Campos do Jordão (SP). O bandido, encontrado com o comparsa Cláudio Serrat Correa, o Claudinho CL, ainda tinha na garagem um automóvel BMW e uma motocicleta Yamaha R1, cujo modelo novo custa mais de R$ 50 mil. Os dois foram apresentados na manhã de sábado, na sede da Polícia Civil, no Centro.
— O FB foi encontrado bem vestido, com roupas da moda. Ele levou os dois filhos, a namorada, e a babá e ainda pagou R$ 18 mil pelo aluguel, o que prova que tinha um grande poder de comando no comércio de drogas. Com a prisão, acredito que o tráfico sofreu um corte considerável no seu poder financeiro — disse a delegada chefe da Polícia Civil, Marta Rocha.
Traficantes cumprirão penas em presídio federal
O traficante era considerado o bandido mais procurado do Rio. A ação foi comandada pelo delegado Antenor Lopes Martins Júnior, titular da 25ª DP (Rocha), que, ao lado de sete agentes, abordou os criminosos em duas viaturas descaracterizadas. Para trazer FB e CL de volta para o Rio, o governo do estado fretou um jato. Ainda neste domingo os dois bandidos devem ser enviados para um presídio federal.
Os bandidos estavam há cerca de dez dias na cidade de Campos do Jordão. Além de quatro quartos, lareira e churrasqueira, a casa tem antessala com obras de arte. O traficante também tinha à sua disposição boas e caras bebidas, petiscos e roupas de grife.
Segundo o advogado Ary Bicudo de Paula Júnior, que representa o dono do imóvel, os policiais civis do Rio seriam os responsáveis pela bagunça na casa. Paula Júnior disse que seu cliente emprestou a casa para seu cunhado, o gesseiro Elton Leonel Runich da Silva, de 28 anos, na última terça-feira. A devolução seria na sexta-feira.
À revelia do dono, Elton teria levado para lá FB e Luís Claudio Serrat Correa, o CL.
— A casa era bem bonita, tinha um belo jardim. Pelo que pudemos comprovar nas investigações, o FB é uma pessoa articulada. Ele me relatou que gostou da região de Campos do Jordão e a elegeu para descansar com a família, frequentando restaurantes e lojas — afirmou o delegado Martins Júnior.
Segundo a faxineira Nazareth de Souza Fael, de 45 anos, que esteve sexta-feira na casa para limpá-la, FB foi muito educado:
— Nunca poderia imaginar que se tratasse de um bandidão do Rio.
Além dos criminosos, da namorada, dos filhos de FB e da babá, havia ainda um bandido foragido da polícia paulista na casa. Ele deveria cumprir pena por interceptação e porte de armas e associação para o tráfico. Segundo a Polícia Civil, não houve tiros durante a investida.
O delegado Antenor afirmou que, em conversa informal com FB, o criminoso afirmou que liderou a fuga de bandidos do Complexo do Alemão, no ano passado. Além disso, teria afirmado, também informalmente, que continuava exercendo atividades criminosas, chefiando o tráfico em comunidades dominadas pela sua facção criminosa, como Juramento, Chapadão e Engenho da Rainha.
— É uma grande prisão, não só pelo que representa para o Alemão. Acredito que cortamos significativamente o poder financeiro do tráfico no Rio — cogitou Marta Rocha.
sábado, 28 de janeiro de 2012
APREENSÃO INUSITADA
Acidente revela cocaína e maconha em veículo - MARIELISE FERREIRA, zero hora 28/01/2012
Um acidente de carro levou à maior apreensão de drogas feita neste ano no norte do Estado. A polícia encontrou 610 quilos de maconha e 10 quilos de cocaína no porta-malas e no banco traseiro de um carro em Maximiliano de Almeida.
Um homem teve prisão preventiva decretada por suspeita de participação em tráfico de drogas.
Um ônibus levava pessoas para uma excursão quando passou pelo Honda City acidentado na rodovia Piratuba (SC)-Maximiliano de Almeida (ERS-478), na localidade de Crestani, por volta das 3h30min. Avisados pelos passageiros, policiais militares foram ao local e encontraram o veículo. Com o excesso de peso, um pneu estourou, o carro saiu da pista e bateu em rochedos às margens da rodovia. O fato de os passageiros terem abandonado o carro levantou suspeitas.
Ao vistoriar o Honda City, os policiais encontraram a droga, acondicionada em tijolos e colocada sobre o banco traseiro e no porta-malas. Com placas de Caçador (SC), o carro não tem registro de furto, o que pode auxiliar os policiais na identificação dos traficantes. Localizado, o proprietário alegou ter emprestado o veículo.
Buscas foram realizadas, e por volta do meio-dia, um suspeito foi preso caminhando às margens da rodovia. Valcir Carlos Nunes, 26 anos, alegou que foi chamado a consertar um carro com defeito, mas não portava documentos. A polícia levantou os antecedentes e descobriu que ele já havia sido preso no Paraná por tráfico de drogas. O suspeito foi ouvido e negou participação no crime. Com prisão decretada, foi levado ao Presídio Estadual de Erechim.
Ações prendem traficantes na Capital
Em duas ações na quinta-feira, os agentes do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) apreenderam 22 quilos de maconha escondidos em uma mala que estava em ônibus vindo do Mato Grosso do Sul, na rodoviária de Porto Alegre.
Na sequência, quatro homens foram presos com duas armas de uso restrito pelas Forças Armadas em um apartamento no Parque Santa Fé, zona norte da Capital.
Foram apreendidos um fuzil 7.62, de fabricação argentina, e uma submetralhadora 9 mm, com munições e três coletes à prova de balas. Além de 1,3 quilo de cocaína. A suspeita da polícia é de que os homens fariam a entrega da droga em pontos de tráfico na Vila Santa Rosa.
Conforme o delegado Rodrigo Zucco, o armamento era uma forma do bando se proteger de ataques da gangue Bala na Cara. O Denarc investiga ligação entre a maconha apreendida e os presos.
Um acidente de carro levou à maior apreensão de drogas feita neste ano no norte do Estado. A polícia encontrou 610 quilos de maconha e 10 quilos de cocaína no porta-malas e no banco traseiro de um carro em Maximiliano de Almeida.
Um homem teve prisão preventiva decretada por suspeita de participação em tráfico de drogas.
Um ônibus levava pessoas para uma excursão quando passou pelo Honda City acidentado na rodovia Piratuba (SC)-Maximiliano de Almeida (ERS-478), na localidade de Crestani, por volta das 3h30min. Avisados pelos passageiros, policiais militares foram ao local e encontraram o veículo. Com o excesso de peso, um pneu estourou, o carro saiu da pista e bateu em rochedos às margens da rodovia. O fato de os passageiros terem abandonado o carro levantou suspeitas.
Ao vistoriar o Honda City, os policiais encontraram a droga, acondicionada em tijolos e colocada sobre o banco traseiro e no porta-malas. Com placas de Caçador (SC), o carro não tem registro de furto, o que pode auxiliar os policiais na identificação dos traficantes. Localizado, o proprietário alegou ter emprestado o veículo.
Buscas foram realizadas, e por volta do meio-dia, um suspeito foi preso caminhando às margens da rodovia. Valcir Carlos Nunes, 26 anos, alegou que foi chamado a consertar um carro com defeito, mas não portava documentos. A polícia levantou os antecedentes e descobriu que ele já havia sido preso no Paraná por tráfico de drogas. O suspeito foi ouvido e negou participação no crime. Com prisão decretada, foi levado ao Presídio Estadual de Erechim.
Ações prendem traficantes na Capital
Em duas ações na quinta-feira, os agentes do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) apreenderam 22 quilos de maconha escondidos em uma mala que estava em ônibus vindo do Mato Grosso do Sul, na rodoviária de Porto Alegre.
Na sequência, quatro homens foram presos com duas armas de uso restrito pelas Forças Armadas em um apartamento no Parque Santa Fé, zona norte da Capital.
Foram apreendidos um fuzil 7.62, de fabricação argentina, e uma submetralhadora 9 mm, com munições e três coletes à prova de balas. Além de 1,3 quilo de cocaína. A suspeita da polícia é de que os homens fariam a entrega da droga em pontos de tráfico na Vila Santa Rosa.
Conforme o delegado Rodrigo Zucco, o armamento era uma forma do bando se proteger de ataques da gangue Bala na Cara. O Denarc investiga ligação entre a maconha apreendida e os presos.
DEPENDÊNCIA QUÍMICA
WANDERLEY SOARES, O SUL
Porto Alegre, Sábado, 28 de Janeiro de 2012.
O II Curso de Especialização em Dependência Química, coordenado pelos professores da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - Helena M. T. Barros e Sérgio de Paula Ramos - está com inscrições prorrogadas até 22 de fevereiro próximo.
Interessados devem comparecer na secretaria geral, na rua Costa, 40, em Porto Alegre e falar com Aline Lindemann.
O evento tem o objetivo de capacitar graduados em nível superior das áreas da saúde para atuarem na prevenção e tratamento das dependências químicas.
Mais informações, no site www.amtepa.com.br
Porto Alegre, Sábado, 28 de Janeiro de 2012.
O II Curso de Especialização em Dependência Química, coordenado pelos professores da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - Helena M. T. Barros e Sérgio de Paula Ramos - está com inscrições prorrogadas até 22 de fevereiro próximo.
Interessados devem comparecer na secretaria geral, na rua Costa, 40, em Porto Alegre e falar com Aline Lindemann.
O evento tem o objetivo de capacitar graduados em nível superior das áreas da saúde para atuarem na prevenção e tratamento das dependências químicas.
Mais informações, no site www.amtepa.com.br
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
CRACK - HORA DE UNIR RESPONSABILIDADES
Gilberto Kassab, engenheiro e economista, é prefeito de São Paulo - O Estado de S.Paulo - 25/01/2012
A luta contra o crack e a discussão polêmica sobre método de internação, tratamento e recuperação de químico-dependentes estão diariamente na mídia. É assunto tão antigo quanto complexo e merece reflexão apurada.
A realidade é que o consumo do crack começou no final dos anos 1980 e em menos de 20 anos se difundiu por todo o País. É hoje grave problema de saúde pública e sério desafio para o aparato policial que tenta, na raiz do problema, conter o tráfico e a entrada da cocaína - origem do crack - no Brasil.
Trata-se de encarar uma epidemia que hoje assola cidades médias, pequenas e até a zona rural, atingindo todas as classes sociais. Assim, a atuação do Ministério da Saúde é bem-vinda. Usaremos todos os recursos oferecidos, como sempre usamos, pois esse problema só pode ser enfrentado somando esforços e verbas dos três níveis de governo.
Não é hora de apontar culpados nem de alimentar pendengas eleitoreiras. É hora, sim, de também prover de mais recursos as forças que combatem os traficantes. Mais investimento e maior concatenação de ações certamente trarão resultados ainda melhores. É hora de os protagonistas da área jurídica se debruçarem sobre os limites legais que ainda impedem internações urgentes e necessárias.
A mídia contou o drama de grávidas usuárias de crack. Identificamos na região da Luz entre 20 e 30 gestantes e sua internação ou seu tratamento exigem legislação específica... ainda não existente. A mídia foi dura, há alguns meses, quando se iniciou no País uma discussão sobre a internação compulsória de dependentes em surto e situação de risco. Temos de avançar, respeitando os direitos humanos, sim, mas criando soluções que salvem vidas.
Vejam bem, não faltam abrigos para acolher e encaminhar pessoas em situação de risco, nem vagas para os tratamentos possíveis. Sobram vagas e refeições, toda noite. E, em especial, o abrigo da Rua Prates, que será inaugurado em breve com suas 1.200 vagas e integrará no mesmo espaço atendimento social e médico especializado, nunca foi óbice para nenhuma ação conjunta de combate ao crack.
A ação policial está sendo cumprida com profissionalismo. Exageros, que podem ocorrer em situações tensas como essa, foram prontamente realinhados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado, que segue com a repressão ao tráfico. Isso é vital.
Com a ação policial, os dependentes dispersaram-se, continuam a perambular pela região. E nossos agentes continuam a abordá-los, como sempre fizeram. O que mudou foi a reação às abordagens: em dez dias conseguimos 87 internações, quando a média mensal era de 93.
O fato de a Prefeitura também estar dificultando o tráfico com demolições e limpeza de redutos, esconderijos e lacração de prédios inseguros leva os dependentes a aceitar ajuda com mais facilidade. Temos 200 agentes comunitários de saúde abordando os dependentes, criando vínculos, e já tornamos viáveis, desde 2009, 2.950 internações, sendo 2.400 relativas à dependência. As ações conjuntas do Estado e da Prefeitura na região da cracolândia (futura Nova Luz) se fortalecem desde então, com a Ação Integrada Centro Legal.
Implantamos sete unidades de saúde na região central, duas delas funcionando 24 horas, todas com estrutura para atender moradores em situação de rua, principalmente sob dependência química. Dos 72 Centros de Atenção Psicossocial em funcionamento, 22 são para dependentes. Temos também 290 vagas contratadas em comunidades terapêuticas, uma clínica própria com 80 vagas para internações breves, além de 980 leitos em hospitais psiquiátricos e gerais. Essa rede própria representa um investimento anual superior a R$ 200 milhões, 84% deles custeados exclusivamente pela Prefeitura.
Mesmo que não aplicássemos mais nada no setor, até 2014 a Prefeitura destinará na capital R$ 600 milhões. Mas os R$ 514 milhões que o Ministério da Saúde anuncia, no mesmo período, para investir em todo o Estado, certamente ajudarão.
Em meio à veiculação de tantas críticas e desinformação, é de justiça que, como prefeito, me permito ressaltar o esforço das nossas Secretarias de Saúde e de Assistência e Desenvolvimento Social. Aplaudimos o ministro Alexandre Padilha, da Saúde, que anuncia os Consultórios de Rua, e é um orgulho sermos precursores nesse serviço, com o nosso programa Saúde nas Ruas.
A pedido do ministério, uniformizaremos o nome para Consultórios de Rua. A mudança de nome não altera, ao contrário, fortalece a integração necessária para que o serviço seja expandido e prestado com maior eficiência.
Estamos confiantes, também, em que o Ministério da Saúde possa, nessa linha de ação, liderar e acelerar a discussão da política e da legislação e concretizar a construção de um consenso técnico-científico sobre o enfrentamento do crack. A Prefeitura avançou ao incluir e comprovar a importância das comunidades terapêuticas para internações de médio e longo prazos.
Continuaremos unidos com a União e o Estado nessa luta e em outras parcerias, pois é dever da autoridade pública tornar viáveis ações conjuntas que beneficiem a população. Não há mais tempo a perder, e o País ganhará ao recuperar o tempo até aqui perdido, perseguindo o objetivo maior, que é o de recuperação de brasileiros que merecem um destino maior. Erguê-los, encaminhá-los para tratamento, reencaminhá-los para a vida - esse é o desafio.
Enfim, há muito a fazer pelos químico-dependentes, para protegê-los e reincluí-los socialmente, principalmente jovens e menores abandonados pela sorte, pela família e vítimas de décadas de indefinições e infrutíferas querelas eleitoreiras, que em nada ajudam o Brasil.
A luta contra o crack e a discussão polêmica sobre método de internação, tratamento e recuperação de químico-dependentes estão diariamente na mídia. É assunto tão antigo quanto complexo e merece reflexão apurada.
A realidade é que o consumo do crack começou no final dos anos 1980 e em menos de 20 anos se difundiu por todo o País. É hoje grave problema de saúde pública e sério desafio para o aparato policial que tenta, na raiz do problema, conter o tráfico e a entrada da cocaína - origem do crack - no Brasil.
Trata-se de encarar uma epidemia que hoje assola cidades médias, pequenas e até a zona rural, atingindo todas as classes sociais. Assim, a atuação do Ministério da Saúde é bem-vinda. Usaremos todos os recursos oferecidos, como sempre usamos, pois esse problema só pode ser enfrentado somando esforços e verbas dos três níveis de governo.
Não é hora de apontar culpados nem de alimentar pendengas eleitoreiras. É hora, sim, de também prover de mais recursos as forças que combatem os traficantes. Mais investimento e maior concatenação de ações certamente trarão resultados ainda melhores. É hora de os protagonistas da área jurídica se debruçarem sobre os limites legais que ainda impedem internações urgentes e necessárias.
A mídia contou o drama de grávidas usuárias de crack. Identificamos na região da Luz entre 20 e 30 gestantes e sua internação ou seu tratamento exigem legislação específica... ainda não existente. A mídia foi dura, há alguns meses, quando se iniciou no País uma discussão sobre a internação compulsória de dependentes em surto e situação de risco. Temos de avançar, respeitando os direitos humanos, sim, mas criando soluções que salvem vidas.
Vejam bem, não faltam abrigos para acolher e encaminhar pessoas em situação de risco, nem vagas para os tratamentos possíveis. Sobram vagas e refeições, toda noite. E, em especial, o abrigo da Rua Prates, que será inaugurado em breve com suas 1.200 vagas e integrará no mesmo espaço atendimento social e médico especializado, nunca foi óbice para nenhuma ação conjunta de combate ao crack.
A ação policial está sendo cumprida com profissionalismo. Exageros, que podem ocorrer em situações tensas como essa, foram prontamente realinhados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado, que segue com a repressão ao tráfico. Isso é vital.
Com a ação policial, os dependentes dispersaram-se, continuam a perambular pela região. E nossos agentes continuam a abordá-los, como sempre fizeram. O que mudou foi a reação às abordagens: em dez dias conseguimos 87 internações, quando a média mensal era de 93.
O fato de a Prefeitura também estar dificultando o tráfico com demolições e limpeza de redutos, esconderijos e lacração de prédios inseguros leva os dependentes a aceitar ajuda com mais facilidade. Temos 200 agentes comunitários de saúde abordando os dependentes, criando vínculos, e já tornamos viáveis, desde 2009, 2.950 internações, sendo 2.400 relativas à dependência. As ações conjuntas do Estado e da Prefeitura na região da cracolândia (futura Nova Luz) se fortalecem desde então, com a Ação Integrada Centro Legal.
Implantamos sete unidades de saúde na região central, duas delas funcionando 24 horas, todas com estrutura para atender moradores em situação de rua, principalmente sob dependência química. Dos 72 Centros de Atenção Psicossocial em funcionamento, 22 são para dependentes. Temos também 290 vagas contratadas em comunidades terapêuticas, uma clínica própria com 80 vagas para internações breves, além de 980 leitos em hospitais psiquiátricos e gerais. Essa rede própria representa um investimento anual superior a R$ 200 milhões, 84% deles custeados exclusivamente pela Prefeitura.
Mesmo que não aplicássemos mais nada no setor, até 2014 a Prefeitura destinará na capital R$ 600 milhões. Mas os R$ 514 milhões que o Ministério da Saúde anuncia, no mesmo período, para investir em todo o Estado, certamente ajudarão.
Em meio à veiculação de tantas críticas e desinformação, é de justiça que, como prefeito, me permito ressaltar o esforço das nossas Secretarias de Saúde e de Assistência e Desenvolvimento Social. Aplaudimos o ministro Alexandre Padilha, da Saúde, que anuncia os Consultórios de Rua, e é um orgulho sermos precursores nesse serviço, com o nosso programa Saúde nas Ruas.
A pedido do ministério, uniformizaremos o nome para Consultórios de Rua. A mudança de nome não altera, ao contrário, fortalece a integração necessária para que o serviço seja expandido e prestado com maior eficiência.
Estamos confiantes, também, em que o Ministério da Saúde possa, nessa linha de ação, liderar e acelerar a discussão da política e da legislação e concretizar a construção de um consenso técnico-científico sobre o enfrentamento do crack. A Prefeitura avançou ao incluir e comprovar a importância das comunidades terapêuticas para internações de médio e longo prazos.
Continuaremos unidos com a União e o Estado nessa luta e em outras parcerias, pois é dever da autoridade pública tornar viáveis ações conjuntas que beneficiem a população. Não há mais tempo a perder, e o País ganhará ao recuperar o tempo até aqui perdido, perseguindo o objetivo maior, que é o de recuperação de brasileiros que merecem um destino maior. Erguê-los, encaminhá-los para tratamento, reencaminhá-los para a vida - esse é o desafio.
Enfim, há muito a fazer pelos químico-dependentes, para protegê-los e reincluí-los socialmente, principalmente jovens e menores abandonados pela sorte, pela família e vítimas de décadas de indefinições e infrutíferas querelas eleitoreiras, que em nada ajudam o Brasil.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
POLÍTICA DE DROGAS E ÁLCOOL
PAULO JB LEAL, PRESIDENTE DA OAB, SUBSEÇÃO DE SANTO ÂNGELO - ZERO HORA 24/01/2012
Estudos que vêm sendo divulgados entre nós dão conta de que a bebida alcoólica é responsável por cerca de 3,8% de todas as mortes registradas no mundo, aproximadamente 2,5 milhões de pessoas, entre as quais 320 mil jovens entre 15 e 29 anos.
No Brasil, em torno de 70% dos acidentes com mortes nas estradas ocorrem sob o efeito do álcool e custam ao país, conforme estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de R$ 25 bilhões, que são pagos por toda a sociedade (além de provocar o aumento no valor dos seguros de automóveis e graves problemas nas emergências hospitalares).
Em Santo Ângelo, segundo relatos feitos em debate público pelo delegado responsável pela 13ª Delegacia Regional de Polícia, o consumo exagerado de bebidas provoca brigas, homicídios, arruaças, desavenças familiares, havendo envolvimento do álcool em mais de 80% das ocorrências policiais.
Examinando-se esses dados, parece não haver dúvida alguma de que entre todas as drogas, lícitas e ilícitas, o álcool é a que causa maior mal à sociedade. Não obstante, conforme estudo feito em matéria veiculada pelo Sinpro – Sindicato dos Professores no Estado do Rio Grande do Sul –, em setembro de 2011, foi constatado que crianças e adolescentes estão na mira da indústria de bebidas, havendo uma clara política de promoção do consumo do álcool entre a população mais jovem do nosso país.
Em face de tudo isso, o Conselho Municipal Antidrogas de Santo Ângelo (Comad), depois de discutir e debater o assunto, entendeu não haver um único argumento que possa justificar a presença de pessoas públicas e atletas (como Mano Menezes, Dunga, Sandy, entre outros) promovendo o consumo de bebidas alcoólicas. Menos ainda associá-las à alegria e ao esporte, onde se situa a base sagrada da nossa sociedade: a juventude.
Essas são as razões pelas quais entendeu-se que devemos promover debates sobre a política de drogas do Estado brasileiro e o álcool, tendo como foco a propaganda, pois não há argumentos de natureza econômica que possam justificar o sacrifício da vida dos nossos filhos com uma prática perversa como essa.
Bem que a presidenta Dilma poderia ter coragem e aproveitar a realização da Copa do Mundo em nosso país para cobrar explicações dos dirigentes esportivos sobre as razões que os levaram a associar-se aos fabricantes de bebidas, deixando de lado a promoção da saúde e esporte para incentivar o vício.
Estudos que vêm sendo divulgados entre nós dão conta de que a bebida alcoólica é responsável por cerca de 3,8% de todas as mortes registradas no mundo, aproximadamente 2,5 milhões de pessoas, entre as quais 320 mil jovens entre 15 e 29 anos.
No Brasil, em torno de 70% dos acidentes com mortes nas estradas ocorrem sob o efeito do álcool e custam ao país, conforme estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de R$ 25 bilhões, que são pagos por toda a sociedade (além de provocar o aumento no valor dos seguros de automóveis e graves problemas nas emergências hospitalares).
Em Santo Ângelo, segundo relatos feitos em debate público pelo delegado responsável pela 13ª Delegacia Regional de Polícia, o consumo exagerado de bebidas provoca brigas, homicídios, arruaças, desavenças familiares, havendo envolvimento do álcool em mais de 80% das ocorrências policiais.
Examinando-se esses dados, parece não haver dúvida alguma de que entre todas as drogas, lícitas e ilícitas, o álcool é a que causa maior mal à sociedade. Não obstante, conforme estudo feito em matéria veiculada pelo Sinpro – Sindicato dos Professores no Estado do Rio Grande do Sul –, em setembro de 2011, foi constatado que crianças e adolescentes estão na mira da indústria de bebidas, havendo uma clara política de promoção do consumo do álcool entre a população mais jovem do nosso país.
Em face de tudo isso, o Conselho Municipal Antidrogas de Santo Ângelo (Comad), depois de discutir e debater o assunto, entendeu não haver um único argumento que possa justificar a presença de pessoas públicas e atletas (como Mano Menezes, Dunga, Sandy, entre outros) promovendo o consumo de bebidas alcoólicas. Menos ainda associá-las à alegria e ao esporte, onde se situa a base sagrada da nossa sociedade: a juventude.
Essas são as razões pelas quais entendeu-se que devemos promover debates sobre a política de drogas do Estado brasileiro e o álcool, tendo como foco a propaganda, pois não há argumentos de natureza econômica que possam justificar o sacrifício da vida dos nossos filhos com uma prática perversa como essa.
Bem que a presidenta Dilma poderia ter coragem e aproveitar a realização da Copa do Mundo em nosso país para cobrar explicações dos dirigentes esportivos sobre as razões que os levaram a associar-se aos fabricantes de bebidas, deixando de lado a promoção da saúde e esporte para incentivar o vício.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
O BRASIL NÃO ESTÁ PREPARADO PARA DESCRIMINALIZAR DROGAS
DROGAS. Wagner Giudice, diretor do Departamento de Narcóticos da Polícia Civil de São Paulo, diz que educar a população pode levar à diminuição no consumo de drogas - HUMBERTO MAIA JUNIOR, revista época, 21/01/2012 14h35
A voz grave e confiante, a postura altiva e o olhar compenetrado do delegado Wagner Giudice escondem uma verdade: Giudice é um homem pressionado e que se incomoda com as cobranças que recebe. Há um ano ele é o diretor do Denarc, o Departamento da Polícia Civil de São Paulo responsável pelo combate ao narcotráfico. “É um trabalho muito duro”, diz o delegado de 46 anos, 23 deles na polícia. “Há uma pressão terrível em cima da gente. Todo mundo acha que vamos resolver o problema das drogas.” A questão que se levanta é: o que significa “resolver o problema das drogas”? Tolerar o consumo? Liberar a compra e venda de drogas? Todas as drogas? Ou a solução é erradicar as drogas do planeta? Como? Num assunto cujo debate costuma ser polarizado por opiniões extremistas, o delegado Giudice tenta evitar radicalismos. Ele tem consciência da impossibilidade de um mundo livre de entorpecentes. Sabe que sempre haverá pessoas interessadas no uso de substâncias que alteram a consciência. Mas acha temerário liberar o uso das drogas. “É algo complicado”, diz. Por fim, admite: sendo impossível coibir esse comércio, lutar contra as drogas é um trabalho parecido com “enxugar gelo”. Mas é um trabalho que deve ser feito, afirma. “Se você não enxugar o gelo vai ficar uma poça embaixo”. Abaixo, entrevista concedida a EPOCA.
Época: Como vencer a guerra contra as drogas?
Wagner Giudice: Antes de tudo, o combate às drogas passa pela educação. Acho que todas as polícias que trabalham com combate ao narcotráfico têm essa noção. O país que mais gasta dinheiro no combate às drogas é os Estados Unidos. Mesmo assim a droga continua presente. Por isso, num primeiro momento, a educação é o primeiro passo para que a gente tenha bons resultados. Num segundo momento, aí sim entra a repressão e o que vemos hoje em dia.
Época: Combater o consumo então é o primeiro passo?
Giudice: Sim, é preciso convencer as pessoas de que as drogas fazem mal. E os resultados no curto e no longo prazos são perniciosos para o ser humano. Uma vez entendido isso, eu presumo que o consumo caia drasticamente. Caindo o consumo, o fornecedor terá menos mercado e aí facilita o combate.
Época: Mas não existe sempre uma parcela da população com tendência a transgredir regras?
Giudice: Isso é uma coisa interessante. De cada 100 pessoas que provam drogas, de 10 a 13 terão muitos problemas em abandonar o uso. A ciência não consegue explicar isso. Para algumas pessoas, o prazer do uso é maior que a vontade delas de largá-la. É o caso do crack, que tem um poder viciante muito grande. Dizem que de cada dez pessoas que provam, nove terão muita dificuldade em largar. Ele causa uma sensação de bem estar em quem usa em curtíssimo prazo e, no longo prazo, provoca efeitos devastadores na saúde do usuário.
Época: O senhor acha que o crack é mesmo uma epidemia?
Giudice: Acho que o crack é um problema muito sério. O usuário de crack rompeu muitas barreiras morais: mora na rua, se droga na rua, dorme no lixo, come comida do chão, adota a promiscuidade... o usuário de maconha, ecstasy ou cocaína se esconde em nichos e não se expõe socialmente. O usuário de crack perde essas barreiras. É uma droga tão viciante que o leva a romper barreiras morais. E aí ele fica exposto à luz do dia num processo de degradação à vista de todos. Engraçado é que as pessoas que fazem marcha pela maconha criticam o crack. Mas o traficante que fornece a droga é o mesmo. São coisas que andam juntas, não adianta dissociá-las.
Época: O senhor falou em reprimir o consumo. E qual a importância do papel da polícia?
Giudice: A polícia faz o papel da repressão. Atua para impedir que a droga alcance o consumidor. Mas vivemos um paradoxo. As legislações do mundo em geral são liberais para o usuário e demonizam o traficante. Você tem de combater o tráfico mas ser condescendente com o usuário. No Brasil hoje ele não é preso. Nem é obrigado a se tratar. O que a gente propõe é que esse usuário seja obrigado a se tratar. Seja obrigado a ter de largar droga. As legislações mais modernas do mundo vão nesse sentido.
Época: O senhor é favorável à internação compulsória?
Giudice: Eu acho que deve isso ser discutido com todos os setores da sociedade. Acho que deve haver alguma obrigação para o usuário se livrar do vício. É preciso ver a forma como isso seria feito. Por exemplo, uma pessoa que é pega pela primeira vez com drogas precisaria ser internada? Talvez o problema dela seja resolvido com uma conversa com os pais. Ou bastaria um acompanhamento ambulatorial e psicoterapias. Se ele for reincidente, aí talvez seja necessária internação compulsória. Mas isso deve ser discutido de forma ampla.
Época: Qual sua avaliação sobre as ações da Cracolândia?
Giudice: Olha, apesar das críticas que (a ação) sofreu, e é natural que sofresse – uma vez que qualquer ação seria alvo de críticas – acho que foi positiva. Por quê? Porque conseguiu debelar aquele aglomerado de gente que estava se tornando agressiva. Espalhou. “Ah, mas não prenderam ninguém”, alguém diz. A prisão de traficantes será conseqüência disso. Hoje o usuário está mais vulnerável à ação de agentes sociais. Um agente de saúde pode se aproximar com maior facilidade, porque ele não estará mais no meio de um grupo de usuários transtornados pela droga. Para o agente social ficou mais fácil a aproximação.
Época: Mas agentes sociais criticaram a ação da Polícia e dizem que o efeito foi o contrário – que o trabalho deles foi prejudicado.
Giudice: Os policiais conseguem se aproximar dos caras com maior facilidade, eles estão menos agressivos e mais propícios a conversar. Quando íamos lá, os usuários protegiam os pequenos traficantes. Era difícil agir. Agora passamos a enxergar a ação do traficante com mais clareza. Mas acho que só teremos uma leitura completa do cenário em algumas semanas.
Época: Quem apoiou a ação da PM disse que era obrigação do Estado retomar uma área degradada, tomada por usuários e traficantes.
Giudice: A Cracolândia nunca foi um lugar onde a polícia não entrasse. Tanto é verdade que no ano passado fizemos 200 flagrantes lá dentro. A Cracolândia de fato era um refúgio dos usuários. Eles se sentiam confortáveis. E quanto mais gente chegava mais difícil era a ação policial. A gente sofreu muitos ataques por parte deles. De qualquer modo, a sensação para quem passava lá era muito ruim. Era algo horrível em todos os aspectos – estético, de higiene e de humanidade. Era questão de tempo acontecer uma coisa dessas. Eu estou vendo isso há um ano, quando vim para cá. Usuários são muito resistentes em sair de lá. É um negócio impressionante. A PM vai lá com um aparato forte, e eles insistem em voltar. Vai levar uns dias para eles entenderem que não poderão mais voltar para lá. Essa é a verdade. Vivemos o começo do fim da Cracolândia.
Época: É inevitável?
Giudice: Não vai voltar. O Estado não vai permitir. Seria uma derrota deixar que aquilo volte. Agora, a ação pode gerar efeitos colaterais, como a migração para outras áreas da cidade. Cabe a nós da polícia evitar que isso aconteça. E aí quem sabe ocorra um uso mais discreto, dentro de casas, hotéis. Pode ser que a gente chegue nisso.
Época: Mas o Estado não tem de oferecer tratamento aos usuários?
Giudice: O Estado tem de dar isso. Opção de internação. É importante a polícia debelar e o Estado dar oportunidade de tratamento. O jogo está em equilibrar isso.
Época: O Brasil não dá muita ênfase à questão policial no combate às drogas?
Giudice: Eu sou policial por formação é, por isso, fui levado a pensar mais nesse aspecto. Mas é preciso subir no topo da pirâmide e enxergar tudo que tem em volta. O uso de crack é reflexo de um problema social. Compete a todos nós darmos a nossa contribuição. A polícia e todas as áreas. O que não pode é engolir legislação que é feita por meia dúzia que têm pouco conhecimento do assunto e a polícia que se vire para aplicar essa lei.
Época: De que legislação o senhor está falando?
Giudice: A legislação repressiva da droga. Tem de ter a parte de repressão, mas e a parte do usuário? Escrever (na lei) que tem de ser tratado, mas como? Só escrever? E o aparato para tratar dessa gente? Isso tem de ser seriamente tratado. A legislação não pode ser casuística, tem de ter base objetiva para que a gente possa tratar essas pessoas.
Época: O senhor acha que a polícia está preparada para lidar com o usuário?
Giudice: Não. Acho que o usuário é um capítulo a parte nessa história. Ele tem completa ojeriza pela polícia. Anualmente recebemos no Denarc de 400 a 500 encaminhamentos de usuários. Muitos chegam trazidos pelos pais e amigos e acham que a polícia vai ser agressiva, vai maltratar, bater, vai acontecer. O próprio usuário tem muito problema com a polícia. Por isso temos de fazer uma aproximação com o usuário.
Época: Mas o policial não é, muitas vezes, truculento com usuários?
Giudice: Eu acho que é cultural. Por mais que você trate o usuário dentro da lei ele ainda se sente agredido. Ele acha que tem o direito de usar e que a polícia não pode se intrometer na vida dele.
Época: Quando eu perguntei se a polícia está preparada para lidar com o usuário, o senhor disse que não. Não está preparada em que sentido?
Giudice: De fazer essa aproximação com o usuário e convencê-lo a se tratar. Agora, truculência é um problema de cada policial. Tem cara (policial) que gosta de bater nos outros, tem cara que não gosta. Vou te contar um caso que aconteceu na semana passada, na sexta-feira. Pegamos um sujeito, um usuário que se tornou microtraficante. Enquanto era feito um laudo, ele dormiu numa cadeira, num canto da delegacia. Umas três horas depois, quando o laudo de constatação da droga ficou pronto, ele acordou. Um pessoal daqui da delegacia tinha comprado pão, queijo, presunto, refrigerante para um lanche da tarde. Ofereceram para ele. Ele comeu quatro sanduíches. Depois comeu bolo, doce, tudo que tinha na delegacia. Quando chegou a hora de enviá-lo ao presídio, ele pediu para ficar aqui, disse que fazia muito tempo que não era bem tratado. Ele até se ofereceu para ajudar em alguma coisa. Por quê? Ele viu que não fomos agressivos com ele. Dificilmente tem algum tipo de violência contra usuário aqui no Denarc. Já houve no passado.
Época: Mas o policial, de modo geral, não trata o usuário como um vagabundo?
Giudice: Principalmente os mais antigos. Os mais novos tem uma educação mais humanista.
Época: O jornalista italiano Roberto Saviano escreveu no livro A Beleza e o Inferno que a “cocaína era o produto de mais sucesso da história do capitalismo”. O senhor concorda?
Giudice: É um caso a se pensar, heim? (Risos) É uma frase forte. Pode ser. Dificilmente alguém vai defender a cocaína em público, mas ela tem um glamour inegável na alta sociedade. Tudo isso contribui para que ela continue sendo usada. A cultura ocidental se adaptou à cocaína de uma maneira muito forte. É algo impressionante.
Época: Se sempre existem pessoas interessadas em usar drogas e pessoas querendo vendê-las, acha possível realmente um mundo livre de drogas?
Giudice: Debelar completamente, não, mas é possível diminuir muito a incidência.
Época: O que o senhor considera um sucesso na luta contras as drogas?
Giudice: Diminuir de maneira muito drástica as conseqüências do uso de drogas – usuário largar a família, estudo, trabalho, morrer...
Época: E o tráfico?
Giudice: Além de vender o produto causador desses problemas, ele traz a violência: extermínio do usuário que não paga, matar o concorrente, cometer outros crimes seqüestro, roubo a banco, roubo a carro, residência, enfim... formas de não ficar descapitalizado caso a polícia faça uma grande apreensão de droga. O efeito das drogas não se restringe a destruir vidas de usuários. Tem um corolário de violência que traz com ele.
Época: Se a polícia prende o pequeno traficante, logo esse espaço será ocupado por outra pessoa. Se prender um grande “barão do tráfico”, outro vai assumir o espaço deixado. Dessa forma, o trabalho da polícia não é como enxugar gelo?
Giudice: É, mas se você não enxugar o gelo vai ficar uma poça embaixo, né ? (risos). Sem dúvida, é um trabalho que às vezes você se questiona muito. Mas é um trabalho que precisa ser feito. E constantemente. Eu trabalhei dez anos na Delegacia Anti Seqüestro. Conseguimos baixar o número de 300 para 30. No Narcotráfico você nunca tem a exata noção de onde você está. Você tem sensação, mas nunca exata noção. Quem pode dizer o quanto de droga rola no mundo? Só temos estimativas de estimativas. Quando você apreende muitas toneladas de droga, o que significa? Que você está fazendo um bom trabalho ou que há uma quantidade absurda de droga? E quando você apreende pouco? É que tem pouca droga no mercado ou você está sendo pouco eficiente? É um paradoxo. A gente trabalha assim: estima-se a quantidade produzida de droga e compara com a quantidade apreendida. Mas nunca dá para ter certeza de nada.
Época: Como funciona o tráfico em São Paulo?
Giudice: O Brasil não produz droga. E a cocaína que chega a São Paulo vem da Bolívia – 80% da produção boliviana vem para o Brasil. Estima-se que eles produzam 115 toneladas de droga por ano. Tem brasileiro que domina a produção, que é exportada para cá. A maior parte da droga entra de caminhão pelo oeste do Estado. Pouca coisa em pequenos aviões. Hoje os traficantes não transportam grandes quantidades. Não passa de 50 kg ou 60kg. Porque, se houver intervenção policial a perda é menor. Em São Paulo, eles transformam a cocaína, que vem em pasta, para ser vendida no varejo. Nesses pequenos laboratórios, o sujeito embala, repassa para um terceiro, que vende na rua. O negócio é muito dissolvido. E tem gente insuspeita que investe no negócio. Gente que conhece o traficante que faz o transporte. É um lucro gigantesco.
Época: É pulverizado.
Giudice: Muito pulverizado, muito espalhado. A gente fez muitas ações na Cracolândia no ano passado. Eu achava que havia um grande barão atuando por lá. Uma mentira. Num laboratório da periferia tem um dono. Em outro laboratório, outro dono. Todos são fornecedores. Há poucos dias prendemos um garoto de 19 anos que preparava droga.
Época: Essa pulverização dificulta do trabalho da polícia?
Giudice: É difícil para a gente. Todo dia uma novidade, tem de mapear da melhor forma que puder.
Época: A sociedade reclama que a polícia só prende pequenos traficantes. Por que não prende os grandes traficantes?
Giudice: Chegar nesses sujeitos demanda tempo, eles são muito bem protegidos e a legislação não facilita o nosso trabalho.
Época: Como assim?
Giudice: Para chegar nesse sujeito você precisa abrir tantos sigilos bancários, telefônicos.. há muita resistência para isso. A legislação, que garante direitos individuais, acaba impedindo o trabalho. Mesmo a Polícia Federal, atuando na fronteira, tem dificuldade... A legislação facilita o trabalho em quem coloca a mão na droga. A associação com o tráfico é tênue e difícil de ser provada. Mas já não estamos na época do Pablo Escolar ou Scar Face. Hoje em dia há muitos pequenos e médios traficantes. Mas é muito dinheiro e tem muita gente disposta a se arriscar por ele.
" Não existe Cracolândia apenas em São Paulo, existe no Brasil inteiro e mundo."
Época: Em grandes cidades do mundo o consumo de drogas é maior que em metrópoles brasileiras, mas o tráfico não é tão violento e o consumo é mais discreto.
Giudice: Não existe Cracolândia apenas em São Paulo, existe no Brasil inteiro e mundo. Na década de 90, havia uma Cracolândia igual ou pior à nossa em Nova York. Com ações sociais e policiais, hoje não existe mais. O Brasil vai enfrentar os problemas que São Paulo está enfrentando.
Época: No Brasil a questão das drogas não saiu do controle? A sensação de insegurança que o tráfico provoca na população não é maior aqui do que em outros países?
Giudice: Os lugares mais pobres do Brasil são muito sensíveis à ação desses criminosos. Favelas são pontos usados pelos traficantes se esconderem e distribuírem droga. A própria configuração das nossas cidades propicia isso – as favelas no Rio, a periferias em São Paulo. Somado a isso têm a falta de educação, de saúde... é um caldeirão que propicia a ação mais ostensiva de traficantes armados, querendo mostrar um poder paralelo.
Época: O Senhor é favorável à descriminalização das drogas?
Giudice: Não.
Época: Por quê?
Época: Não estamos preparados. Não temos cultura para isso. Primeiro, o sujeito tem de estar muito ciente do que está fazendo. Um povo desamparado e mal educado não pode estar à mercê da droga. Ele tem de ter possibilidade de escolha, mas escolha estudada.
Época: Como assim?
Giudice: O Brasil é um país de iletrados. Quem lê não entende...Qual poder de escolha dessa pessoa? Vai ser uma vítima do uso da droga. Ele sabe que é errado (uso de drogas) e só isso. Mas por que é errado, os efeitos da droga em que usa, não sabe.
Época: O que o senhor acha que poderia acontecer se o Brasil aprovasse a descriminalização do uso?
Giudice: Eu não consigo imaginar. Acho que, num primeiro momento, teríamos um consumo desenfreado. E quem venderia a droga? Isso me preocupa muito. Por isso eu digo, que é algo complicado. Quem vai controlar a droga?
TRÁFICO E CLASSE MÉDIA
Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação, é professor de Ética e diretor do Master em Jornalismo. E-mail: difranco@iics.org.br - O Estado de S.Paulo, 23/01/2012
Engana-se quem pensa que tráfico de drogas é exclusividade dos morros e das favelas. Operações policiais, com frequência preocupante, prendem jovens de classe média vendendo ecstasy, LSD, cocaína, maconha... Segundo a polícia, eles fazem a ligação entre os traficantes e os vendedores de drogas no ambiente universitário.
Crise da família, aposta na impunidade, ganho fácil e consumo garantido explicam o novo mapa do tráfico de entorpecentes. O tráfico oferece a perspectiva do ganho fácil e do consumo assegurado. E a sensação de impunidade - rico não vai para a cadeia - completa o silogismo da juventude delinquente.
O envolvimento com o tráfico de drogas bate às portas das casas dos bairros de classe média. Mostra a sua garra aos que se julgavam imunes ao seu apelo e ensombrece a alma das famílias que sucumbem ao drama da delinquência insuspeitada.
Não é de hoje que vemos jovens de classe média e média alta no noticiário policial. Crimes, vandalismo, espancamento de prostitutas, incineração de mendigos, consumo e tráfico de drogas despertam indignação e perplexidade. O novo mapa do crime transita nos bares badalados, vive nos condomínios fechados, estuda em colégios e universidades da moda e desfibra o caráter no pântano de um consumismo sem-fim.
A delinquência bem-nascida mobiliza policiais, pais, psicólogos e inúmeros especialistas. O fenômeno, aparentemente surpreendente, é o reflexo de uma cachoeira de equívocos e de uma montanha de omissões. Esse novo perfil da delinquência é o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva e de setores do negócio do entretenimento que se empenham em apagar qualquer vestígio de normas ou valores.
Os pais da geração transgressora, em geral, têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão. É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá, então, quando vende. O que não se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.
Alguns pais não suportam ser incomodados pelas necessidades dos filhos. Educar dá trabalho. E nem todos estão dispostos a assumir as consequências da paternidade. Tentam, então, suprir o vazio afetivo com mesadas, carros e outros presentes. Erro mortal. A demissão do exercício da paternidade sempre acaba apresentando sua fatura. A omissão da família está se traduzindo no assustador aumento da delinquência infanto-juvenil e no comprometimento, talvez irreversível, de parcelas significativas da nova geração.
Não é difícil imaginar em que ambiente afetivo terão crescido os integrantes do tráfico bem-nascido. Artigos, crônicas e debates tentam explicar o fenômeno. Fala-se de tudo, menos do óbvio: a brutal crise que maltrata a instituição familiar. É preciso ter a coragem de fazer o diagnóstico, senão assistiremos a uma espiral de violência. É só uma questão de tempo.
Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações para os desvios comportamentais nos meandros das patologias. Podem ter razão. Mas nem sempre. Independentemente de eventuais problemas psíquicos, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: desumanização das relações familiares. A delinquência, o último estágio da fratura social, é, na grande maioria das vezes, o epílogo da falência da família.
Teorias politicamente corretas no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram a opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um perverso resultado. Uma legião de desajustados e de delinquentes, criada à sombra do dogma da tolerância, está mostrando as suas garras.
Gastou-se muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O saldo é toda uma geração desorientada e vazia. A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de infratores e criminosos. A formação do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É pena que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio: é preciso saber dizer não!
Impõe-se um choque de bom senso. O erro, independentemente dos argumentos da psicologia da tolerância, deve ser condenado e punido. Chegou para todos, sobretudo para os que temos uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública, a hora da verdade. É necessário ter a coragem de dar nome aos bois. Caso contrário, a delinquência enlouquecida será uma trágica rotina. Colheremos, indefesos, o amargo fruto que a nossa omissão ajudou a semear.
A irresponsabilidade pragmática de alguns setores do negócio do entretenimento fecha o triângulo da delinquência bem-nascida. A exaltação do sucesso sem limites éticos, desvios de comportamento e a consagração da impunidade, roteiros de algumas novelas e programas de TV, têm colaborado para o crescimento da deformação do caráter. Apoiados numa leitura equivocada do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas de TV exploram as paixões humanas. Ao subestimarem a influência negativa da violência ficcional, levam adolescentes ao delírio em shows e programas que promovem uma sucessão de quadros desumanizadores e humilhantes.
Como já escrevi neste espaço opinativo, recuperação da família, educação da vontade, combate à impunidade e entretenimento de qualidade compõem a melhor receita para uma democracia civilizada.
Engana-se quem pensa que tráfico de drogas é exclusividade dos morros e das favelas. Operações policiais, com frequência preocupante, prendem jovens de classe média vendendo ecstasy, LSD, cocaína, maconha... Segundo a polícia, eles fazem a ligação entre os traficantes e os vendedores de drogas no ambiente universitário.
Crise da família, aposta na impunidade, ganho fácil e consumo garantido explicam o novo mapa do tráfico de entorpecentes. O tráfico oferece a perspectiva do ganho fácil e do consumo assegurado. E a sensação de impunidade - rico não vai para a cadeia - completa o silogismo da juventude delinquente.
O envolvimento com o tráfico de drogas bate às portas das casas dos bairros de classe média. Mostra a sua garra aos que se julgavam imunes ao seu apelo e ensombrece a alma das famílias que sucumbem ao drama da delinquência insuspeitada.
Não é de hoje que vemos jovens de classe média e média alta no noticiário policial. Crimes, vandalismo, espancamento de prostitutas, incineração de mendigos, consumo e tráfico de drogas despertam indignação e perplexidade. O novo mapa do crime transita nos bares badalados, vive nos condomínios fechados, estuda em colégios e universidades da moda e desfibra o caráter no pântano de um consumismo sem-fim.
A delinquência bem-nascida mobiliza policiais, pais, psicólogos e inúmeros especialistas. O fenômeno, aparentemente surpreendente, é o reflexo de uma cachoeira de equívocos e de uma montanha de omissões. Esse novo perfil da delinquência é o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva e de setores do negócio do entretenimento que se empenham em apagar qualquer vestígio de normas ou valores.
Os pais da geração transgressora, em geral, têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão. É comum que as pessoas se sintam atônitas quando descobrem que um filho consome drogas. Que dirá, então, quando vende. O que não se diz, no entanto, é que muitos lares se transformaram em pensões anônimas e vazias. Há, talvez, encontros casuais, mas não há família. O delito não é apenas o reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais.
Alguns pais não suportam ser incomodados pelas necessidades dos filhos. Educar dá trabalho. E nem todos estão dispostos a assumir as consequências da paternidade. Tentam, então, suprir o vazio afetivo com mesadas, carros e outros presentes. Erro mortal. A demissão do exercício da paternidade sempre acaba apresentando sua fatura. A omissão da família está se traduzindo no assustador aumento da delinquência infanto-juvenil e no comprometimento, talvez irreversível, de parcelas significativas da nova geração.
Não é difícil imaginar em que ambiente afetivo terão crescido os integrantes do tráfico bem-nascido. Artigos, crônicas e debates tentam explicar o fenômeno. Fala-se de tudo, menos do óbvio: a brutal crise que maltrata a instituição familiar. É preciso ter a coragem de fazer o diagnóstico, senão assistiremos a uma espiral de violência. É só uma questão de tempo.
Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações para os desvios comportamentais nos meandros das patologias. Podem ter razão. Mas nem sempre. Independentemente de eventuais problemas psíquicos, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: desumanização das relações familiares. A delinquência, o último estágio da fratura social, é, na grande maioria das vezes, o epílogo da falência da família.
Teorias politicamente corretas no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram a opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um perverso resultado. Uma legião de desajustados e de delinquentes, criada à sombra do dogma da tolerância, está mostrando as suas garras.
Gastou-se muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O saldo é toda uma geração desorientada e vazia. A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de infratores e criminosos. A formação do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É pena que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio: é preciso saber dizer não!
Impõe-se um choque de bom senso. O erro, independentemente dos argumentos da psicologia da tolerância, deve ser condenado e punido. Chegou para todos, sobretudo para os que temos uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública, a hora da verdade. É necessário ter a coragem de dar nome aos bois. Caso contrário, a delinquência enlouquecida será uma trágica rotina. Colheremos, indefesos, o amargo fruto que a nossa omissão ajudou a semear.
A irresponsabilidade pragmática de alguns setores do negócio do entretenimento fecha o triângulo da delinquência bem-nascida. A exaltação do sucesso sem limites éticos, desvios de comportamento e a consagração da impunidade, roteiros de algumas novelas e programas de TV, têm colaborado para o crescimento da deformação do caráter. Apoiados numa leitura equivocada do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas de TV exploram as paixões humanas. Ao subestimarem a influência negativa da violência ficcional, levam adolescentes ao delírio em shows e programas que promovem uma sucessão de quadros desumanizadores e humilhantes.
Como já escrevi neste espaço opinativo, recuperação da família, educação da vontade, combate à impunidade e entretenimento de qualidade compõem a melhor receita para uma democracia civilizada.
COM GENTE É DIFERENTE
Antonio Mourão Cavalcante - O Estado de S.Paulo - 23/01/2012
A sociedade continua muito preocupada com o problema das drogas. A mídia estampa a clamorosa situação. O problema manifesta-se pelo abuso do consumo e por suas consequências físicas e psíquicas. E também pelas atrocidades que o tráfico suscita: as guerras de traficantes pela ocupação de territórios de venda e os acintosos ajustes de contas com consumidores em débito - condenados à morte. Forma-se, então, esse caldo de violência, com um cortejo de medo, dor e desilusão das famílias atingidas. O que fazer?
A discussão acalorada sobre a internação compulsória de usuários de crack, como desejam alguns administradores públicos, revela total desconhecimento dessa temática. E uma maneira desabusada, arrogante e autoritária de encarar o assunto. Prende. Enquadra. Interna. Faz "isso" desaparecer da nossa frente. Pega mal para uma administração aceitar que exista um espaço público ocupado por "essa gente". Há até designação específica: cracolândia.
Proponho que a reflexão seja feita de forma inversa, de trás para a frente. Tendo sido internadas, mesmo sem desejá-lo, o que se pretende fazer com essas criaturas? Qual é a natureza dessa intervenção? Qual o propósito desse procedimento?
Ora, todos os estudos existentes sobre o assunto convergem para alguns pontos preocupantes: se o objetivo da internação é a cura - parar de usar a droga -, os resultados têm sido pífios, quase nulos. Durante a permanência é possível que haja redução e mesmo suspensão do uso. Porém, quando do regresso ao mesmo meio social, com as mesmas convergências históricas e pessoais - família desagregada, sem vínculos, sem escolaridade, sem profissionalização, sem motivação para esse mundo de competição em que vivemos -, logo serão presas fáceis e o retorno é inevitável.
Digamos que, por toque mágico e/ou milagroso, se dê uma ocorrência mais intensa que vire o desejo do jovem. Algo como: agora ele quer se tratar, quer "virar gente", reconstruir a vida. Onde encontrar pessoal qualificado, profissionais treinados para acompanhar esses milhares de clientes? Qual a instituição, no País, que hoje prepara esses profissionais? Psiquiatras, por exemplo, estão agora mais voltados para a prescrição de psicofármacos do que "perder tempo em conversa com pacientes". Quem conduzirá essa "viagem" de volta? Não temos estruturas minimamente suficientes para enfrentar o desafio. E, nesse caso, a improvisação beira o desatino como política pública. Ávidos por verbas fáceis, alguns municípios apresentarão projetos mirabolantes. Lembro que drogado não é lixo que se recolhe e joga num aterro sanitário, para que lá apodreça. Hoje, no Brasil, são raras as clínicas que merecem esse nome...
Mesmo no momento da abordagem inicial, qual/quem é a equipe que avalia? Se cada caso é um caso, será extremamente oneroso e complexo fazer uma triagem de forma sensata e tecnicamente correta.
É importante mencionar, ainda, que nem todo usuário de drogas precisa ser hospitalizado. Existem gradações e abordagens diferenciadas, conforme o nível da adicção. Fala-se apenas em internação. Erro grave! Os centros de atendimento ambulatorial, as casas protegidas, enfim, uma série de outras medidas são muito mais eficazes. O importante é a noção de rede assistencial.
Ademais, um usuário de crack não é apenas um usuário de crack. É um ser humano integral. Dotado de todas as vicissitudes como qualquer um de nós. O que pode até aliviar nossa preocupação: um usuário de crack não se resume a usar/não usar drogas. Sua problemática não consiste unicamente em deixar de consumir. Ele traz uma história, uma família, amores, frustrações e crimes como qualquer cidadão que mora ali ou em qualquer zona nobre do País.
Devo assinalar, contrariamente ao que pensam nossos doutos administradores, que até hoje as políticas mais bem-sucedidas - em todo o mundo - foram as que focaram o problema em termos de prevenção. Os trabalhos mais proveitosos foram voltados para dois pontos essenciais: fortalecimento da família e melhoria da educação. Os pais precisam ser mais valorizados, somente com a família se é capaz de conseguir algum resultado. O Estado não pode, jamais, substituir o papel de um pai e de uma mãe. E a escola é uma caricatura se não se faz em tempo integral. Lugar de menino é em casa ou na escola.
Agora, essas questões precisam ser tocadas como prioridade. Nada é tão importante quanto investir maciçamente em educação. Há que convocar todos - esforço nacional - para que as famílias sejam ajudadas e as escolas funcionem como escolas. Nada é mais prioritário do que formar a nossa juventude dentro de princípios e valores democráticos, de solidariedade, honestidade e justiça. Ela precisa de sonhos e de ser confrontada com desafios. Algo que o poeta Belchior cantava nos anos 1970: A minha alucinação é suportar o dia a dia/ E meu delírio é a experiência com coisas reais. Qual é mesmo o futuro que desejamos para nossos filhos?
Não nego a necessidade da repressão nem o apoio por meio de uma rede de tratamento. São ações complementares, enxugando o prejuízo. E o tratamento raramente deve consistir em internação. Aliás, qualquer que seja a abordagem, os resultados são decepcionantes.
Trata-se, portanto, de uma tarefa que não pode ser entregue a amadores nem a apressados administradores ávidos por mostrar serviço. Não podem sair às ruas como se convoca uma operação de garis ao fim de uma festa coletiva, com sacos e camburões para recolher o lixo deixado.
Em termos concretos, a cracolândia não é um problema unicamente para passar a borracha, mas existe para nos questionar. Está na hora de pensarmos que com gente a coisa é diferente.
*Doutor em Psiquiatria pela Universidade Católica de Louvain e em Antropologia pela Universidade de Lyon, professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, é autor do livro 'Drogas, Esse Barato Sai Caro' (Ed. Record)
A sociedade continua muito preocupada com o problema das drogas. A mídia estampa a clamorosa situação. O problema manifesta-se pelo abuso do consumo e por suas consequências físicas e psíquicas. E também pelas atrocidades que o tráfico suscita: as guerras de traficantes pela ocupação de territórios de venda e os acintosos ajustes de contas com consumidores em débito - condenados à morte. Forma-se, então, esse caldo de violência, com um cortejo de medo, dor e desilusão das famílias atingidas. O que fazer?
A discussão acalorada sobre a internação compulsória de usuários de crack, como desejam alguns administradores públicos, revela total desconhecimento dessa temática. E uma maneira desabusada, arrogante e autoritária de encarar o assunto. Prende. Enquadra. Interna. Faz "isso" desaparecer da nossa frente. Pega mal para uma administração aceitar que exista um espaço público ocupado por "essa gente". Há até designação específica: cracolândia.
Proponho que a reflexão seja feita de forma inversa, de trás para a frente. Tendo sido internadas, mesmo sem desejá-lo, o que se pretende fazer com essas criaturas? Qual é a natureza dessa intervenção? Qual o propósito desse procedimento?
Ora, todos os estudos existentes sobre o assunto convergem para alguns pontos preocupantes: se o objetivo da internação é a cura - parar de usar a droga -, os resultados têm sido pífios, quase nulos. Durante a permanência é possível que haja redução e mesmo suspensão do uso. Porém, quando do regresso ao mesmo meio social, com as mesmas convergências históricas e pessoais - família desagregada, sem vínculos, sem escolaridade, sem profissionalização, sem motivação para esse mundo de competição em que vivemos -, logo serão presas fáceis e o retorno é inevitável.
Digamos que, por toque mágico e/ou milagroso, se dê uma ocorrência mais intensa que vire o desejo do jovem. Algo como: agora ele quer se tratar, quer "virar gente", reconstruir a vida. Onde encontrar pessoal qualificado, profissionais treinados para acompanhar esses milhares de clientes? Qual a instituição, no País, que hoje prepara esses profissionais? Psiquiatras, por exemplo, estão agora mais voltados para a prescrição de psicofármacos do que "perder tempo em conversa com pacientes". Quem conduzirá essa "viagem" de volta? Não temos estruturas minimamente suficientes para enfrentar o desafio. E, nesse caso, a improvisação beira o desatino como política pública. Ávidos por verbas fáceis, alguns municípios apresentarão projetos mirabolantes. Lembro que drogado não é lixo que se recolhe e joga num aterro sanitário, para que lá apodreça. Hoje, no Brasil, são raras as clínicas que merecem esse nome...
Mesmo no momento da abordagem inicial, qual/quem é a equipe que avalia? Se cada caso é um caso, será extremamente oneroso e complexo fazer uma triagem de forma sensata e tecnicamente correta.
É importante mencionar, ainda, que nem todo usuário de drogas precisa ser hospitalizado. Existem gradações e abordagens diferenciadas, conforme o nível da adicção. Fala-se apenas em internação. Erro grave! Os centros de atendimento ambulatorial, as casas protegidas, enfim, uma série de outras medidas são muito mais eficazes. O importante é a noção de rede assistencial.
Ademais, um usuário de crack não é apenas um usuário de crack. É um ser humano integral. Dotado de todas as vicissitudes como qualquer um de nós. O que pode até aliviar nossa preocupação: um usuário de crack não se resume a usar/não usar drogas. Sua problemática não consiste unicamente em deixar de consumir. Ele traz uma história, uma família, amores, frustrações e crimes como qualquer cidadão que mora ali ou em qualquer zona nobre do País.
Devo assinalar, contrariamente ao que pensam nossos doutos administradores, que até hoje as políticas mais bem-sucedidas - em todo o mundo - foram as que focaram o problema em termos de prevenção. Os trabalhos mais proveitosos foram voltados para dois pontos essenciais: fortalecimento da família e melhoria da educação. Os pais precisam ser mais valorizados, somente com a família se é capaz de conseguir algum resultado. O Estado não pode, jamais, substituir o papel de um pai e de uma mãe. E a escola é uma caricatura se não se faz em tempo integral. Lugar de menino é em casa ou na escola.
Agora, essas questões precisam ser tocadas como prioridade. Nada é tão importante quanto investir maciçamente em educação. Há que convocar todos - esforço nacional - para que as famílias sejam ajudadas e as escolas funcionem como escolas. Nada é mais prioritário do que formar a nossa juventude dentro de princípios e valores democráticos, de solidariedade, honestidade e justiça. Ela precisa de sonhos e de ser confrontada com desafios. Algo que o poeta Belchior cantava nos anos 1970: A minha alucinação é suportar o dia a dia/ E meu delírio é a experiência com coisas reais. Qual é mesmo o futuro que desejamos para nossos filhos?
Não nego a necessidade da repressão nem o apoio por meio de uma rede de tratamento. São ações complementares, enxugando o prejuízo. E o tratamento raramente deve consistir em internação. Aliás, qualquer que seja a abordagem, os resultados são decepcionantes.
Trata-se, portanto, de uma tarefa que não pode ser entregue a amadores nem a apressados administradores ávidos por mostrar serviço. Não podem sair às ruas como se convoca uma operação de garis ao fim de uma festa coletiva, com sacos e camburões para recolher o lixo deixado.
Em termos concretos, a cracolândia não é um problema unicamente para passar a borracha, mas existe para nos questionar. Está na hora de pensarmos que com gente a coisa é diferente.
*Doutor em Psiquiatria pela Universidade Católica de Louvain e em Antropologia pela Universidade de Lyon, professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, é autor do livro 'Drogas, Esse Barato Sai Caro' (Ed. Record)
domingo, 22 de janeiro de 2012
INTERNADOS A FORÇA
Pelo menos dois usuários de drogas são internados à força por dia em SP. Número pode ser maior, porque nem sempre o Ministério Público - responsável pela compilação dos dados - é notificado da internação - 21 de janeiro de 2012 | 14h 06. Adriana Ferraz - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Enquanto se discute na esfera judicial se a internação compulsória de viciados em crack é válida ou não, pelo menos 5.103 dependentes desta e de outras drogas foram internados de forma involuntária em São Paulo nos últimos oito anos. Na média, são quase dois por dia. Levantamento inédito obtido pelo Estado revela que, contando outras doenças psiquiátricas, esse número pula para 32.719 casos.
A maior parte dos pacientes involuntários apresenta diagnóstico de psicose, esquizofrenia e dependência química provocada por álcool e drogas - doenças diretamente associadas, segundo especialistas, que somam mais de 20 mil casos. Na lista, há relatos de transtornos causados por crack, cocaína, heroína e maconha entre usuários de até 60 anos, incluindo adolescentes.
Os dados são do Ministério Público Estadual, que deve ser notificado quando a internação involuntária ocorre mediante aprovação da família em um prazo máximo de 72 horas. A regra vale para qualquer diagnóstico, relacionado ou não ao uso de álcool e drogas.
Apesar de polêmica, a medida é considerada legal em todo o País desde abril de 2001, a partir da publicação da Lei 10.216, que permite que parentes de sangue optem pelo tratamento mesmo sem consentimento do paciente. A legalidade da internação, no entanto, depende da apresentação de um laudo médico, assinado por um psiquiatra.
A exigência médica - aliada à regra que proíbe que o tratamento involuntário seja solicitado por maridos e mulheres - promove, segundo representantes do Ministério Público, uma subnotificação, especialmente entre pacientes com alto poder aquisitivo, que podem pagar clínicas particulares.
Responsável pelo controle dos dados, o promotor de Justiça Mário Coimbra afirma que um número muito maior de pessoas passa ou já passou por internações contra vontade na capital e em outras cidades do Estado. "Isso ocorre porque as clínicas clandestinas que afirmam tratar dependentes químicos se proliferam no Estado. Elas não fazem a notificação obrigatória quando recebem um paciente internado de forma involuntária porque são irregulares, não têm estrutura física ou médica e, muitas vezes, nem tratamento oferecem", diz Coimbra, que coordena o Centro de Apoio Operacional (CAO) Cível e de Tutela Coletiva da Saúde Pública.
Debate. O promotor defende a criação de uma legislação específica que regule o trabalho dessas instituições, a fim de evitar que familiares se iludam com propagandas enganosas e pacientes sejam maltratados durante a internação. "Temos de promover uma ampla discussão sobre o tema, que determine novas condições de fiscalização. O Ministério Público não tem como atuar sozinho", afirma Coimbra.
sábado, 21 de janeiro de 2012
CONVERSA FIADA
WANDERLEY SOARES, REDE PAMPA, O SUL
Porto Alegre, Sábado, 21 de Janeiro de 2012.
Fora algum detalhe fosforescente no discurso, não é possível detectar algo de concreto nas fanfarras de combate ao crack.
A tal ação do governo federal contra o crack, através do Ministério da Justiça, que terá uma espécie de plano piloto em Porto Alegre, por enquanto, salvo se ocorrer uma grande reviravolta, está no campo da conversa fiada. Nenhuma data marcada, nenhum norte definido, nenhum encontro determinado, pouquíssimos nomes apontados e entre eles nenhum especialista renomado no assunto. Enfim, ausência total de organograma.
O valor previsto para o Estado no orçamento de 2012 para o combate às drogas é de R$ 42 milhões, ou seja, pouco mais do pacote de dinheiro que, há alguns meses, antes do governo Tarso Genro, evaporou misteriosamente dos cofres do Detran gaúcho. Coisa pouca, portanto.
Independente desta nebulosidade, aqui da minha torre insisto na estranheza diante do fato de o governo ter deixado a Secretaria da Educação de fora do grupo que montará o Plano Estadual de Combate ao Crack. Professores, alunos, funcionários e mesmo os pais da rede escolar estão constantemente sendo cercados, ameaçados e agredidos por traficantes e seus agentes. Escolas são saqueadas por traficantes e consumidores de drogas. Agora, no momento da discussão e montagem de um plano, até mesmo da conversa fiada a pasta da Educação foi alijada. Muito estranho.
Barbárie
A mulher de 64 anos, identificada como Regina Maria Antonazzi, assassinada em sua casa, na avenida Rio Grande, Centro de Imbé, possivelmente foi vítima de latrocínio. O corpo de Regina foi encontrado na cama com uma corda no pescoço e os pés e mãos amarrados.
Tráfico
Numa operação noturna, o Denarc prendeu um traficante chamado no Território da Paz da Restinga. Foi apreendido um carro além de crack, cocaína, eletrônicos. Em São Martinho, Noroeste do RS, quatro pessoas foram presas com 150 quilos de maconha. A Brigada Militar acredita que a droga entrou no Estado pela fronteira com a Argentina.
Cacos
Continua viva a discriminação no CVMI/BM (Corpo Voluntário de Militares Inativos da Brigada Militar). Alguns ganham diária de viagem, outros não. Há os felizardos que são contemplados com diárias na Operação Golfinho. Para os que não têm privilégios ficam com o vexaminoso salário de R$ 519,00. Esses voluntários são tratados pelo Comando-Geral da corporação como cacos da reserva.
Porto Alegre, Sábado, 21 de Janeiro de 2012.
Fora algum detalhe fosforescente no discurso, não é possível detectar algo de concreto nas fanfarras de combate ao crack.
A tal ação do governo federal contra o crack, através do Ministério da Justiça, que terá uma espécie de plano piloto em Porto Alegre, por enquanto, salvo se ocorrer uma grande reviravolta, está no campo da conversa fiada. Nenhuma data marcada, nenhum norte definido, nenhum encontro determinado, pouquíssimos nomes apontados e entre eles nenhum especialista renomado no assunto. Enfim, ausência total de organograma.
O valor previsto para o Estado no orçamento de 2012 para o combate às drogas é de R$ 42 milhões, ou seja, pouco mais do pacote de dinheiro que, há alguns meses, antes do governo Tarso Genro, evaporou misteriosamente dos cofres do Detran gaúcho. Coisa pouca, portanto.
Independente desta nebulosidade, aqui da minha torre insisto na estranheza diante do fato de o governo ter deixado a Secretaria da Educação de fora do grupo que montará o Plano Estadual de Combate ao Crack. Professores, alunos, funcionários e mesmo os pais da rede escolar estão constantemente sendo cercados, ameaçados e agredidos por traficantes e seus agentes. Escolas são saqueadas por traficantes e consumidores de drogas. Agora, no momento da discussão e montagem de um plano, até mesmo da conversa fiada a pasta da Educação foi alijada. Muito estranho.
Barbárie
A mulher de 64 anos, identificada como Regina Maria Antonazzi, assassinada em sua casa, na avenida Rio Grande, Centro de Imbé, possivelmente foi vítima de latrocínio. O corpo de Regina foi encontrado na cama com uma corda no pescoço e os pés e mãos amarrados.
Tráfico
Numa operação noturna, o Denarc prendeu um traficante chamado no Território da Paz da Restinga. Foi apreendido um carro além de crack, cocaína, eletrônicos. Em São Martinho, Noroeste do RS, quatro pessoas foram presas com 150 quilos de maconha. A Brigada Militar acredita que a droga entrou no Estado pela fronteira com a Argentina.
Cacos
Continua viva a discriminação no CVMI/BM (Corpo Voluntário de Militares Inativos da Brigada Militar). Alguns ganham diária de viagem, outros não. Há os felizardos que são contemplados com diárias na Operação Golfinho. Para os que não têm privilégios ficam com o vexaminoso salário de R$ 519,00. Esses voluntários são tratados pelo Comando-Geral da corporação como cacos da reserva.
O CRACK E A INFRAESTRUTURA
FERNANDO LEJDERMAN, MÉDICO E PSIQUIATRA - ZERO HORA 21/01/2012
A cidade de São Paulo desencadeou, no último dia 3 de janeiro e sem prazo definido para terminar, uma operação policial na Cracolândia da maior cidade do Brasil. O plano desta intervenção está dividido em três fases, onde estão envolvidos o policiamento ostensivo na região da Cracolândia, o encaminhamento dos dependentes de crack a centros de saúde e à assistência social e uma terceira fase de manutenção cujo objetivo principal será evitar o surgimento de novas cracolândias.
Nessas primeiras duas semanas da operação, mais de 150 pessoas foram presas e outras 50 encaminhadas para hospitalização. Foram realizadas inúmeras abordagens sociais e por agentes de saúde. Chama a atenção que mais de cem toneladas de lixo foram retiradas da região. A exposição pública do problema da dependência química de aproximadamente 600 habitantes da Cracolândia e da vida fácil dos traficantes de crack nesse território onde, segundo estimativas preliminares, a receita mensal com o tráfico chega a até R$ 1 milhão, desencadeou uma polêmica intensa sobre o tema.
Todos parecem ter opinião sobre a intervenção militar no centro da cidade de São Paulo. Promotores públicos, defensores públicos, moradores da região, movimentos sociais de direitos humanos e até os candidatos à prefeitura nas próximas eleições da cidade passaram a debater os aspectos positivos ou negativos da intervenção na Cracolândia. O que fica claro, e finalmente não pode mais ser negligenciado, é a gravidade do problema de saúde e segurança pública relacionado ao crack.
De acordo com um levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Municípios, o crack está presente em 90% das cidades brasileiras. O problema do crack é nacional, exige a união de esforços e a articulação entre as áreas da saúde, da segurança e da assistência social. Exige uma política pública adequada que não escorregue em discussões intermináveis, em preconceitos entre os profissionais das áreas envolvidas ou em programas de combate ao crack que simplesmente não saem do papel ou são tecnicamente ineficazes.
Nos últimos anos, as prisões no Brasil se tornaram um lugar degradante e os leitos em hospitais psiquiátricos foram fechados. Sem vagas nas prisões para os traficantes e sem leitos para internação hospitalar especializada aos viciados graves, não iremos a lugar nenhum, pois não há como enfrentar o problema do crack. O investimento em infraestrutura é uma tarefa que exige consciência política, é um processo difícil e oneroso para a sociedade e que não traz resultados a curto prazo. Mas, quando o trabalho de base é realizado adequadamente, os resultados aparecem e são sustentáveis a médio e longo prazos.
Uma das origens da dependência química, que encontra nas drogas uma falsa sensação de prazer e alívio imediato para sintomas desconfortáveis, pode ser a ausência de “infraestrutura” emocional. A dependência do crack atinge pessoas vulneráveis em diversos níveis, como as portadoras de doenças mentais graves que necessitam de ajuda especializada para não vagarem pelas ruas e ficarem expostas à atuação de traficantes que exploram essas vulnerabilidades. Intervir nas cracolândias espalhadas pelo Brasil e aumentar a disponibilidade de tratamento para os doentes mentais que sofrem com a dependência química é um desafio legítimo para os próximos anos.
A cidade de São Paulo desencadeou, no último dia 3 de janeiro e sem prazo definido para terminar, uma operação policial na Cracolândia da maior cidade do Brasil. O plano desta intervenção está dividido em três fases, onde estão envolvidos o policiamento ostensivo na região da Cracolândia, o encaminhamento dos dependentes de crack a centros de saúde e à assistência social e uma terceira fase de manutenção cujo objetivo principal será evitar o surgimento de novas cracolândias.
Nessas primeiras duas semanas da operação, mais de 150 pessoas foram presas e outras 50 encaminhadas para hospitalização. Foram realizadas inúmeras abordagens sociais e por agentes de saúde. Chama a atenção que mais de cem toneladas de lixo foram retiradas da região. A exposição pública do problema da dependência química de aproximadamente 600 habitantes da Cracolândia e da vida fácil dos traficantes de crack nesse território onde, segundo estimativas preliminares, a receita mensal com o tráfico chega a até R$ 1 milhão, desencadeou uma polêmica intensa sobre o tema.
Todos parecem ter opinião sobre a intervenção militar no centro da cidade de São Paulo. Promotores públicos, defensores públicos, moradores da região, movimentos sociais de direitos humanos e até os candidatos à prefeitura nas próximas eleições da cidade passaram a debater os aspectos positivos ou negativos da intervenção na Cracolândia. O que fica claro, e finalmente não pode mais ser negligenciado, é a gravidade do problema de saúde e segurança pública relacionado ao crack.
De acordo com um levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Municípios, o crack está presente em 90% das cidades brasileiras. O problema do crack é nacional, exige a união de esforços e a articulação entre as áreas da saúde, da segurança e da assistência social. Exige uma política pública adequada que não escorregue em discussões intermináveis, em preconceitos entre os profissionais das áreas envolvidas ou em programas de combate ao crack que simplesmente não saem do papel ou são tecnicamente ineficazes.
Nos últimos anos, as prisões no Brasil se tornaram um lugar degradante e os leitos em hospitais psiquiátricos foram fechados. Sem vagas nas prisões para os traficantes e sem leitos para internação hospitalar especializada aos viciados graves, não iremos a lugar nenhum, pois não há como enfrentar o problema do crack. O investimento em infraestrutura é uma tarefa que exige consciência política, é um processo difícil e oneroso para a sociedade e que não traz resultados a curto prazo. Mas, quando o trabalho de base é realizado adequadamente, os resultados aparecem e são sustentáveis a médio e longo prazos.
Uma das origens da dependência química, que encontra nas drogas uma falsa sensação de prazer e alívio imediato para sintomas desconfortáveis, pode ser a ausência de “infraestrutura” emocional. A dependência do crack atinge pessoas vulneráveis em diversos níveis, como as portadoras de doenças mentais graves que necessitam de ajuda especializada para não vagarem pelas ruas e ficarem expostas à atuação de traficantes que exploram essas vulnerabilidades. Intervir nas cracolândias espalhadas pelo Brasil e aumentar a disponibilidade de tratamento para os doentes mentais que sofrem com a dependência química é um desafio legítimo para os próximos anos.
DOR E SOFRIMENTO NA CRACOLÂNDIA
VÂNIA MELLO, CONSELHEIRA VICE-PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL - ZERO HORA 21/01/2012
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) repudiam a ostensiva ocupação militar realizada no centro antigo de São Paulo, a chamada cracolândia, como forma de enfretamento ao uso de crack e outras drogas. A ação militar, com o pretexto de eliminação do tráfico, violência e demais problemas sociais decorrentes do uso de crack e outras drogas, reprime violentamente a população pobre, sendo, portanto, mais uma forma velada de preconceito e racismo social: uma limpeza urbana. Diante disso, nos perguntamos: por que as ações governamentais se dão a partir de repressão e violação de direitos e não através de práticas que invistam em melhores condições de vida para essas pessoas?
Os métodos adotados na chamada “Ação Integrada Centro Legal”, que vem sendo executada na cracolândia, não só não resolve o problema dos usuários de crack e outras drogas como provoca a violação dos direitos humanos dessas pessoas já fragilizadas por problemas oriundos da exclusão social. O CRPRS defende uma política de álcool e outras drogas baseada no fortalecimento da rede pública de saúde, com a ampliação de Consultórios de Rua e dos Centros de Atenção Psicossocial, que realizam atendimento de forma intersetorial, envolvendo psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais e outros profissionais da saúde. Defende ainda a criação de estratégias de promoção de autonomia do usuário com relação a sua saúde, sendo contrário, também, à internação compulsória.
Diante de ações como essa na cracolândia, fica o questionamento: qual é a perspectiva ideal de tratamento que deve ser oferecido aos usuários de álcool e outras drogas? Responder a esta pergunta tem sido um grande desafio.
Problemas como o uso de álcool e drogas não estão relacionados apenas com a saúde, mas com outras áreas como educação, trabalho, justiça e demais políticas públicas, já que se trata de um complexo problema social. Por isso, ações intersetoriais são fundamentais no seu enfrentamento. Defendemos, ainda, a criação e ampliação dos espaços de lazer, qualidade de vida, esporte e cultura como estratégia de promoção de saúde, uma vez que a ausência de tais espaços tem implicações diretas no aumento do consumo de álcool e outras drogas entre crianças e jovens.
Como psicólogos, acreditamos que uma política adequada aos usuários de álcool e outras drogas deva contemplar a inclusão do usuário na construção de seu projeto de vida/terapêutico. Qualquer violação aos direitos humanos identificada em ações de combate ao crack, álcool e outras drogas precisa conti- nuar sendo repudiada.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) repudiam a ostensiva ocupação militar realizada no centro antigo de São Paulo, a chamada cracolândia, como forma de enfretamento ao uso de crack e outras drogas. A ação militar, com o pretexto de eliminação do tráfico, violência e demais problemas sociais decorrentes do uso de crack e outras drogas, reprime violentamente a população pobre, sendo, portanto, mais uma forma velada de preconceito e racismo social: uma limpeza urbana. Diante disso, nos perguntamos: por que as ações governamentais se dão a partir de repressão e violação de direitos e não através de práticas que invistam em melhores condições de vida para essas pessoas?
Os métodos adotados na chamada “Ação Integrada Centro Legal”, que vem sendo executada na cracolândia, não só não resolve o problema dos usuários de crack e outras drogas como provoca a violação dos direitos humanos dessas pessoas já fragilizadas por problemas oriundos da exclusão social. O CRPRS defende uma política de álcool e outras drogas baseada no fortalecimento da rede pública de saúde, com a ampliação de Consultórios de Rua e dos Centros de Atenção Psicossocial, que realizam atendimento de forma intersetorial, envolvendo psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais e outros profissionais da saúde. Defende ainda a criação de estratégias de promoção de autonomia do usuário com relação a sua saúde, sendo contrário, também, à internação compulsória.
Diante de ações como essa na cracolândia, fica o questionamento: qual é a perspectiva ideal de tratamento que deve ser oferecido aos usuários de álcool e outras drogas? Responder a esta pergunta tem sido um grande desafio.
Problemas como o uso de álcool e drogas não estão relacionados apenas com a saúde, mas com outras áreas como educação, trabalho, justiça e demais políticas públicas, já que se trata de um complexo problema social. Por isso, ações intersetoriais são fundamentais no seu enfrentamento. Defendemos, ainda, a criação e ampliação dos espaços de lazer, qualidade de vida, esporte e cultura como estratégia de promoção de saúde, uma vez que a ausência de tais espaços tem implicações diretas no aumento do consumo de álcool e outras drogas entre crianças e jovens.
Como psicólogos, acreditamos que uma política adequada aos usuários de álcool e outras drogas deva contemplar a inclusão do usuário na construção de seu projeto de vida/terapêutico. Qualquer violação aos direitos humanos identificada em ações de combate ao crack, álcool e outras drogas precisa conti- nuar sendo repudiada.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
O STF E A MACONHA
Merval Pereira, O Globo. Enviado por Ricardo Noblat Blog do Noblat, O GLOBO, 20.1.2012 | 8h02m
Além de definir o alcance do papel do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e julgar o mensalão, o Supremo Tribunal Federal terá pelo menos mais um tema polêmico pela frente este ano. Uma decisão tomada no fim do ano passado, no dia 9 de dezembro, não teve a devida atenção da opinião pública: o STF decidiu deliberar, ainda neste ano de 2012,sobre a descriminalização do consumo de maconha, e tudo indica que a maioria do plenário tenda a favor.
Afinal, o Supremo tem se colocado na vanguarda da sociedade brasileira no campo dos costumes ao aprovar, nos últimos tempos, questões polêmicas como a união estável entre homossexuais e a permissão da defesa pública da legalização da maconha, retirando desse movimento o caráter de apologia de crime.
Antes dessas decisões, porém, houve um julgamento sobre a admissibilidade, exatamente como nesse caso do consumo individual da maconha, o que leva os interessados no caso a acreditarem que o resultado do julgamento no plenário será favorável à descriminalização.
Quem provocou o pronunciamento do STF foi a Defensoria Pública de São Paulo, a partir do caso de um jovem do ABC que ficou dois meses preso por conta de 1 grama da erva.
A ONG Viva Rio vai atuar como amicus curiae e já tem como advogados o ex-ministro da Justiça de Lula Marcio Thomaz Bastos e Pier Paolo Cruz Bottini.
O “amicus curiae” (amigo da corte), mesmo não fazendo parte do processo, atua como interessado pela causa reconhecido pela sociedade.
A ONG Viva Rio está empenhada na descriminalização do consumo para uso próprio da maconha, apoiando o trabalho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pela regulamentação do uso da maconha.
A Comissão Latino-Americana, que, além do ex-presidente brasileiro, tem na sua coordenação os ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México, defende a descriminalização da maconha, por ser a droga de uso amplamente majoritário no mundo (90% do consumo mundial de drogas) e, ao mesmo tempo, cujos malefícios podem ser comparados aos do álcool e do tabaco.
Já a Comissão Global sobre Drogas, que Fernando Henrique também coordena, vai mais adiante e tem uma tendência de trabalhar pela legalização e regulamentação do uso da maconha como a melhor maneira de combater o tráfico de drogas e suas consequências.
Esse, porém, é um passo adiante que não está na cogitação nem do Viva Rio nem de Fernando Henrique.
No próximo dia 7 de fevereiro a Viva Rio fará reunião com os advogados e o grupo de conselheiros que ajuda na campanha a favor da descriminalização do uso da maconha para acertar as estratégias. Ao mesmo tempo, o secretário de Meio Ambiente do governo do Rio, Carlos Minc, está em outra ponta mobilizando os defensores da descriminalização do uso da maconha para aproveitarem o momento favorável com manifestações por todo o país.
A representação ao Supremo Tribunal Federal se fundamenta no artigo 5 da Constituição Federal e nos seus incisos sobre os direitos individuais, as liberdades e inviolabilidades.
A base da decisão seria a de que ninguém pode ser preso por só fazer mal a si mesmo. Seis países — Espanha, Itália, Portugal, Argentina, República Tcheca e México — já não criminalizam a posse de drogas para consumo pessoal.
No Brasil, o porte de drogas, mesmo que para consumo próprio, é crime, mas o usuário é punido com penas restritivas de direitos, e não da liberdade.
Porém, a lei não define a quantidade de droga que diferencia usuário ou traficante, cabendo ao policial ou ao juiz a decisão, o que gera uma série de problemas, inclusive dá margem à extorsão policial, ou mesmo à condenação de pessoas que portem droga para uso próprio, como no caso que provocou a consulta ao Supremo.
Outra discussão, que causou a demissão do primeiro secretário nacional Antidrogas do governo Dilma, Pedro Abramovay — que está auxiliando o Viva Rio na cruzada pela descriminalização do consumo de maconha —, é o chamado “pequeno traficante”, aquele que vende drogas para garantir seu consumo, que na opinião desses especialistas não deveria ser preso, mas ressocializado. Mas essa questão não estará em julgamento no Supremo.
Na Argentina, a questão da droga para consumo próprio foi definida pela Suprema Corte em 2009, com base na preservação da liberdade individual, desde que não cause danos a outras pessoas.
Os ministros entenderam, com base em tratados internacionais, que o direito à privacidade impede que as pessoas sejam “objetos de ingerência arbitrária ou abusiva”.
O Supremo argentino decidiu que o artigo 19 da Constituição Nacional protege a liberdade pessoal de qualquer intervenção alheia, inclusive a estatal.
O presidente da Corte, ministro Ricardo Lorenzetti, chegou a dizer em seu voto que “não se trata apenas de respeito às ações realizadas na esfera privada, senão a de reconhecimento de um âmbito em que cada indivíduo adulto é soberano para tomar decisões livres sobre o estilo de vida que deseja”.
Outro ponto salientado pelos juízes argentinos foi a chamada “revitimização”, ou seja, que as primeiras vítimas em casos de viciados em drogas são os próprios consumidores e suas famílias, e não tem sentido uma resposta punitiva do Estado ao consumidor, que se traduziria em uma “revitimização”.
Os ministros tiveram a preocupação, em seus votos, de deixar claro que a decisão não implicava a legalização da droga — assim como aqui no Brasil, ao descriminalizar a realização da Marcha da Maconha, o Supremo teve o cuidado de reafirmar que fumar maconha continuava sendo crime, e que as marchas não poderiam permitir o seu consumo.
Além de definir o alcance do papel do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e julgar o mensalão, o Supremo Tribunal Federal terá pelo menos mais um tema polêmico pela frente este ano. Uma decisão tomada no fim do ano passado, no dia 9 de dezembro, não teve a devida atenção da opinião pública: o STF decidiu deliberar, ainda neste ano de 2012,sobre a descriminalização do consumo de maconha, e tudo indica que a maioria do plenário tenda a favor.
Afinal, o Supremo tem se colocado na vanguarda da sociedade brasileira no campo dos costumes ao aprovar, nos últimos tempos, questões polêmicas como a união estável entre homossexuais e a permissão da defesa pública da legalização da maconha, retirando desse movimento o caráter de apologia de crime.
Antes dessas decisões, porém, houve um julgamento sobre a admissibilidade, exatamente como nesse caso do consumo individual da maconha, o que leva os interessados no caso a acreditarem que o resultado do julgamento no plenário será favorável à descriminalização.
Quem provocou o pronunciamento do STF foi a Defensoria Pública de São Paulo, a partir do caso de um jovem do ABC que ficou dois meses preso por conta de 1 grama da erva.
A ONG Viva Rio vai atuar como amicus curiae e já tem como advogados o ex-ministro da Justiça de Lula Marcio Thomaz Bastos e Pier Paolo Cruz Bottini.
O “amicus curiae” (amigo da corte), mesmo não fazendo parte do processo, atua como interessado pela causa reconhecido pela sociedade.
A ONG Viva Rio está empenhada na descriminalização do consumo para uso próprio da maconha, apoiando o trabalho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pela regulamentação do uso da maconha.
A Comissão Latino-Americana, que, além do ex-presidente brasileiro, tem na sua coordenação os ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México, defende a descriminalização da maconha, por ser a droga de uso amplamente majoritário no mundo (90% do consumo mundial de drogas) e, ao mesmo tempo, cujos malefícios podem ser comparados aos do álcool e do tabaco.
Já a Comissão Global sobre Drogas, que Fernando Henrique também coordena, vai mais adiante e tem uma tendência de trabalhar pela legalização e regulamentação do uso da maconha como a melhor maneira de combater o tráfico de drogas e suas consequências.
Esse, porém, é um passo adiante que não está na cogitação nem do Viva Rio nem de Fernando Henrique.
No próximo dia 7 de fevereiro a Viva Rio fará reunião com os advogados e o grupo de conselheiros que ajuda na campanha a favor da descriminalização do uso da maconha para acertar as estratégias. Ao mesmo tempo, o secretário de Meio Ambiente do governo do Rio, Carlos Minc, está em outra ponta mobilizando os defensores da descriminalização do uso da maconha para aproveitarem o momento favorável com manifestações por todo o país.
A representação ao Supremo Tribunal Federal se fundamenta no artigo 5 da Constituição Federal e nos seus incisos sobre os direitos individuais, as liberdades e inviolabilidades.
A base da decisão seria a de que ninguém pode ser preso por só fazer mal a si mesmo. Seis países — Espanha, Itália, Portugal, Argentina, República Tcheca e México — já não criminalizam a posse de drogas para consumo pessoal.
No Brasil, o porte de drogas, mesmo que para consumo próprio, é crime, mas o usuário é punido com penas restritivas de direitos, e não da liberdade.
Porém, a lei não define a quantidade de droga que diferencia usuário ou traficante, cabendo ao policial ou ao juiz a decisão, o que gera uma série de problemas, inclusive dá margem à extorsão policial, ou mesmo à condenação de pessoas que portem droga para uso próprio, como no caso que provocou a consulta ao Supremo.
Outra discussão, que causou a demissão do primeiro secretário nacional Antidrogas do governo Dilma, Pedro Abramovay — que está auxiliando o Viva Rio na cruzada pela descriminalização do consumo de maconha —, é o chamado “pequeno traficante”, aquele que vende drogas para garantir seu consumo, que na opinião desses especialistas não deveria ser preso, mas ressocializado. Mas essa questão não estará em julgamento no Supremo.
Na Argentina, a questão da droga para consumo próprio foi definida pela Suprema Corte em 2009, com base na preservação da liberdade individual, desde que não cause danos a outras pessoas.
Os ministros entenderam, com base em tratados internacionais, que o direito à privacidade impede que as pessoas sejam “objetos de ingerência arbitrária ou abusiva”.
O Supremo argentino decidiu que o artigo 19 da Constituição Nacional protege a liberdade pessoal de qualquer intervenção alheia, inclusive a estatal.
O presidente da Corte, ministro Ricardo Lorenzetti, chegou a dizer em seu voto que “não se trata apenas de respeito às ações realizadas na esfera privada, senão a de reconhecimento de um âmbito em que cada indivíduo adulto é soberano para tomar decisões livres sobre o estilo de vida que deseja”.
Outro ponto salientado pelos juízes argentinos foi a chamada “revitimização”, ou seja, que as primeiras vítimas em casos de viciados em drogas são os próprios consumidores e suas famílias, e não tem sentido uma resposta punitiva do Estado ao consumidor, que se traduziria em uma “revitimização”.
Os ministros tiveram a preocupação, em seus votos, de deixar claro que a decisão não implicava a legalização da droga — assim como aqui no Brasil, ao descriminalizar a realização da Marcha da Maconha, o Supremo teve o cuidado de reafirmar que fumar maconha continuava sendo crime, e que as marchas não poderiam permitir o seu consumo.
COMBATE AO CRACK
EDITORIAL ZERO HORA 20/01/2012
O ministro da Justiça está anunciando uma série de iniciativas do governo federal, em parceria com Estados e municípios, com o propósito de efetivamente combater a disseminação do crack nas grandes cidades brasileiras. Ainda ontem, ao falar sobre o segundo plano nacional de enfrentamento da epidemia que atinge todos os Estados do país, o senhor José Eduardo Cardozo afirmou que as ações começarão pelos locais onde se concentram os viciados nas grandes cidades, mas terão um foco diferente do que ocorreu recentemente em São Paulo. Haverá repressão ao tráfico, sim, mas os viciados só serão abordados quando estiver assegurada infraestrutura para internação e tratamento de dependentes.
Todas as providências são bem-vindas para conter esta verdadeira epidemia da droga que arruína seres humanos, destrói famílias e aumenta a violência no país. Mas o que a população quer mesmo ver são medidas práticas e não apenas projetos bem-intencionados, que garantem popularidade e dividendos políticos a seus autores, mas demoram demais para chegar a resultados, quando chegam.
Infelizmente, essa nova iniciativa do governo federal também parece comprometida pelo viés político-eleitoral: São Paulo, onde o problema é gravíssimo, ficou de fora do plano piloto porque o governador paulista antecipou-se ao anúncio federal e deflagrou uma ação isolada – e, segundo se sabe, um tanto desastrada – para acabar com a chamada cracolândia local. Ora, as diferenças políticas têm que ser deixadas de lado neste momento, pois o enfrentamento desta droga letal só alcançará os resultados desejados quando as autoridades também se livrarem do vício de colocar seus interesses na frente dos anseios maiores da nação.
Os cidadãos têm razões de sobra para desconfiar quando governantes e ministros fazem grande alarde sobre seus projetos mas pouco se confirma na prática. Vale lembrar que o combate ao crack foi uma das principais bandeiras da campanha eleitoral da atual presidente, que chegou a anunciar investimentos de R$ 4 bilhões num programa de oferta de tratamento de saúde aos usuários de drogas, conjugado com a repressão ao tráfico – bem como está sendo feito novamente agora. Mas os resultados são tímidos. E o assunto só volta às manchetes quando alguma anormalidade choca a parcela da população que finge nada ter a ver com o problema. Foi o que aconteceu há poucos dias em São Paulo e no Rio, com a dispersão de viciados que passaram a perambular também por áreas nobres das duas maiores cidades brasileiras.
Ninguém duvida das boas intenções do novo programa governamental. Mas é urgente que passemos dos discursos entusiasmados e dos planos articulados à prática, de preferência com a adoção de medidas urgentes que conjuguem a necessária repressão ao tráfico com a prevenção e o tratamento dos dependentes.
O ministro da Justiça está anunciando uma série de iniciativas do governo federal, em parceria com Estados e municípios, com o propósito de efetivamente combater a disseminação do crack nas grandes cidades brasileiras. Ainda ontem, ao falar sobre o segundo plano nacional de enfrentamento da epidemia que atinge todos os Estados do país, o senhor José Eduardo Cardozo afirmou que as ações começarão pelos locais onde se concentram os viciados nas grandes cidades, mas terão um foco diferente do que ocorreu recentemente em São Paulo. Haverá repressão ao tráfico, sim, mas os viciados só serão abordados quando estiver assegurada infraestrutura para internação e tratamento de dependentes.
Todas as providências são bem-vindas para conter esta verdadeira epidemia da droga que arruína seres humanos, destrói famílias e aumenta a violência no país. Mas o que a população quer mesmo ver são medidas práticas e não apenas projetos bem-intencionados, que garantem popularidade e dividendos políticos a seus autores, mas demoram demais para chegar a resultados, quando chegam.
Infelizmente, essa nova iniciativa do governo federal também parece comprometida pelo viés político-eleitoral: São Paulo, onde o problema é gravíssimo, ficou de fora do plano piloto porque o governador paulista antecipou-se ao anúncio federal e deflagrou uma ação isolada – e, segundo se sabe, um tanto desastrada – para acabar com a chamada cracolândia local. Ora, as diferenças políticas têm que ser deixadas de lado neste momento, pois o enfrentamento desta droga letal só alcançará os resultados desejados quando as autoridades também se livrarem do vício de colocar seus interesses na frente dos anseios maiores da nação.
Os cidadãos têm razões de sobra para desconfiar quando governantes e ministros fazem grande alarde sobre seus projetos mas pouco se confirma na prática. Vale lembrar que o combate ao crack foi uma das principais bandeiras da campanha eleitoral da atual presidente, que chegou a anunciar investimentos de R$ 4 bilhões num programa de oferta de tratamento de saúde aos usuários de drogas, conjugado com a repressão ao tráfico – bem como está sendo feito novamente agora. Mas os resultados são tímidos. E o assunto só volta às manchetes quando alguma anormalidade choca a parcela da população que finge nada ter a ver com o problema. Foi o que aconteceu há poucos dias em São Paulo e no Rio, com a dispersão de viciados que passaram a perambular também por áreas nobres das duas maiores cidades brasileiras.
Ninguém duvida das boas intenções do novo programa governamental. Mas é urgente que passemos dos discursos entusiasmados e dos planos articulados à prática, de preferência com a adoção de medidas urgentes que conjuguem a necessária repressão ao tráfico com a prevenção e o tratamento dos dependentes.
COMBATE AO CRACK - PLANO SEM EDUCAÇÃO?
WANDERLEY SOARES, REDE PAMPA, O SUL
Porto Alegre, Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2012.
Três secretarias do governo Tarso Genro montarão o plano estadual contra o crack, sem a participação da pasta da Educação
Em fevereiro próximo, não há dia marcado, três secretários do governo Tarso Genro deverão entregar no Piratini o Plano Estadual de Combate ao Crack. Certamente não será no dia dois, pois que é feriado na Capital (Nossa Senhora dos Navegantes) e, muito menos, no dia 21, que é Carnaval. Mas o certo é que o diploma estará pronto em fevereiro, a partir do qual tudo será diferente. Diante de tal moldura, recordo, aqui, como um humilde e encanecido marquês, que lá pelos meus 16 anos de idade, presenciei, pela primeira vez, um pequeno grupo de amigos, da minha geração, portanto, passando de mão em mão um cigarrinho de maconha ali na Cidade Baixa. Depois, sabemos todos o que aconteceu. Passados 56 anos, cheguei a crer que os novos governantes, baseados em experiências de décadas, chegavam com um plano pronto contra o flagelo a merecer apenas retoques, adaptações. Pois no almoço com o governador, ocorrido quarta-feira última no Piratini, os três secretários envolvidos com a questão, durante duas horas, nada mais apresentaram do que sugestões com conteúdos não divulgados. Convenhamos, é claro, que o tempo era escasso. Ainda assim há uma euforia indisfarçada para o plano que virá à luz em fevereiro, não se sabe se antes ou depois do Carnaval. Sigam-me
A montagem
O Plano Estadual de Combate ao Crack, que receberá aporte de verba do governo federal através do Ministério da Justiça, deverá ser montado pelas equipes dos secretários Fabiano Pereira, da Justiça e Direitos Humanos; Ciro Simoni, da Saúde; e Airton Michels, da Segurança Pública. Em pouco mais de 30 dias, toda a complexidade da questão será discutida e colocada nos mais diferentes detalhes no documento a ser passado para as mãos do governador Tarso Genro. Como aqui citei, há 56 anos aguardo este plano. Vale a pena esperar mais 30 dias. Detalhe: estranho eu a ausência no estudo deste plano da pasta da Educação
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
AÇÃO FEDERAL CONTRA AS DROGAS COMEÇA EM PORTO ALEGRE
GUERRA À DROGA. Ação federal contra o crack terá início em Porto Alegre. Governo federal elege RS como prioridade na implantação de projetos para combater a epidemia - KELLY MATOS | BRASÍLIA
O Rio Grande do Sul está entre as prioridades do segundo plano lançado pelo governo federal para combater a epidemia de crack. Conforme ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Porto Alegre foi escolhida, com Recife e Rio de Janeiro, para a implantação dos projetos pilotos da política nacional contra o consumo e tráfico de drogas.
Caberá agora ao governo do Estado apresentar um conjunto de ações de enfrentamento à droga. Ontem, um almoço de cerca de duas horas no Palácio Piratini serviu como ponto de partida para o desenho dos projetos que deverão ser colocados em prática em parceria com o governo federal. Reunidos com o governador Tarso Genro, os secretários Fabiano Pereira (Justiça e Direitos Humanos), Ciro Simoni (Saúde) e Airton Michels (Segurança Pública) apresentaram sugestões e se comprometeram a entregar, em fevereiro, o Plano Estadual de Combate ao Crack.
O grupo de secretários terá a missão de concluir os trabalhos até o próximo mês, quando técnicos do Ministério da Justiça desembarcarão na Capital. O projeto será alinhado ao plano nacional lançado em dezembro pela presidente Dilma Rousseff, com previsão de investimentos de R$ 4 bilhões no país até 2014.
O Piratini pretende aproveitar os recursos federais disponíveis para desenvolver ações como o treinamento de agentes sociais, o aumento da oferta de leitos para tratamento de dependentes e o combate ao tráfico em pontos estratégicos.
Câmeras de vigilâncias vão monitorar as cracklândias
O ministro da Justiça conversou com Tarso na tarde de ontem. Por telefone, reiterou a posição da União de tratar o Estado com atenção especial.
– Temos reuniões técnicas previstas para os próximos dias para aplicar o plano no Rio Grande do Sul – anunciou Cardozo.
Nesta semana, Fabiano Pereira já havia participado de reuniões sobre o assunto em Brasília. A parceria com a União prevê a doação de equipamentos e reforço de pessoal. A Secretaria Nacional de Justiça enviará câmeras de vídeo para auxiliar na fiscalização das cracklândias gaúchas. Ficarão sob a responsabilidade da Polícia Federal as ações de inteligência, em parceria com os órgãos de segurança do Estado.
Pelo menos três pontos de consumo de crack já foram mapeados em Porto Alegre: a Redenção, o Túnel da Conceição e o entorno do cruzamento das avenidas Ipiranga e João Pessoa.
Os técnicos envolvidos acreditam que a ofensiva será mais tranquila nas cidades gaúchas porque não há concentração de tráfico e consumo da droga em um único ponto, ao contrário do que ocorre em São Paulo.
– Isso contribui para uma ação mais efetiva dos órgãos públicos, inclusive com a participação dos municípios – avalia Fabiano Pereira.
R$ 42 milhões é o valor previsto para o Estado no orçamento de 2012 para ações de combate às drogas, em especial ao crack
Municípios precisam se engajar, alerta governo
O Ministério da Justiça alerta que o projeto de enfrentamento ao crack só terá sucesso se os prefeitos estiverem integrados. O papel das administrações municipais será revitalizar os pontos de consumo da droga após realizada a etapa de desocupação.
Uma das preocupações do Palácio Piratini está relacionada ao treinamento de agentes para trabalhar na abordagem dos usuários. O governo quer evitar ações violentas contra os dependentes de crack. Por isso, o governo está organizando um grande seminário de treinamento de agentes públicos. A partir de fevereiro, serão treinados assistentes sociais, policiais e profissionais de saúde.
O governo do Estado também se comprometeu a ampliar o número de leitos para garantir a internação dos usuários. Conforme a Secretaria Estadual da Saúde, existem 671 leitos em hospitais para o tratamento de dependentes de álcool e drogas, além de 673 vagas em comunidades terapêuticas.
À frente da pasta, Ciro Simoni afirma que ainda são necessários outros 57 leitos para atingir o número determinado pelo Ministério da Saúde.
O plano traçado pelo governo para combater a epidemia do crack se completa com a reinserção dos usuários na sociedade. Após o período de internação, o Piratini promete oferecer cursos de qualificação e encaminhamento para vagas no mercado de trabalho.
“O RS é um dos Estados prioritários”. José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça
Em entrevista a ZH ontem, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, comentou a parceria que será estabelecida entre os governos para colocar o plano em ação:
Zero Hora – Como o RS está inserido no programa de combate ao crack do governo federal?
José Eduardo Cardozo – O Rio Grande do Sul é um dos Estados que consideramos como prioritários para que possamos desenvolver o nosso plano de enfrentamento ao crack. Por isso, já começamos um diálogo com o governador Tarso Genro, que mostrou seu total interesse de estabelecer uma parceria para o desenvolvimento desse programa do crack.
ZH – Como será essa parceria?
Cardozo – Já temos reuniões técnicas previstas para que possamos aplicar o plano. Haverá uma perfeita sintonia entre governo federal, governo do Estado e seguramente com os municípios onde for aplicado o programa.
ZH – Quando os técnicos do ministério pretendem vir ao RS?
Cardozo – Haverá muitas conversas entre as equipes, mas ainda estamos estudando datas. Em alguns casos, a equipe do Ministério da Justiça irá ao Rio Grande do Sul. Em outros, receberemos representantes da Secretaria de Justiça aqui em Brasília. Será um trabalho meticuloso, um trabalho que exige uma sintonia fina e muito apurada.
ZH – Qual o valor dos recursos que serão destinados ao Estado?
Cardozo – É muito difícil falar em recursos antes da conclusão de estudos técnicos. É necessário definir a área de intervenção, definir a situação da estratégia de Segurança e Saúde.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
USUÁRIO NÃO PODE SER PUNIDO POR PORTE DE DROGAS
Livre arbítrio. Marília Scriboni é repórter da revista Consultor Jurídico. Revista Consultor Jurídico, 14 de janeiro de 2012
A pessoa que atenta contra sua vida não precisa de punição, mas de ajuda. O espírito, que levou o legislador a tipificar a conduta daquele que tenta cometer suicídio, também move a Defensoria Pública de São Paulo em outro caso: o porte de drogas para consumo próprio. Em Recurso Especial com repercussão geral reconhecida no último 9 de dezembro, Defensoria paulista questiona a constitucionalidade do dispositivo da Lei de Drogas que criminaliza a conduta.
De acordo com o artigo 28 da Lei 11.343, de 2006, quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, comete crime. Para a Defensoria, o dispositivo viola o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, que assegura o direito à intimidade e à vida privada, já que o porte não implica lesividade, princípio básico do direito penal, uma vez que não causa lesão a bens jurídicos alheios.
“Não é possível aceitar que uma norma infraconstitucional ofenda o ápice do ordenamento jurídico, considerando crime uma conduta que está devidamente amparada por valores constitucionalmente relevantes”, argumenta o defensor público que cuida do caso, Leandro de Castro Gomes.
O defensor público sustenta que a proibição do porte de drogas para consumo próprio é inconstitucional. Segundo ele, “a resposta tem como premissa o movimento funcionalista da Teoria do Delito. Superou-se o finalismo e é preciso interpretar as categorias do delito, que são tipicidade, ilicitude e culpabilidade, sob o viés da intervenção mínima e do princípio da lesividade”.
Ele complementa: “Para que uma conduta seja delituosa, não basta um enquadramento formal ao tipo legal. É preciso, ainda, que haja uma lesão ou um perigo de lesão efetivo, real e relevante a um bem jurídico alheio”.
A tese será analisada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar recurso de um mecânico cearense, de 51 anos, preso em Diadema (SP), onde foi acusado de portar três gramas de maconha. A droga foi encontrada dentro de um marmitex, em sua cela. O recurso, que questiona acórdão do Colégio Recursal do Juizado Especial Criminal de Diadema, está sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes. Pelo porte da droga, o homem foi condenado a dois meses de prestação de serviços à comunidade.
Na prática, a Defensoria acredita que a conduta não é típica, já que “uma auto-lesão jamais poderá ser considerada fato criminoso, eis que ausente, na espécie, lesão a bem jurídico alheio”. “No tocante à pena aplicada, caso seja considerada procedente a ação penal, pugna pela simples advertência, eis que o acusado já possui pena aplicada superior a 10 anos, o suficiente para que sejam alcançadas todas as "funções" da pena. Para quê incidir eventual prestação de serviços? Desnecessária. Nada mais", argumenta o órgão.
Ao apresentar as contrarrazões à 2ª Vara Criminal de Diadema, o Ministério Público paulista refutou o ponto de vista da Defensoria. Disse que “até o momento tal artigo não foi declarado atípico, tampouco inconstitucional devendo ser normalmente aplicado, mesmo porque, o entendimento de que tal artigo fosse inconstitucional não restou amparado sequer pela Corte brasileira”.
O MP paulista explicou, ainda, que não se pode falar em abolitio criminis, “vez que estamos diante de um crime que, apesar de não estar apenado com a privação ou a restrição da liberdade, possui preceitos secundários próprios ao tipo penal, o qual obteve uma construção legiferante com escopo de distinguir o usuário do grande traficante de drogas, entretanto, sem prescindir da sanção correspondente, a qual restou configurada como as chamada penas alternativas”.
Coletividade e indivíduo
O promotor de Justiça André Luís Melo, que atua em Minas Gerais, arrisca um palpite: “Acredito que o STF, como tem compromisso com a sociedade, deve julgar o ato constitucional”. Para ele, a aprovação do pedido da Defensoria paulista equivale a uma “anistia geral”. “E não há como diferenciar de forma abstrata quem é usuário e quem é traficante, pois usam a modalidade de "tráfico formiguinha"”, diz.
Ele também acredita que “dizer que o delito está dentro da órbita particular, seria o mesmo que o Judiciário revogar crimes como a casa de prostituição. O Judiciário não pode revogar crimes, mas deve ter o seu ativismo repensado e redimensionado, pois cabe ao Legislativo definir os crimes e as penas, por meio da lei”.
Seu discurso é próximo ao do MP paulista: “O uso de droga não provoca dano apenas ao usuário, mas à família e à sociedade em razão de crimes violentos para manter uso, aparato de segurança, tratamentos de saúde e atendimentos sociais”.
Foi um entendimento semelhante que a juíza Patrícia Helena Hehl Forjaz de Toledo, da 2ª Vara Criminal, manifestou. Segundo ela, “pune-se o porte de droga para uso próprio, não em função da proteção á saúde do agente, mas sim em razão do mal potencial que pode gerar á coletividade”. E mais: “A pequena quantidade de substância tóxica, mesmo quando classificada como leve, não implica necessariamente que o juízo deva acatar o chamado principio da insignificância, em favor do acusado, porque todo delito associado a entorpecentes, independentemente de sua gravidade, constitui um risco potencial para a sociedade".
Um dos maiores especialistas em política de drogas do Brasil, o criminalista Salo de Carvalho, acredita que o julgamento chega em “momento adequado”. Explica-se. Em 2009, a Suprema Corte Argentina entendeu que a liberdade individual, desde que não cause danos a outras pessoas, deve ser priorizada.
Eles declararam inconstitucional o parágrafo 2º do artigo 14 da Lei 23.737 daquele país, que punia criminalmente pessoas que fossem flagradas com quantidades pequenas de drogas, supostamente para consumo pessoal. Os ministros entenderam, com base em tratados internacionais, que o direito à privacidade impede que as pessoas sejam objetos de ingerência arbitrária ou abusiva na esfera privada, como noticiou a Consultor Jurídico na época.
Além disso, o criminalista lembra que a Europa também vem presenciando experiências de descriminalização. Em Portugal, por exemplo, por decisão do Legislativo, há dez anos o porte não é mais crime. “Isso possibilita, inclusive, o acesso à saúde”, conta.
Na mesma linha de pensamento, o criminalista Pedro Abramovay, professor da FGV Direito Rio, conta que o Supremo vem enfrentando dispositivos polêmicos da Lei de Drogas. Nessa leva, já reconheceu como aplicáveis a substituição da pena e a liberdade provisória para os usuários. Ainda assim, prefere não apostar em um resultado. “Acredito que os ministros vão julgar não a partir da ideologia, mas sim a partir da garantia dos direitos individuais”, conta. Abramovay, que perdeu o cargo de secretário de Política Nacional sobre Drogas no governo da presidente Dilma Rousseff por defender um tratamento mais liberal para os usuários de droga, entede que “o propósito do Direito Penal não é proteger alguém de fazer mal a si mesmo”. “Há uma confusão aí”.
Autor do livro A Política Criminal de Drogas no Brasil, que chegou à sua quinta edição, Salo de Carvalho explica que o importante é investir na redução de danos. “As punições geram mais problemas do que vantagens. Impede, por exemplo, que o dependente se cuide e gera problemas para aquele que não tem um uso problemático” Ele também diz que a não tipificação da conduta não vai aumentar o consumo. “É ilusório pensar assim”, diz.
O também criminalista Thiago Gomes Anastácio, associado ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa, diz que a questão a ser discutida pelo Supremo engloba dois conceitos. Um, abstrato, que é a saúde pública. E, o outro, a ideia de que todo cidadão tem o direito de fazer o que bem entender. Ele lembra ainda que há outra questão a ser levada em consideração. “Se o Estado libera o uso da droga, é ele quem deve arcar com o custo do tratamento?”, indaga, sem oferecer resposta.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É verdadeira a afirmação de que "a pessoa que atenta contra sua vida não precisa de punição, mas de ajuda". Entretanto, quem conhece a realidade das drogas pesadas, sabe que o mal não se restringe à pessoa do dependente, pois a família se torna refém da doença e a sociedade fica em perigo diante das exigências que a dependencia precisa para atender a necessidade exigida pelo corpo. Um dependente não tratado pode ser tornar um delinquente comum, um assassino, um traficante, um vapozeiro ou um aliciador de jovens em colegios, festas e baladas. Por este motivo sou contra a liberalização das drogas no Braisl e o abrandamento do porte de drogas. Não é necessário colocar em prisão os dependentes, mas determinar o tratamento em casa de saúde pública e a prestação de serviços comunitários.
A pessoa que atenta contra sua vida não precisa de punição, mas de ajuda. O espírito, que levou o legislador a tipificar a conduta daquele que tenta cometer suicídio, também move a Defensoria Pública de São Paulo em outro caso: o porte de drogas para consumo próprio. Em Recurso Especial com repercussão geral reconhecida no último 9 de dezembro, Defensoria paulista questiona a constitucionalidade do dispositivo da Lei de Drogas que criminaliza a conduta.
De acordo com o artigo 28 da Lei 11.343, de 2006, quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, comete crime. Para a Defensoria, o dispositivo viola o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, que assegura o direito à intimidade e à vida privada, já que o porte não implica lesividade, princípio básico do direito penal, uma vez que não causa lesão a bens jurídicos alheios.
“Não é possível aceitar que uma norma infraconstitucional ofenda o ápice do ordenamento jurídico, considerando crime uma conduta que está devidamente amparada por valores constitucionalmente relevantes”, argumenta o defensor público que cuida do caso, Leandro de Castro Gomes.
O defensor público sustenta que a proibição do porte de drogas para consumo próprio é inconstitucional. Segundo ele, “a resposta tem como premissa o movimento funcionalista da Teoria do Delito. Superou-se o finalismo e é preciso interpretar as categorias do delito, que são tipicidade, ilicitude e culpabilidade, sob o viés da intervenção mínima e do princípio da lesividade”.
Ele complementa: “Para que uma conduta seja delituosa, não basta um enquadramento formal ao tipo legal. É preciso, ainda, que haja uma lesão ou um perigo de lesão efetivo, real e relevante a um bem jurídico alheio”.
A tese será analisada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar recurso de um mecânico cearense, de 51 anos, preso em Diadema (SP), onde foi acusado de portar três gramas de maconha. A droga foi encontrada dentro de um marmitex, em sua cela. O recurso, que questiona acórdão do Colégio Recursal do Juizado Especial Criminal de Diadema, está sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes. Pelo porte da droga, o homem foi condenado a dois meses de prestação de serviços à comunidade.
Na prática, a Defensoria acredita que a conduta não é típica, já que “uma auto-lesão jamais poderá ser considerada fato criminoso, eis que ausente, na espécie, lesão a bem jurídico alheio”. “No tocante à pena aplicada, caso seja considerada procedente a ação penal, pugna pela simples advertência, eis que o acusado já possui pena aplicada superior a 10 anos, o suficiente para que sejam alcançadas todas as "funções" da pena. Para quê incidir eventual prestação de serviços? Desnecessária. Nada mais", argumenta o órgão.
Ao apresentar as contrarrazões à 2ª Vara Criminal de Diadema, o Ministério Público paulista refutou o ponto de vista da Defensoria. Disse que “até o momento tal artigo não foi declarado atípico, tampouco inconstitucional devendo ser normalmente aplicado, mesmo porque, o entendimento de que tal artigo fosse inconstitucional não restou amparado sequer pela Corte brasileira”.
O MP paulista explicou, ainda, que não se pode falar em abolitio criminis, “vez que estamos diante de um crime que, apesar de não estar apenado com a privação ou a restrição da liberdade, possui preceitos secundários próprios ao tipo penal, o qual obteve uma construção legiferante com escopo de distinguir o usuário do grande traficante de drogas, entretanto, sem prescindir da sanção correspondente, a qual restou configurada como as chamada penas alternativas”.
Coletividade e indivíduo
O promotor de Justiça André Luís Melo, que atua em Minas Gerais, arrisca um palpite: “Acredito que o STF, como tem compromisso com a sociedade, deve julgar o ato constitucional”. Para ele, a aprovação do pedido da Defensoria paulista equivale a uma “anistia geral”. “E não há como diferenciar de forma abstrata quem é usuário e quem é traficante, pois usam a modalidade de "tráfico formiguinha"”, diz.
Ele também acredita que “dizer que o delito está dentro da órbita particular, seria o mesmo que o Judiciário revogar crimes como a casa de prostituição. O Judiciário não pode revogar crimes, mas deve ter o seu ativismo repensado e redimensionado, pois cabe ao Legislativo definir os crimes e as penas, por meio da lei”.
Seu discurso é próximo ao do MP paulista: “O uso de droga não provoca dano apenas ao usuário, mas à família e à sociedade em razão de crimes violentos para manter uso, aparato de segurança, tratamentos de saúde e atendimentos sociais”.
Foi um entendimento semelhante que a juíza Patrícia Helena Hehl Forjaz de Toledo, da 2ª Vara Criminal, manifestou. Segundo ela, “pune-se o porte de droga para uso próprio, não em função da proteção á saúde do agente, mas sim em razão do mal potencial que pode gerar á coletividade”. E mais: “A pequena quantidade de substância tóxica, mesmo quando classificada como leve, não implica necessariamente que o juízo deva acatar o chamado principio da insignificância, em favor do acusado, porque todo delito associado a entorpecentes, independentemente de sua gravidade, constitui um risco potencial para a sociedade".
Um dos maiores especialistas em política de drogas do Brasil, o criminalista Salo de Carvalho, acredita que o julgamento chega em “momento adequado”. Explica-se. Em 2009, a Suprema Corte Argentina entendeu que a liberdade individual, desde que não cause danos a outras pessoas, deve ser priorizada.
Eles declararam inconstitucional o parágrafo 2º do artigo 14 da Lei 23.737 daquele país, que punia criminalmente pessoas que fossem flagradas com quantidades pequenas de drogas, supostamente para consumo pessoal. Os ministros entenderam, com base em tratados internacionais, que o direito à privacidade impede que as pessoas sejam objetos de ingerência arbitrária ou abusiva na esfera privada, como noticiou a Consultor Jurídico na época.
Além disso, o criminalista lembra que a Europa também vem presenciando experiências de descriminalização. Em Portugal, por exemplo, por decisão do Legislativo, há dez anos o porte não é mais crime. “Isso possibilita, inclusive, o acesso à saúde”, conta.
Na mesma linha de pensamento, o criminalista Pedro Abramovay, professor da FGV Direito Rio, conta que o Supremo vem enfrentando dispositivos polêmicos da Lei de Drogas. Nessa leva, já reconheceu como aplicáveis a substituição da pena e a liberdade provisória para os usuários. Ainda assim, prefere não apostar em um resultado. “Acredito que os ministros vão julgar não a partir da ideologia, mas sim a partir da garantia dos direitos individuais”, conta. Abramovay, que perdeu o cargo de secretário de Política Nacional sobre Drogas no governo da presidente Dilma Rousseff por defender um tratamento mais liberal para os usuários de droga, entede que “o propósito do Direito Penal não é proteger alguém de fazer mal a si mesmo”. “Há uma confusão aí”.
Autor do livro A Política Criminal de Drogas no Brasil, que chegou à sua quinta edição, Salo de Carvalho explica que o importante é investir na redução de danos. “As punições geram mais problemas do que vantagens. Impede, por exemplo, que o dependente se cuide e gera problemas para aquele que não tem um uso problemático” Ele também diz que a não tipificação da conduta não vai aumentar o consumo. “É ilusório pensar assim”, diz.
O também criminalista Thiago Gomes Anastácio, associado ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa, diz que a questão a ser discutida pelo Supremo engloba dois conceitos. Um, abstrato, que é a saúde pública. E, o outro, a ideia de que todo cidadão tem o direito de fazer o que bem entender. Ele lembra ainda que há outra questão a ser levada em consideração. “Se o Estado libera o uso da droga, é ele quem deve arcar com o custo do tratamento?”, indaga, sem oferecer resposta.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É verdadeira a afirmação de que "a pessoa que atenta contra sua vida não precisa de punição, mas de ajuda". Entretanto, quem conhece a realidade das drogas pesadas, sabe que o mal não se restringe à pessoa do dependente, pois a família se torna refém da doença e a sociedade fica em perigo diante das exigências que a dependencia precisa para atender a necessidade exigida pelo corpo. Um dependente não tratado pode ser tornar um delinquente comum, um assassino, um traficante, um vapozeiro ou um aliciador de jovens em colegios, festas e baladas. Por este motivo sou contra a liberalização das drogas no Braisl e o abrandamento do porte de drogas. Não é necessário colocar em prisão os dependentes, mas determinar o tratamento em casa de saúde pública e a prestação de serviços comunitários.
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
O CRACK NO PALANQUE
EDITORIAL ZERO HORA 17/01/2012
A tentativa conjunta do governo do Estado e da prefeitura de São Paulo de terminar com a cracolândia na maior metrópole brasileira está se transformando no principal tema do embate eleitoral que se avizinha neste ano de eleições municipais. Apesar do oportunismo político evidente de críticos da ação e de algumas operações desastradas de seus autores, é bem-vindo o debate sobre a droga que destrói famílias e eleva a violência urbana no país. O crack não é um problema específico de São Paulo. A droga está infiltrada até nos municípios mais modestos de regiões interioranas e só tende a se disseminar se as autoridades não encontrarem alternativas para frear o seu crescimento.
Ainda que a truculência policial seja condenável, até mesmo porque já existe consenso de que os viciados são doentes e não marginais no sentido criminal, não pode haver dúvida de que o Estado precisa estar presente nesses espaços ocupados pelo lumpesinato. Mesmo em países desenvolvidos, tem sido considerada negativa a experiência de reservar territórios livres para usuários de entorpecentes. No caso das cracolândias brasileiras, então, tais locais costumam se transformar em verdadeiros campos de concentração, degradados pelo lixo, pelas péssimas condições de higiene e pela violência. Nem o poder público nem a sociedade podem fingir que não veem tamanha indignidade.
Obviamente, o problema não pode ser resolvido com balas de borracha e cassetetes. Ao invadir o local e expulsar seus ocupantes, a polícia paulista provocou revolta e condenação, especialmente por parte de organizações comprometidas com os direitos humanos. Mas, paradoxalmente, também recebeu aplausos de moradores da região e de pessoas que se sentem ameaçadas por traficantes e pelos frequentadores da referida zona. Afinal, o direito de ir e vir, tão alegado pelos críticos da operação, tem que valer para todos, inclusive para os cidadãos que precisam transitar pelas ruas e calçadas sem o risco de serem molestados.
Mas a polêmica pode ser oportuna e construtiva se for direcionada para o lado certo, que é a busca de solução para os atuais viciados e para a prevenção de novas incidências. Antes da intervenção policial, ou conjugada a ela, é imprescindível que o poder público desenvolva uma rede de saúde pública e atendimento social capaz de encaminhar os doentes para uma efetiva reabilitação.
De nada adianta dispersar os usuários de drogas à força, transformando-os em zumbis desorientados a assombrar outras áreas da cidade – como parece ter sido feito em São Paulo num primeiro momento da operação. Mais do que devolver o espaço público surrupiado pela droga à população, é essencial devolver seres humanos a uma vida digna. Eis aí um tema inadiável para todos os candidatos de 2012.
A tentativa conjunta do governo do Estado e da prefeitura de São Paulo de terminar com a cracolândia na maior metrópole brasileira está se transformando no principal tema do embate eleitoral que se avizinha neste ano de eleições municipais. Apesar do oportunismo político evidente de críticos da ação e de algumas operações desastradas de seus autores, é bem-vindo o debate sobre a droga que destrói famílias e eleva a violência urbana no país. O crack não é um problema específico de São Paulo. A droga está infiltrada até nos municípios mais modestos de regiões interioranas e só tende a se disseminar se as autoridades não encontrarem alternativas para frear o seu crescimento.
Ainda que a truculência policial seja condenável, até mesmo porque já existe consenso de que os viciados são doentes e não marginais no sentido criminal, não pode haver dúvida de que o Estado precisa estar presente nesses espaços ocupados pelo lumpesinato. Mesmo em países desenvolvidos, tem sido considerada negativa a experiência de reservar territórios livres para usuários de entorpecentes. No caso das cracolândias brasileiras, então, tais locais costumam se transformar em verdadeiros campos de concentração, degradados pelo lixo, pelas péssimas condições de higiene e pela violência. Nem o poder público nem a sociedade podem fingir que não veem tamanha indignidade.
Obviamente, o problema não pode ser resolvido com balas de borracha e cassetetes. Ao invadir o local e expulsar seus ocupantes, a polícia paulista provocou revolta e condenação, especialmente por parte de organizações comprometidas com os direitos humanos. Mas, paradoxalmente, também recebeu aplausos de moradores da região e de pessoas que se sentem ameaçadas por traficantes e pelos frequentadores da referida zona. Afinal, o direito de ir e vir, tão alegado pelos críticos da operação, tem que valer para todos, inclusive para os cidadãos que precisam transitar pelas ruas e calçadas sem o risco de serem molestados.
Mas a polêmica pode ser oportuna e construtiva se for direcionada para o lado certo, que é a busca de solução para os atuais viciados e para a prevenção de novas incidências. Antes da intervenção policial, ou conjugada a ela, é imprescindível que o poder público desenvolva uma rede de saúde pública e atendimento social capaz de encaminhar os doentes para uma efetiva reabilitação.
De nada adianta dispersar os usuários de drogas à força, transformando-os em zumbis desorientados a assombrar outras áreas da cidade – como parece ter sido feito em São Paulo num primeiro momento da operação. Mais do que devolver o espaço público surrupiado pela droga à população, é essencial devolver seres humanos a uma vida digna. Eis aí um tema inadiável para todos os candidatos de 2012.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
O CRACK, O DATAFOLHA E O MITO DA PROBREZA
Reinaldo Azevedo, Blog - Veja, 16/01/2012 às 5:35
O crack, o Datafolha e o mito de que a pobreza induz a violência e o vício, embora a esmagadora maioria dos pobres seja honesta e careta
A Folha deste domingo publicou uma pesquisa Datafolha com viciados da cracolândia de São Paulo. Os números insistem em escancarar o que os ditos “progressistas” não querem ver. Em vez de acatar a realidade, torturam a lógica para que ela confesse o que eles querem ouvir. Antes que entre propriamente no mérito do levantamento, algumas considerações relevantes.
O desastre social, ético, moral, econômico e urbanístico na cracolândia não se fez da noite para o dia. Trata-se de uma fabulosa soma de erros que foram se acumulando ao longo dos anos. Todos deram a sua inestimável cota de contribuição ao descalabro: as autoridades, a imprensa, setores da Igreja Católica que confundem o sofrimento com a ascese (isso, claro, quando seus padres sabem a diferença entre a Bíblia e um cachimbo de crack), cientistas sociais, as esquerdas etc.
Tenho procurado ler muita coisa nestes dias, verificar a abordagem do tema no resto do mundo etc. Espanto-me. Mesmo os grupos mais porra-loucas da Europa mais “progressista” resistem em tratar a dependência como exercício de cidadania. No limite, até acham que os viciados são um problema do estado, mas não há quem não os considere, no mínimo, doentes. Uma faixa exposta durante aquela inacreditável churrascada na cracolândia dá o que pensar: “Nem criminoso nem doente; usuário de drogas é cidadão”.
Assim, entende-se que o consumo das substâncias hoje consideradas ilícitas, crack inclusive, é um exercício de… cidadania! Digamos, meus caros, que fosse… Esses “cidadãos” especiais têm o direito de sitiar as cidades? Problema médico ou mero exercício da vontade individual, uma coisa é certa: quando um grupo impede o direito constitucional de ir e vir, como faziam os viciados e os traficantes da cracolândia, estamos diante de uma questão de segurança pública.
Voltemos à Folha. O texto do jornal começa com uma indagação: “O viciado em crack tem uma vida desestruturada porque consome a droga ou consome a droga porque tem uma vida desestruturada?” Pois é… O levantamento aponta que “a grande maioria apresenta dados socioeconômicos bem abaixo dos da média da população.” Sim, todos intuíamos isso. O jornal resolveu ouvir especialistas. Um deles é Dartiu Xavier. Ora, ao se escolher alguém para comentar um dado, escolhe-se também uma análise, uma visão de mundo. Dartiu gosta de falar. Eu já contestei aqui um artigo seu publicado no Estadão no dia 9. Ele é diretor do Programa de Orientação, Atendimento a Dependentes (Proad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
No texto, afirma Dartiu: “O segundo equívoco é pensar que a droga é que causa a situação de miséria de quem a consome. É exatamente o contrário. O que leva as pessoas para o buraco é a ausência do Estado, que não oferece escola de qualidade, habitação digna nem chance de trabalho. A droga é consequência, não é causa.” Agora, ao comentar os dados do Datafolha, repetiu a ladainha: “A droga é efeito, não causa da exclusão. A pessoa já vive excluída socialmente, e sua miserabilidade faz a droga florescer.”
Bem, é mentira!
Dartiu pode até ser um exímio psiquiatra, mas não passaria - e boa parte da imprensa também não! - na prova de “Massinha 1″ de Lógica Elementar. Por quê? Segundo o Datafolha, entre os viciados da cracolândia, “27% não têm trabalho e nem procura um. Na população em geral, a taxa é de 3%.” Ou ainda: “Quem diz trabalhar faz bico (45% contra 17% na média em São Paulo): recolhe material na rua para revender, guarda carros ou é prostituta.” Ou ainda: “Os craqueiros da rua têm menor escolaridade: 64% concluíram no máximo o ensino fundamental e apenas 6% têm nível superior. A média entre moradores de São Paulo é diferente: 17% concluíram uma graduação.”
Trato aqui amiúde da maldita confusão que se faz por aí entre correlação e relação de causa e efeito. O fato de determinadas características costumarem estar presentes numa ocorrência não faz delas, necessariamente, elementos determinantes dessa ocorrência. Dou um exemplo. Eu duvido que haja muitos bandidos vegetarianos. A maioria dos criminosos, estou certo, come carne. Isso quer dizer que esse alimento induz a delinqüência? Não! Quer dizer apenas que o vegetarianismo é um traço de um conjunto de outros traços de formação social que costumam ser incompatíveis com certo tipo de delinqüência. Mas atenção!
1- A maioria dos não-bandidos não é vegetariana:
2- A esmagadora maioria das pessoas que comem carne não é composta de bandidos;
3 - Certamente existem bandidos vegetarianos;
4 - A carne não predispõe ninguém ao crime.
Depois que uma pessoa se torna viciada em crack, quais são as suas chances de ter um trabalho fixo? Ora, a violência com que a droga dela se apodera fala por si mesma. Assim, que 27% “não tenham trabalho nem procurem um”, contra apenas 3% na população, é, se querem saber, um número que me parece até subestimado. “Procurar um emprego” é, além de uma questão econômica, também um traço de moralidade pessoal e de ética coletiva, pilares que o viciado perde. Que apenas 17%, entre os que trabalham, digam viver “de bico” em São Paulo, contra 45% na cracolândia, eis outro dado compatível com a ditadura da droga. Digam-me: o que, nesses dados, leva Dartiu a concluir que foi a miséria que empurrou essas pessoas para o crack, não o contrário?
Ora bolas! É evidente que um sujeito pobre que se vicia tem mais chances de terminar na cracolândia do que um rico. É certo que um indivíduo apenas remediado que se torne dependente da cocaína tem mais chances de parar na sarjeta do que um milionário. O fato de população da cracolândia ter uma escolaridade inferior à da média de São Paulo não tem a menor importância. Isso só quer dizer que a droga prejudica ainda mais aqueles que já eram mais vulneráveis. O mesmo se pode dizer da gripe. O que interessa é saber por que a esmagadora maioria dos pobres e dos miseráveis NÃO SE DROGA!!! Qual é a hipótese de Dartiu?
Números ignorados
Eu lamento que a Folha tenha recorrido a Dartiu e a uma outra estudiosa da área para encontrar na pesquisa aquilo que foi procurar, preferindo ignorar números do Datafolha que, estes sim, dão muito pano pra manga. O jornal não deixou de publicá-los, mas os escondeu editorialmente.
Os números evidenciam o que os irresponsáveis que pregam a descriminação da maconha fazem questão de ignorar - ou sua luta perderia o caráter simpático de defesa de “direitos civis”. Dizem consumir outras drogas nada menos de 65% dos entrevistados. Entre as ilícitas, a mais comum é a maconha (43%), seguida pela cocaína: 30%. Os números sugerem o que sabe toda gente que lida com viciados: é muito raro haver o consumidor de uma única substância, e a maconha, dizem-me pessoas que lidam na área, é quase sempre a porta de entrada no mundo do vício.
Se o crack é uma determinação da miséria, como quer o tal Dartiu, ele teria de explicar por que o viciado da cracolândia é, na sua esmagadora maioria, homem (84%). É evidente que a desproporção não se explica pelo viés econômico. Os homens estão mais expostos a essa e a outras transgressões porque a educação dos meninos, em qualquer classe, é mais laxista e permissiva do que a das meninas.
Alguns números são assombrosos: 63% dos homens na cracolândia têm entre 16 e 34 anos - são jovens! Declaram-se solteiros 62%, mas 70% já são pais. Entre as mulheres, esse número chega a 90%. Um dos comportamentos associados ao uso da droga é sexo de risco - às vezes, para conseguir mais droga. Nada menos de 48% dizem consumir mais de cinco pedras por dia, e 38% afirmam gastar, diariamente, R$ 60 com o vício - R$ 1.800 por mês; quase três salários mínimos. Considerando que se manter vivo tem algum custo, serei obrigado a lembrar a Dartiu que o seu “miserável” de manual é, vejam que coisa!, de “classe média” - pelo menos assim ensinam os compêndios sobre a tal Classe C…
Encerrando
Durante anos a vigarice sociológica deu as cartas no Rio de Janeiro, por exemplo, e impediu o estado de fazer o óbvio: recuperar os territórios que estavam - e a maioria ainda está - sob o controle do narcotráfico (e, agora, das milícias). A suposição era justamente esta: o que se tem lá é um problema social. Durante anos, ouvimos cretinos a tonitruar: os morros precisam de políticas sociais, não de polícia! Errado! Precisam de polícia e de políticas sociais. Sem a primeira, os donos do pedaço se tornam os principais beneficiários de eventuais investimentos públicos feitos em áreas carentes.
É uma tolice, uma mentira, uma vigarice ou uma ilusão acreditar que só o trabalho de saúde e de assistência social resolve o problema da cracolândia - ou das cracolândias (ver texto acima). A existência de uma área destinada ao consumo e ao tráfico de drogas, regida por leis próprias, é inaceitável. Aliás, as pessoas não têm o direito de fechar vias púbicas e de sitiar moradores nem que seja para celebrar o consumo de chicabom.
A interpretação que se fez da pesquisa Datafolha reforça o mito de que pobreza induz violência e vício. Não! A esmagadora maioria dos pobres é honesta e careta, ainda que a maioria dos que perambulam pela cracolândia seja pobre.
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