Assistência a dependentes químicos no DF não garante reabilitação - Saulo Araújo e Ariadne Sakkis - 22/08/2011 07:47
O caminho para a reabilitação social de um usuário de drogas, sobretudo de crack, é tortuoso. Para se chegar à independência do vício, a pessoa precisa contar com o amparo de uma rede de tratamento preparada para dar suporte às crises inerentes ao processo de desintoxicação. Esse é o papel do Centro de Assistência Psicossocial de Álcool e Outras Drogas (Caps AD), modelo de assistência ao doente mental que substituiu, desde a Reforma Psiquiátrica, o formato baseado nas internações hospitalares. A terceira reportagem da série “A droga que consome Brasília” mostra, entretanto que a situação dessa estrutura é precária no Distrito Federal. Falta de tudo um pouco: investimento, pessoal e unidades de atendimento.
No cenário nacional, o Distrito Federal apresenta a pior proporção entre Caps e população: são apenas 12 unidades para mais de 2,6 milhões de moradores. O estado de Sergipe, mais pobre e com 600 mil habitantes a menos que o DF, tem 32. O cenário para o tratamento de dependentes químicos na capital federal é ainda mais preocupantes levando em conta que apenas quatro Caps AD estão distribuídos no Guará, Sobradinho, Ceilândia e Santa Maria. Crianças e adolescentes envolvidos com entorpecentes contam apenas com o Adolescentro para obter cuidado especializado. Em todas as unidades, profissionais fazem o impossível para garantir tratamento a milhares de dependentes — a Secretaria de Saúde não dispõe de estatística que estabeleça a média mensal de atendimentos.
No Caps AD do Guará, por exemplo, entre janeiro e junho deste ano, 579 pessoas foram acolhidas e, atualmente, 1.118 estão em acompanhamento ativo. A maioria dos centros não possui dados sobre quantos pacientes estão envolvidos com a droga. Apesar disso, a percepção de quem lida com a rede de amparo é de que o volume de usuários da droga cresceu. “Em comparação com o ano passado, mais dependentes de crack têm procurado os serviços”, diz Dalila Dourado, gerente do posto. Em Sobradinho, o fluxo é menor, mas comum receber pessoas que vivem em Sobradinho 1 e 2, Planaltina e no Paranoá. Estão em tratamento 320 pacientes. As consultas médicas, psicológicas e oficinas são agendadas, mas a unidade tem problemas com a escassez de profissionais, o que abala o sistema de reinserção social. No local, não há clínico geral ou psiquiatra trabalhando em esquema de dedicação exclusiva: os profissionais são cedidos por hospitais regionais e atendem no Caps AD 10 horas por semana.
Referência
O mais recente centro de referência no tratamento de viciados fica em Santa Maria e foi inaugurado em setembro de 2010. Ele deveria cobrir a área da cidade e do Gama, mas a unidade recebe pacientes do Entorno do DF. Lá, também não há um psiquiatra lotado na unidade. Um médico do Hospital São Vicente de Paula se ofereceu para prestar atendimento uma vez por semana. “Ainda não temos demanda reprimida. Conseguimos desenvolver bem o trabalho aqui”, conta Deise de Almeida Gomes, psicóloga do centro e gerente interina. Em um ano de funcionamento, foram abertos 807 prontuários. Desses, 224 pacientes seguem em tratamento e a média mensal de novas recepções é de 40 pessoas.
Mesmo com necessidade evidente de investimentos, um levantamento feito no Portal da Transparência do GDF mostra que nem um centavo dos R$ 4 milhões previstos no orçamento deste ano para o combater o uso de entorpecentes foi empregado na reabilitação psicossocial. Na pasta da Saúde, sabe-se apenas que R$ 2 milhões destinam-se a construção de novos Caps. O Ministério da Saúde repassa a estados e municípios valores custear parte dos equipamentos. Entre 2010 e 2011, o órgão liberou mais de R$ 440 mil ao DF: R$ 56 mil em dezembro de 2010 e R$ 384 mil há um mês.
A precariedade do sistema de amparo a portadores de transtornos mentais e usuários de drogas motivou o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) a mover uma ação civil pública contra o Distrito Federal. Juntas, a promotorias de Execuções Penais e Defesa da Saúde (Prosus) exigem que o governo crie seis residências terapêuticas para acompanhar as pessoas com necessidade de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico que não têm amparo familiar; implante mais sete Caps de diferentes portes; e constitua equipes multidisciplinares em número suficiente para desenvolver as atividades clínicas dos centros.
A Promotoria de Execuções Penais entrou na ação devido a situação de presos que sofrem dos dois problemas. “Não temos atenção de saúde mental adequada em Brasília e sentimos muito isso também dentro dos presídios. É um atendimento raso, que não regenera ninguém. Essas pessoas saem da cadeia e não têm para onde ir. Muitos cometeram crimes em função do uso de drogas”, diz Cleonice Varalda, titular do órgão.
Em entrevista ao Correio na semana passada, o governador Agnelo Queiroz anunciou o início de uma operação para “varrer o crack” do Distrito Federal. A ação será integrada entre secretarias do GDF, como as pastas de Segurança, Saúde e Desenvolvimento Social, e setores do governo federal. A princípio, a força-tarefa será concentrada no Plano Piloto, em Ceilândia e Taguatinga, regiões com maior incidência do tráfico dessa droga. Inicialmente, a operação seria realizada a partir de hoje, mas a iniciativa foi adiada. Na primeira reunião de secretários desde que chegou da China, o governador tomou conhecimento de detalhes sobre a cruzada contra o crack e resolveu fazer alguns ajustes no plano. A previsão é de que até o fim de agosto, a operação liderada pela Secretaria de Segurança estará na ruas.
“Em comparação com o ano passado, mais dependentes de crack têm procurado os serviços”, Dalila Dourado, gerente do Caps AD do Guará
46 - Total de CAPs AD previstos no Plano Diretor de Saúde Mental para o DF
320 - Total de pacientes em tratamento no Centro de Assistência Psicossocial de Álcool e Outras Drogas de Sobradinho
COMPROMETIMENTO DOS PODERES
As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.
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