Ex-empresário conta como o crack o fez perder tudo o que tinha - Saulo Araújo - CORREIO BRAZILIENSE, 20/08/2011 08:00
"Estou longe das drogas há quase um ano e tento recuperar minha vida. Meu casamento acabou, meu filhos sentem vergonha de mim, roubei, tentei suicídio, amigos me viraram as costas"
Paulo Lúcio da Costa, hoje com 55 anos, viu tudo o que tinha conquistado na vida ser dizimado pelo crack. Ele trabalhava vendendo remédios homeopáticos, ganhava mais de R$ 3 mil por mês, mas faliu por não conseguir controlar o vício. Desesperado por não ter mais dinheiro para comprar as pedras da droga, Paulo fez um empréstimo de quase R$ 6 mil, que até hoje não conseguiu pagar. Em um lapso de sensatez, decidiu resgatar sua dignidade. Vendeu a casa que tinha e comprou uma loja de sapatos em Planaltina. Virou empreendedor. As vendas iam bem, até que Paulo teve uma recaída que lhe custou a curta carreira de microempresário.
Novamente afundado no submundo do crack, viu sua vida desandar pela segunda vez. Passou a viver na rua, quase morreu nas mãos de traficantes. Contrariando o padrão de um viciado em crack, conseguiu, espontaneamente, procurar por tratamento no Caps AD de Santa Maria. “Ou eu procurava ajuda ou me entregava para a morte. E eu não queria morrer daquela forma”, contou Paulo ao Correio.
Hoje, o ex-empresário mora de favor na casa de uma sobrinha, no Gama. O homem que já teve casa e carro próprios se sustenta com um salário mínimo (R$ 545) que recebe do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por ter contraído úlcera varicosa, doença que provoca grandes feridas nas pernas. Mesmo não resgatando seu padrão financeiro, ele diz atravessar a fase mais feliz de sua vida.
“Limpo”
Há mais de um ano “limpo”, Paulo Lúcio passou a integrar recentemente a equipe de voluntários do Programa de Redução de Danos da Secretaria de Saúde do DF, que consiste em tentar evitar que usuários de drogas contraiam doenças como HIV, hepatite e sífilis. O redutor de dano atua levando aos viciados um kit que contém cachimbo individual para fumar crack, canudo para aspirar cocaína, seringa individual para aplicação de drogas injetáveis, preservativo e protetor labial.
A coordenadora substituta do Caps AD de Santa Maria, Deise de Almeida Gomes, explica que a distribuição do kit não é um estímulo aos dependentes de entorpecentes. A intenção é preservar a saúde do usuário, caso ele decida abandonar o vício. “Muitas vezes o dependente aceita o tratamento, mas, aí, já está com várias doenças que poderiam ser evitadas se ele tomasse alguns cuidados. A ideia desse projeto é possibilitar a recuperação da pessoa sem que ela esteja doente”, explicou Deise.
Paulo Lúcio já distribuiu centenas de kits para viciados nas cracolândias do DF e explica que a entrega dos objetos é acompanhada de um duro discurso. “Eu entrego o kit, ensino como a pessoa deve usar, mas falo para ela que se ela não sair dessa vida, vai morrer. Explico que o pulmão dela vai parar, que ela vai ter problemas cerebrais, que ela vai ter uma overdose e que ela é uma forte candidata a ir para o caixão. Nesse trabalho que executamos com eles, não podemos ter dó.”
DEPOIMENTO - "Abri a porta do cemitério e só não entrei por muito pouco" - Luiz (Nome fictício a pedido do entrevistado), 35 anos.
“Joguei fora duas carreiras promissoras por conta do crack. Era jogador habilidoso. Eu fazia parte do grupo do Gama em 1998, quando o time conquistou a Série B do Campeonato Brasileiro e entrou para a elite do futebol nacional. Joguei poucas partidas, mas estava lá. Naquela época, já vivia às voltas com a cocaína e com a merla. Perdi espaço no time e fui dispensado. Ainda lutava contra o vício da merla e da cocaína quando assinei contrato com o Samambaia Futebol Clube. Eu conciliava a carreira de atleta com a de vigilante. Com as funções, eu ganhava mais de R$ 2 mil por mês. Mas há quatro anos eu cheguei ao fundo do poço com o crack. Se já era difícil me manter longe da cocaína e da merla, impossível com o crack.
Passei a trabalhar drogado. No serviço armado, fiz até roleta-russa apontando a arma para minha cabeça e apertando o gatilho. Tentei suicídio algumas outras vezes. Primeiro deixei o futebol. O salário de R$ 1,7 mil como vigilante era todo gasto em pedras e mais pedras. Cheguei ao ponto de vender televisão, aparelho de som e geladeira de casa para comprar droga. No auge da abstinência, assaltei uma mulher e roubei sua bolsa. Fui preso em flagrante e condenado a quatro anos de prisão. Passei apenas uma semana na cadeia, pois a família conseguiu um advogado que entrou com pedido de soltura. A sorte foi eu não ter sido demitido. Me encaminharam para tratamento e graças a Deus, hoje, estou encostado pelo INSS recebendo auxílio-doença no valor do meu salário como vigilante.
Estou longe das drogas há quase um ano e tento recuperar minha vida. Meu casamento acabou, meu filhos sentem vergonha de mim, roubei, tentei suicídio, amigos me viraram as costas. Abri a porta do cemitério e só não entrei por muito pouco.”
COMPROMETIMENTO DOS PODERES
As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.
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