COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

COMO O CRACK DESTRUIU A VIDA DE PAIS. FILHOS E COMPANHEIROS

Famílias contam como o crack destruiu a vida de pais, filhos e companheiros - Ariadne Sakkis e Saulo Araújo - CORREIO BRAZILIENSE, 23/08/2011 09:43.


As histórias contadas pelas famílias de usuários de crack são permeadas por muito sofrimento. As circunstâncias do vício variam de caso a caso, mas a dor de pais, mães, filhos e companheiros de dependentes costuma ser semelhante. E mesmo que o envolvimento com o entorpecente seja decidido apenas pelo usuário, ele tem efeito avalanche: pode desestabilizar todos os portos seguros que encontra pela frente. “Para entrar no vício, basta um. Para sair dele, é preciso o esforço de um enorme grupo”, resume Teresa*, mãe de um jovem de 24 anos que está na terceira internação para livrar-se do crack. Em alguns casos, as recaídas destroçam o restante da força de mães que veem, impotentes, a destruição dos filhos. “Eu não acredito mais no que ele diz. Rezo muito, quero que melhore, mas não suporto mais. Procuro não vê-lo”, admite Laura*, que já encontrou o filho em estado de transe após fumar centenas de pedras, ao custo de R$ 2 mil. Para mulheres como Benaia Lopes Ferreira resta lamentar a morte do marido e lutar para impedir que outros enveredem pelo caminho de seu companheiro. “A droga destruiu um futuro lindo. Tirou a vida dele e transformou a minha para sempre.” Na quarta reportagem da série “A droga que consome Brasília”, o Correio mostra três histórias de pessoas que tentam dar a volta por cima e salvar a vida de seus entes queridos.

Batalha perdida para a violência

A autônoma Benaia Lopes Ferreira, 32 anos, travou uma batalha contra o crack durante quatro anos para manter o marido longe do vício. Jorge*, 28, foi assassinado a facadas em abril de 2010 por pessoas também envolvidas com droga. Usuário de maconha desde os 13, caiu em desgraça há três anos, quando tentou ganhar a vida em Tocantins (TO), numa plantação de arroz. Lá, conheceu a pedra branca. Da primeira tragada até o dia em que foi assassinado, Jorge perdeu suas referências. Brigou com a família, vendeu tudo o que tinha e jogou fora as oportunidades de emprego. Abandonou até a paixão por tocar bateria na banda de uma igreja evangélica. Jorge sofria de depressão. Nas crises, buscava refúgio no crack. Disposto a largar o vício, chegou a internar-se numa clínica. Quando recebeu alta, voltou para Sobradinho 2, onde morava. Lá, reencontrou antigos lugares e companhias atreladas ao crack. Uma queda da mãe em casa o fez se sentir culpado. “A partir daí, desenvolveu mania de perseguição, afastou-se de novo da família e afundou-se no crack”, detalha Benaia. “Passou a fumar na minha frente, o que nunca tinha feito, e falava para a pedra: ‘Eu quero te largar, mas não consigo’. Ali, vi que a situação era realmente muito difícil”, relembra. Um dia, ele se armou com uma faca de cozinha e saiu disposto a cobrar uma dívida de um rapaz que estava com amigos. Desafiou o suposto devedor, mas o desafeto também estava armado. Depois de uma discussão, Jorge deu as costas ao grupo e foi atingido por várias facadas. Morreu a caminho do hospital. “A droga destruiu um futuro lindo. Tirou a vida dele e transformou a minha para sempre”, diz Benaia, que pretende desenvolver um projeto social voltado para jovens em situação de risco

Decepção e descrédito

Laura* não se impressiona mais com promessas de cura ou com o que diz João*, seu filho de 22 anos. Foram tantas indas e vindas com drogas diversas que ela não tem mais forças para lidar com a dependência química que está roubando a juventude do rapaz. Laura e o pai de João se separaram quando ele ainda era pequeno. Ela casou-se de novo e João presenciou o padrasto agredindo a mãe por diversas vezes. O primeiro cigarro de maconha chegou aos 10 anos. “Um dia, com 17, ele chegou em casa ensanguentado. Havia cheirado cocaína em uma festa e deu em cima de uma moça acompanhada”, lembra a mãe. Quando o rapaz completou 18 anos, foi ao banco e exigiu domínio sobre a conta em que recebia gorda pensão deixada pelo pai. Sumiu três meses.

A mãe o encontrou como indigente em uma rua de São Jorge (GO). Em outro sumiço, Laura viu que não havia solução a não ser interná-lo. “Ele ficou três dias sem contato com o mundo. Eu e a namorada dele decidimos arrombar a porta da quitinete e o que vi foi a cena mais terrível do mundo. Ele gastou R$ 2 mil em crack e fumou tudo nesses três dias. Havia fezes, comida, moscas, tudo misturado”, lembra. João ficou enclausurado por dois meses e sempre que a mãe o visitava, era ameaçada pelo filho.

Depois da reabilitação, eles tentaram morar juntos outra vez. A hostilidade do rapaz fez com que Laura decidisse expulsá-lo de casa. Hoje, ele mora com a avó, em Minas Gerais. “As drogas destruíram minha vida com meu filho. Estou desiludida, não quero vê-lo. Torço para que ele se recupere, mas escolhi cuidar de mim”, admite. “Com meu filho mais novo, estou fazendo tudo diferente”, completa.

Medida polêmica

Diante de tantas dificuldades para minimizar o impacto das drogas na sociedade, uma medida polêmica começa a ganhar força no Distrito Federal: a internação compulsória.

Os governos do Rio de Janeiro e de São Paulo têm adotado a prática, o que fez esquentar o debate sobre o tema. Em Brasília, o projeto não tem como sair do papel porque não há local para onde encaminhar adolescentes e crianças dependentes de drogas. A capital não dispõe de centros de internação para viciados em álcool e drogas. Todas as unidades existentes prestam apenas atendimento ambulatorial. No entanto, com a previsão do GDF de construir 46 Centros de Assistência Psicossocial (Caps), sendo 12 voltados para o atendimento a usuários de drogas, a proposta começa a ser levada em consideração.

O promotor da Infância e da Juventude do DF Renato Varalda acredita que obrigar o tratamento, em muitos casos, pode ser a única saída para salvar a vida de pessoas totalmente consumidas pelo vício. “É preciso haver uma ponderação de valores. Quando a droga coloca em risco a formação da personalidade de uma criança, quando sua integridade está ameaçada, o direito à vida deve prevalecer ao de ir e vir”, defende.

Nós também adoecemos

Já faz mais de 50 dias que Fábio* está longe dos pais. É a terceira internação do filho mais velho do casal de funcionários públicos Teresa* e Antônio*. O rapaz de 24 anos nunca preencheu o estereótipo de garoto problema. Era bom aluno, carinhoso com os pais, bem-educado. No fim da adolescência, reprovou na escola e emagreceu rapidamente. O filho afetuoso deu lugar a um jovem de rompantes agressivos. Em casa, objetos começaram a sumir. “O crack veio arrasando tudo”, diz Teresa. Mesmo apaixonado e esperando a primeira filha, o jovem se rendeu à droga. Chegou a forjar o próprio sequestro para tirar dinheiro dos pais e pagar traficantes. “Vendi meu carro para pagar dívida de droga. A mulher dele não aguentou a barra e foi embora. Chegou a depenar o apartamento que montamos para ele. Vendeu tudo, até botijão de gás, para comprar droga”, lembra a mãe. Teresa entrou em depressão e está licenciada do trabalho. Ela e Antônio frequentam a reunião dos pais na clínica onde Fábio está internado. “Nós também adoecemos. E só podemos ajudá-lo se estivermos bem”, diz. A terapia em grupo ajudou o casal a transformar a culpa em responsabilidade. “Se tivesse mais vivência, teria procurado ajuda antes. Você espera que o problema acabe antes de ter de contar para as pessoas”, lamenta Antônio. A família mudou-se de casa, de hábitos e amigos para evitar que Fábio passe por tentações e possa resistir quando receber alta. “A gente erra por amor. O medo paralisa. O que me segura é a fé. E ao Fábio também. Tenho certeza de que ele vai se recuperar”, espera a mãe.

Sem alternativa

Segundo o promotor, diariamente, pais e mães desesperados pedem aos representantes do Ministério Público que os filhos sejam privados de liberdade. “Tem mãe que implora para o filho ficar internado. Porém, como não temos unidade de internação no DF, muitas vezes recorremos ao Caje (Centro de Atendimento Juvenil Especializado), mesmo que o ato infracional cometido por ele não necessariamente seja passível de medida tão radical. Não é o ideal, mas diante da falta de opções, é preferível que ele fique no Caje do que rua alimentando o vício”, diz.

Na opinião do professor de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB) Roberto Bittencourt, especialista em saúde pública “nem o Caps nem a internação esgotam o tratamento de desintoxicação”. Para ele, é preciso promover um alinhamento entre as duas vertentes de tratamento para que o paciente tenha o maior leque de opções a fim de ser reinserido na sociedade.

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